Mozart Neves Ramos e Gabriela Camarotti: IA, redes sociais e o futuro da educação
Para enfrentar esse cenário, a chave está na educação, no pensamento crítico, uma capacidade profundamente humana de investigar, comparar fontes...

O professor e escritor Yuval Noah Harari, ao refletir sobre democracia e liberdade no livro Nexus, afirma que manter um diálogo não depende apenas da liberdade de falar ou da capacidade de ouvir, mas da disposição real para escutar o outro, compreender o que está sendo dito e aceitar ideias divergentes. Essa habilidade está em risco numa era em que o ambiente digital molda não só o que consumimos, mas também como pensamos, sentimos e interagimos.
Em maio de 2025, o programa Fim de Expediente da rádio CBN realizou uma entrevista com os especialistas em tecnologia e inovação Arthur Igreja e Andrea Iorio, em uma conversa profunda sobre os impactos da Inteligência Artificial (IA) na sociedade contemporânea. O que essa entrevista tem em comum com o livro Nexus é a preocupação com a sociedade atual, com o engessamento cognitivo, com o futuro das relações humanas e das profissões.
No livro Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, o autor traz um alerta importante: pela primeira vez na história moderna, a geração mais jovem pode estar se tornando menos inteligente que a anterior. Essa regressão não se limita ao QI, mas envolve habilidades cognitivas essenciais como memória de trabalho, pensamento crítico e capacidade leitora. Nesse cenário, a Inteligência Artificial atua como uma lente de aumento da era digital, aprofundando tendências já presentes no nosso modo de pensar, interagir e consumir informação.
Modelos como o ChatGPT respondem com base em grandes volumes de dados e padrões, ajustando suas respostas àquilo que o usuário quer ou costuma ouvir. Se antes o algoritmo das redes sociais já entregava versões filtradas da realidade, agora a IA aprofunda esse viés, oferecendo respostas customizadas que, muitas vezes, apenas validam opiniões pessoais em vez de confrontá-las com o contraditório, ou de trazer novas informações. A preocupação que fica é: como formar cidadãos capazes de pensar criticamente, em vez de apenas reproduzirem aquilo que a máquina entrega como verdade? Na entrevista, os especialistas reforçaram a urgência de desenvolver competências humanas que nenhuma máquina possa replicar. Andrea Iorio destacou que, em um mundo cada vez mais automatizado, adaptação e aprendizado contínuo são essenciais para quem deseja permanecer relevante. Afinal, o risco não é ser substituído por uma Inteligência Artificial e sim por alguém que saiba usá-la melhor do que você.
Para enfrentar esse cenário, a chave está na educação, no pensamento crítico, uma capacidade profundamente humana de investigar, comparar fontes, duvidar e discernir. Pensar com autonomia é urgente. Precisamos formar mentes que questionem e que percebam que dialogar com diferentes vozes pode ser saudável, gera repertório, maturidade e pensamento crítico. No entanto, isso não se faz em salas onde se valoriza apenas a resposta certa e o silêncio disciplinado. O modelo tradicional de ensino, com aulas de 45 minutos, 40 alunos enfileirados, muita resposta pronta e pouca ou nenhuma escuta ativa, já não dá conta da complexidade do mundo em que vivemos. É um formato que prepara para obedecer, não para pensar. Se queremos estudantes críticos, precisamos de escolas que promovam o debate, acolham o erro, cultivem a dúvida e estimulem a construção coletiva do conhecimento.
A pergunta que fica não é se nossos filhos sabem todas as respostas, mas se estão aprendendo a fazer as perguntas certas, porque, diante de um mundo automatizado, pensar com profundidade, escutar com abertura e dialogar com o diferente não são apenas habilidades desejáveis; são a base da nossa sobrevivência como sociedade humana. Ou educamos para a autonomia ou formaremos gerações que não saberão pensar, serão intelectualmente submissas.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE
Gabriela Camarotti é diretora pedagógica do Escola Vila Aprendiz