Otávio Santana do Rêgo Barros::"A guerra é sempre a derrota da paz" (Papa Francisco)
Formular as perguntas certas é o primeiro passo para compreendermos os reais desdobramentos desta guerra. E, com ela, aprendermos

Analistas da conjuntura internacional desenham distintos cenários para o conflito entre Israel e Irã. Do meu ponto de vista, não devemos, de forma precipitada, apontar causas e consequências. Antes, é preciso levantar dúvidas, questionar certezas e buscar um mínimo de segurança nas avaliações.
A teocracia iraniana enfrenta uma pressão interna capaz de desestabilizá-la política e religiosamente? A Guarda Revolucionária ainda mantém o controle policial da população? Caso essa pressão seja real, haverá uma mudança de regime? Em caso afirmativo, as novas lideranças tenderiam a se aproximar do Ocidente em busca de um “Irã liberal”? Se essa aproximação se confirmar, como reagiriam os antigos parceiros, que ao longo dos anos se beneficiaram econômica e geopoliticamente da animosidade com o Ocidente?
No campo militar, as forças de segurança iranianas estariam, de fato, fragilizadas? Seus aliados ainda teriam capacidade de apoiar o regime por meio de ações assimétricas, abrindo novas frentes e aliviando a pressão do confronto direto? O Irã esteve realmente próximo de construir uma bomba atômica? Diante dessa possibilidade, justificar-se-ia um ataque preventivo às suas instalações nucleares?
Para compreender melhor o estágio atual do conflito, façamos um sobrevoo pela história da antiga Pérsia. Recorro, para isso, à obra O PODER DA GEOGRAFIA, de Tim Marshall, que analisa países sob o prisma da topografia como fator determinante de seus destinos.
Cordilheiras, desertos e pântanosformam obstáculos naturais que transformam o Irã em uma fortaleza quase inexpugnável por terra. O general Colin Powell, ex-secretário de Estado dos EUA, chegou a alertar que o poderio aéreo, isoladamente, teria pouco êxito numa invasão convencional. Seriam necessários “coturnos no chão”.
Detentor da quarta maior reserva de petróleo e da segunda maior de gás do mundo, o Irã deveria ser um país rico. No entanto, desde a guerra com o Iraque (1980), o país patina na produção desses ativos, devido à ineficiência de quadros técnicos e à obsolescência das instalações. A isso somam-se os embargos internacionais impostos à teocracia iraniana.
O Irã é um país de história grandiosa. Sua origem remonta a quatro mil anos, quando tribos da Ásia Central migraram para a região. Por séculos, o Império Persa foi uma das principais civilizações do mundo. Após seu apogeu, a região viveu intensas divisões internas, até que, no século XVI, os safávidas reunificaram o país. Foi nessa época que o rei Ismail declarou o islamismo xiita como religião oficial, aprofundando o conflito com os sunitas e acentuando o isolamento do país.
O petróleo foi descoberto pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Os britânicos logo garantiram direitos sobre sua extração e venda, cogitando transformar a Pérsia em um protetorado. Contudo, em 1921, um oficial da Brigada de Cossacos Persa reuniu 1.200 homens, marchou sobre Teerã, assumiu o poder e iniciou a dinastia Pahlevi.
O primeiro Xá, Reza Khan, foi sucedido por seu filho, Reza Pahlevi, que se associou a britânicos e americanos até sua deposição em 1979, com a Revolução Islâmica.
Desde então, os aiatolás controlam rigidamente o Irã. O regime radicalizou-se progressivamente, assumiu como bandeira a destruição do Ocidente – especialmente dos Estados Unidos e de Israel –, impôs controles sociais baseados em regras religiosas e, embora mantenha eleições, restringe fortemente a participação de opositores.
Nesse percurso, o Irã apoiou grupos xiitas em outros países, patrocinou atos terroristas mundo afora e fortaleceu suas forças de segurança. Simultaneamente, buscou dominar o ciclo de produção e enriquecimento de urânio, mirando a construção da bomba atômica.
Volto ao presente com novas perguntas: há interesses inconfessáveis – de ambos os lados – escondidos atrás das imagens de mísseis cruzando céus e atingindo civis e instalações? No rearranjo geopolítico, após uma eventual derrota iraniana, China e Rússia seriam alvos indiretos dos Estados Unidos na região? Qual o impacto para o comércio mundial de um possível controle ocidental sobre as gigantescas reservas de petróleo e gás iranianas? Que reflexos essa guerra traria para outros contenciosos hoje apenas adormecidos?
Formular as perguntas certas é o primeiro passo para compreendermos os reais desdobramentos desta guerra. E, com ela, aprendermos.
*Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva