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Conflitos à distância, inflação em casa: como guerras afetam seu bolso

O cidadão comum, por vezes desinformado sobre os conflitos em curso, acaba pagando uma conta silenciosa...........................

Por Luciano Bushatsky Andrade de Alencar Publicado em 28/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 28/06/2025 às 10:43

Mesmo a milhares de quilômetros, guerras e tensões geopolíticas aumentam o custo do transporte, pressionam commodities e encarecem produtos básicos, afetando consumidores que sequer conhecem as causas do conflito_

Em um mundo globalizado, nenhuma guerra é apenas local. Mesmo conflitos distantes, como os travados no Oriente Médio, no Leste Europeu ou na África, provocam efeitos dominó que chegam com força às prateleiras dos supermercados, aos postos de gasolina e às planilhas de custo das empresas. O consumidor, muitas vezes alheio à origem dessas disputas, sente diretamente os impactos no bolso, com inflação elevada, atraso de entregas, produtos mais caros e perda de competitividade.

A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em 2022, é um exemplo emblemático. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o conflito provocou a maior crise alimentar desde 2008, com o preço global de alimentos subindo mais de 14% só em 2022. A Rússia e a Ucrânia são responsáveis por quase 30% das exportações globais de trigo. Com o bloqueio de portos e o encarecimento dos transportes, o fornecimento foi drasticamente afetado, pressionando os preços em todo o mundo.

Além da alimentação, o petróleo, insumo base para transporte e produção industrial, também sofre oscilação constante. Em outubro de 2023, o conflito entre Israel e Hamas elevou os preços do barril de petróleo tipo Brent em mais de 6% em uma única semana, segundo a Reuters. Esse tipo de volatilidade afeta toda a cadeia logística global, aumentando o custo do frete e dos insumos produtivos, mesmo nos países não envolvidos diretamente nos combates.

Outro exemplo atual é o ataque de rebeldes houthis no Mar Vermelho, que desde o final de 2023 dificulta o tráfego de navios no Canal de Suez, rota por onde passa 12% do comércio mundial, segundo a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Com isso, empresas de transporte redirecionam suas embarcações pelo Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, aumentando o tempo e o custo da entrega em até 40%. Isso explica por que itens importados demoram mais e chegam mais caros ao consumidor.

O problema se agrava com a prática dos chamados "free riders": empresas que, mesmo sem serem diretamente afetadas pelos conflitos, aumentam os preços alegando instabilidade. O Banco Mundial estima que 20% da inflação global em 2022 teve como origem não os choques reais de oferta, mas comportamentos especulativos ou oportunistas por parte de empresas e distribuidores.

Há também a mudança industrial provocada pelas guerras. Segundo relatório da SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), os gastos militares globais ultrapassaram US$ 2,44 trilhões em 2023, um recorde histórico. Esse redirecionamento de recursos fez com que fábricas antes voltadas à produção civil migrassem para atender à indústria bélica, restringindo a oferta de bens comuns e pressionando preços em setores inteiros, como metalurgia, eletrônicos e logística pesada.

Para os importadores, resta a difícil missão de adaptar-se: buscar fornecedores em regiões estáveis, renegociar contratos, rever estratégias logísticas e investir em seguro e compliance. São medidas necessárias, mas que não anulam o efeito final: custos repassados ao consumidor. Em muitos casos, esses ajustes são invisíveis aos olhos de quem apenas percebe que o arroz, o combustível ou o tênis ficaram mais caros, sem entender que, por trás da etiqueta, há bombas caindo a milhares de quilômetros de distância.

O cidadão comum, por vezes desinformado sobre os conflitos em curso, acaba pagando uma conta silenciosa. Guerras, afinal, já não matam apenas com tiros. asfixiam orçamentos, desequilibram mercados e roubam a estabilidade de países inteiros,mesmo que indiretamente. Por isso, é urgente entender que geopolítica não é tema de diplomatas apenas. É uma realidade econômica, social e humana que, cedo ou tarde, entra pela porta da sua casa.

Luciano Bushatsky Andrade de Alencar, advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo IDP e mestre em Direito Tributário pela FGV Direito SP

 

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