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Roberto Pereira: Puxa o fole, sanfoneiro

O que mais se lamenta, ao defendermos as políticas públicas naturais às raízes do forró e do baião, do xote, xaxado, é a presença do brega dominando

Por ROBERTO PEREIRA Publicado em 22/06/2025 às 7:00

Em priscas eras, assim que se prenunciava o ciclo junino, algumas imagens saltavam aos olhos. Uma delas, a rifa, que imitava casinhas, em madeira, forradas por papéis coloridos, franjados, divididas (as casinhas), no seu interior, por compartimentos, e com cobertas sob a forma triangular onde os meninos vendiam fogos a retalho.
Dava gosto de ver, dava gosto de comprar.

AS QUADRILHAS

Depois, os ensaios das quadrilhas, que se formavam aos pares e, a partir daí, cantadas em francês, acontecia o “anavantur, anarriê,” quando o marcador, experiente, dava o chamado grito da quadrilha, sempre ao ritmo do forró ou do baião, fazendo o balancê nos seus lugares e, cantando, marcava o ritmo com palmas.
No dia da apresentação, cada quadrilha fazia o seu cortejo, vindo de um ponto “A” ao ponto “B”, conforme o combinado. Na frente, a carroça puxada a cavalo, levando um trio de serra, sempre formado pela sanfona, pela zabumba e pelo triângulo, e haja animação ao som do cancioneiro inerente à época.

No trajeto, as ruas eram decoradas com bandeirolas e o povo saía, contente, para a contemplação, mas também para o remelexo dos dois pra lá, dois pra cá, ritmo do forró, baião, do xote e do xaxado.
Aos quadrilheiros, a vestimenta, normalmente, entre os homens, camisa quadriculada, chapéu de palha, cabendo às mulheres o vestido estampado, de chita, com laço borboleta, acochado na cintura, e um ou dois bolsos para carregar os traques de massa, um paramento característico do folguedo junino.

O CASAMENTO CAIPIRA

A encenação do casamento era um imperativo à cultura da época e ainda hoje acontece. O enlace se dava, sempre de forma jocosa, sob a exigência do juiz e do delegado e sob as bênçãos do padre, que também compunha a cena, além dos convidados. O casal de noivos era a atração principal, mas não faltava, na caracterização, a acusação de o noivo ter “feito mal” à noiva, obrigando os pais a cobrarem o enlace matrimonial, um ato da exigência do delegado que, de espingarda em punho, fazia pressão para que o casório se realizasse.

O noivo tentava escapulir, mas, sempre detido, acabava dando pelo sim ao matrimônio.
Atualmente, as quadrilhas, na sua grande maioria, são estilizadas e se apresentam com encenações que representam uma teatralização de luxo e de alto estilo, lembrando as exibições inerentes às escolas de samba.

O FORRÓ E O BAIÃO RAÍZES

O que mais se lamenta, ao defendermos as políticas públicas naturais às raízes do forró e do baião, do xote e do xaxado, é a presença do brega dominando as cenas musicais nas cidades interioranas da região nordestina, deixando, por vezes, ao relento, grandes forrozeiros, compositores e cantores, instrumentistas.
Nada contra o brega, nem às músicas sertanejas, mas, se é tempo de milho, queremos colher milho, da mesma forma que, se o tempo é da música junina, que venha um repertório consonante.
Onde estão os sanfoneiros? E as sanfonas dos 8 baixos? Estas, então, estão a caminho da extinção, sem que o poder público dê trânsito a salvaguardas necessárias e urgentes.
De Chico Buarque, à reflexão, a frase abaixo:

“Após a morte de Luíz Gonzaga, as sanfonas do Nordeste tocam em funeral.”

A frase revela a preocupação do compositor de “A Banda,” com as tradições regionais e com a identidade cultural de Pernambuco e do Nordeste.

A BROA, A CANJICA E A PAMONHA

A culinária junina, à base de milho, é um diferencial desses festejos que contemplam os cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.

O paladar, por sua diversificação e sabores, é de dar água na boca, contemplando a broa, a canjica, a pamonha, o milho assado e cozinhado, o pé de moleque, o munguzá, a pipoca.

A canjica, o prato-símbolo, quando das recepções é derramada nas melhores travessas dos guarda-louças familiares e se prestando às homenagens e aos galanteios. Encimando as canjicas, desenhadas à canela, as iniciais da dona da casa, só para abrir o precedente nessa técnica são joanesca do polvilhar

UMA CULTURA DE RAIZ...DE RESISTÊNCIA

Em sinal de reverência, o trecho inicial de Asa Branca, de Luiz Gonzaga e de Humberto Teixeira, segundo Gilberto Freyre, a Marselhesa do Nordeste:
"Quando oiei' a terra ardendo / Qual fogueira de São João / Eu preguntei / a Deus do céu, uai / Pru que tamanha judiação?"

Corria o malsinado dia 21 de junho de 1989, às 10 horas, o nosso Lua Gonzaga foi levado às pressas ao Hospital Santa Joana, onde ali permaneceu por 42 dias, apenas saindo para o leito de morte.
No dia 23, véspera do São João, consciente da gravidade do seu estado de saúde, câncer de próstata, com metástase nos ossos, ele deu ao jornalista Gildson Oliveira, uma declaração para o Diario de Pernambuco, transcrita, à página 240, do seu livro Luiz Gonzaga – O matuto que conquistou o mundo.

O Rei do Baião lamentou o fato de Campina Grande e Caruaru terem deixado, nos folguedos juninos, o Recife para trás.

Esbravejou em defesa da cultura raiz: “Eu sou Pernambuco e Dominguinhos também. A raça que faz forró e baião gostoso é toda daqui dessa área; Recife pra cima. Mas Recife estava servindo só de área de lançamento da música pelo rádio.’
Continuou:

‘(...) O primeiro grande grito do São João no Recife veio de Roberto Pereira, e o prefeito (Joaquim Francisco) assinou embaixo. Vamos amatutar o Recife, este foi o grito de Pereira. E vai ser um estouro. E a cidade pode até tirar proveito disso. São João é ritmo regional. Vamos observar bem as letras dos forrós, das marchinhas hilariantes; amar o nosso trabalho, que é puramente nordestino, todo dirigido ao povo. (...) Vamos aplaudir a ideia do homem da cultura e do turismo, Roberto Pereira, que, aqui no Recife, vai levantar o ciclo junino na capital pernambucana. Quem viver, verá!”

O dito correspondeu ao feito, Gonzaga, você vaticinou um tempo que se fazia anunciar.
O seu legado e mais esta sua exortação descortinaram o caminhar junino do Recife, que se amatutou ao ritmo dos salamaleques do baião e do forró.

Viva Gonzaga vivo!

Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

 


 

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