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A desordem cyber-nuclear e o espectro da guerra

Não temos um regime de controle do mundo cibernético, e o modelo de controle da tecnologia nuclear parece insuficiente para resolver os problemas.

Por MARCOS AURÉLIO GUEDES DE OLVIERA Publicado em 26/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 26/06/2025 às 10:15

O imprevisível impacto de uma guerra cibernético-nuclear tem se tornado uma preocupação crucial no pensamento a respeito das novas formas de conflito, projeção de poder e coerção entre as nações no século XXI. Se a corrida nuclear provou a possibilidade de destruição completa do planeta por meio do uso do arsenal em posse das grandes potências durante a Guerra Fria, sua junção com a tecnologia cibernética pode resultar em armas de destruição em massa muito mais letais e assustadoras que as nucleares.

Há dez anos, Joseph Nye, um dos mais renomados analistas das relações internacionais, afirmava que o poder cibernético não possuía potencial destrutivo como o nuclear e que a experiência com armas nucleares ensinou às potências a importância do seu controle por meio de regimes globais. Para ele, acordos internacionais e de cooperação prevaleceriam na área cibernética de maneira análoga ao processo de desenvolvimento dos acordos nucleares durante a Guerra Fria. O autor afirma que o futuro cibernético não colocará uma espada semelhante à nuclear sobre nossas cabeças. No entanto, isso não aconteceu até agora.

Na verdade, essa percepção, talvez contaminada pela visão inocente dos anos de ouro das tecnologias de comunicação, não demorou a mudar. A difusão das tecnologias da informação por todas as atividades humanas indicou que, diferentemente da tecnologia nuclear, o mundo cibernético estabeleceu uma interface entre todos os indivíduos e entre esses e suas próprias existências. Enquanto a tecnologia nuclear está setorizada em áreas específicas da atividade humana, a cibernética tornou-se intrinsecamente associada ao cotidiano, tornando os indivíduos, instituições e sociedades cada vez mais dependentes de seus recursos.

Quando, a partir de 2014, se compreendeu que a modernização das armas e da tecnologia nuclear exigia sua submissão à tecnologia cibernética, ficou claro que os vícios e falhas dessa nova tecnologia seriam o ponto frágil para o controle dos arsenais nucleares das grandes potências. E, à medida que esse processo se ampliaria nas décadas seguintes com o uso de recursos de inteligência artificial, a pergunta respondida por Nye voltaria a ser relevante na busca de novas respostas. Afinal, a tecnologia cibernética, principalmente quando associada a armas nucleares, pode levar à guerra de destruição em massa?

O uso, pela Rússia, da tecnologia da informação no conflito com a Ucrânia, combinado com outros recursos militares, indicou a emergência de um novo tipo de conflito ou guerra híbrida, que combina ações de informação e desinformação com sabotagem eletrônica. Essa tendência se consolida com base em novos recursos tecnológicos e no crescente uso de inteligência artificial. O ataque a uma usina nuclear iraniana em 2010 com o vírus Stuxnet deve ser entendido como o início de uma nova fase do uso de recursos cibernéticos associados a tecnologias de destruição em massa. O processo de informatização das usinas nucleares e dos sistemas de armas vai consolidar a dependência de todos os aspectos da guerra moderna a essa tecnologia.

O reconhecimento da importância dos crescentes ataques cibernéticos e suas potenciais consequências econômicas e político-estratégicas levou o então presidente Joe Biden a colocar o tema no centro de sua agenda no encontro com o presidente Vladimir Putin em 16 de junho de 2021, cuja nação tem sido repetidamente acusada de abrigar grupos de hackers envolvidos em todo tipo de operações ilegais. Na mesa de negociações estava ainda a atualização tecnológica das armas nucleares, que exigirá novos protocolos de cooperação e controle para contornar os problemas de elevada insegurança produzidos pela tecnologia cibernética.

Embora o debate sobre a introdução de uma legislação global sobre o tema tenha crescido nos últimos anos, as ações ilegais de hackers e organizações criminosas, e mesmo de grupos estatais envolvidos em espionagem e no desenvolvimento e aprimoramento do uso do meio cibernético para obter vantagens, parecem ter crescido ainda mais e ampliado sua capacidade de causar danos graves à sociedade. A consultoria Cybersecurity Ventures estima que hoje ocorre um ataque de ransomware a cada dois segundos no mundo e que, em 2031, os prejuízos com esse tipo de ataque somarão US$ 265 bilhões.

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