Sérgio C. Buarque: Os três cavaleiros do apocalipse
Da sala oval da Casa Branca, o presidente Donald Trump distribui chantagens pelo mundo afora (contra inimigos e aliados), anunciando agressões...

Poucas vezes na história contemporânea, a geopolítica global teve uma configuração de dirigentes mundiais tão nefasta quanto temos neste momento, com Trump, Putin e Netanyahu promovendo guerras e quebrando a paz e a segurança mundiais. São os três cavaleiros do apocalipse que se empenham em realizar a trágica profecia do apóstolo João: a besta se estabelece na Terra e os cavaleiros promovem guerras, fome, pestilência e morte, antecipando o final dos tempos. O apóstolo previa a ação combinada de quatro cavaleiros do apocalipse, mas bastam esses três para propagar a violência e a devastação, destruindo a paz mundial e ameaçando o planeta com armas nucleares.
Da sala oval da Casa Branca, o presidente Donald Trump distribui chantagens pelo mundo afora (contra inimigos e aliados), anunciando e realizando agressões e sempre lembrando o enorme poderio militar dos Estados Unidos, ignora as mudanças climáticas, desestrutura as relações do comércio global e, internamente, ataca as instituições democráticas e desrespeita os direitos humanos. Seu apoio incondicional à guerra devastadora de Israel sobre a Faixa de Gaza e sua proposta estapafúrdia e desrespeitosa de retirar os palestinos da sua pátria e construir resorts turístico no mediterrâneo entra na conta do primeiro cavaleiro do apocalipse.
O segundo cavaleiro, em conluio com o primeiro, é Benjamin Netanyahu que já está executando uma limpeza étnica na Faixa de Gaza, massacrando a população, destruindo a infraestrutura e matando mais de 50 mil palestinos, em total desprezo pela vida e pelos acordos internacionais. Agora, ele volta a sua prepotência no ataque ao Irã com mísseis a bases militares e o assassinato de generais e cientistas iranianos, com o objetivo de desmontar o programa nuclear do país persa, apelando para a “sobrevivência existencial de Israel”. Na verdade, mesmo que Irã esteja próximo de construção de um artefato nuclear, a nova frente de guerra de Israel representa um caminho escolhido por Netanyahu e uma tentativa de recuperar apoio político interno à sua própria sobrevivência no poder. Ele pretende consolidar hegemonia militar de Israel no Oriente Médio com a agressão militar ao Irã, único país da tensa região detetor de armas nucleares de destruição em massa, a guerra servindo também aos seus interesses pessoais na política israelense.
Além disso, Netanyahu não esconde a sua intenção de destituir o governo do aiatolá Ali Khamenei, na expectativa da sua guerra provocar a queda da teocracia iraniana, numa ingerência adicional numa nação independente. O governo ditatorial e fanático dos aiatolás do Irã não reconhece o Estado de Israel e representa um elemento de instabilidade e insegurança na região, mas Netanyahu não tem autoridade ou direito de atacar e agredir militarmente e interferir na política interna de outro país, independente da sua estrutura de poder. Nem mesmo para impedir que o inimigo venha a deter um artefato nuclear. Se o Irã vier a produzir a bomba atômica, o que não é desejável nem para Israel nem para a paz mundial, o Oriente Médio estaria dominado pelo “equilíbrio do terror” na região, os dois grandes inimigos contidos num eventual uso da bomba nuclear por temor da resposta do outro. Em última instância, o artefato nuclear é produzido para não ser utilizado, principalmente quando dois inimigos detêm o mesmo poder e têm consciência da destruição massiva de uma represália.
Para a segurança e a paz mundial não há dúvida que se deveria evitar que o Irã não entrasse no reduzido grupo de países detentores de bomba atômica. Por isso, várias nações impõem sanções econômicas e o presidente Barak Obama tinha firmado entendimento com o governo do aiatolá que suspendia o programa nuclear iraniano de uso militar e aceitaria o monitoramento da Agência Internacional de Energia Atômica. No seu primeiro mandato e com incentivo de Netanyahu, Trump anulou o acordo nuclear abrindo caminho para o Irã acelerar seu programa de enriquecimento de urânio.
Trump tentava, com vários anos de atraso, retomar as negociações, mas foi atropelado pelo bombardeio de Israel. Agora, depois de exigir a capitulação incondicional do Irã e ainda recomendar a evacuação de Teerã pela população da grande cidade (mais de nove milhões de pessoas), Trump se juntou a Israel e lançou um grande ataque de mísseis contra instalações nucleares do Irã, abrindo caminho para uma guerra de grandes proporções e antecipando a intensão de derrubar o governo dos aiatolás. Alguém lembra da invasão do Iraque?
Em resposta, Teerã ameaça fechar o estreito de Ormuz, por anda passam mais de 20% de todo o petróleo que irriga a economia mundial, cerca de 20 milhões de barris de petróleo anualmente. A economia mundial estremece e, tudo indica que a agressão dos Estados Unidos ao Irã vai alimentar o terrorismo internacional; a impotência do mundo islâmico diante da superioridade e arrogância dos Estados Unidos se expressando em atentados isolados que, no final das contas, gera medo e sacrifica pessoas inocentes.
Enquanto isso, na Eurásia, o terceiro cavaleiro do apocalipse, o todo poderoso presidente da oligarquia russa, Vladimir Putin, promove guerra e ameaça utilizar armas nucleares para alcançar seus propósitos imperialistas. Há dois anos, as tropas de Putin invadiram o território da Ucrânia numa clara violência dos direitos internacionais e alimentam uma guerra para se apropriar de solo ucraniano e anexar a nação que, segundo suas declarações, não deveria existir como país independente. Diante da reação do povo ucraniano e do apoio político e militar da Europa e, alguns momentos, dos Estados Unidos, Putin não cansa de ameaçar a utilização do seu arsenal nuclear sobre a Ucrânia e seus aliados, chantageando com o risco iminente da terceira guerra mundial, desta feita com troca de bombas atômicas com elevado poder de destruição.
O resto do mundo observa desorientado e perplexo a insensatez destes cavaleiros do apocalipse com declarações vazias, alternando apoios e condenações, manifestações inócuas das Nações Unidas e imobilidade total do Conselho de Segurança. O mais poderoso dos cavaleiros, Donald Trump, com o estilo errático e agressivo da sua diplomacia, fala de paz enquanto propaga a guerra, abandona a Ucrânia à ambição de Putin e oferece a potência militar estadunidense à virulência de Netanyahu contra os palestinos e o Irã. Ao mesmo tempo que se propaga a guerra, Trump, mais que todos, retira os Estados Unidos de medidas que reduzem as emissões de gases de efeito estufa que provocam as mudanças climáticas. Se não for extinta por uma guerra nuclear, a vida na terra pode vir a sofrer os efeitos dramáticos e destrutivos das mudanças climáticas. Assim, a profecia de João pode se realizar, mesmo sem precisar de um quarto cavaleiro do apocalipse.
Sérgio C. Buarque, economista