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O melhor seriado do Brasil virou comédia

No Brasil é assim. Tudo acaba em samba, piada, erro processual, anistia ou atestado médico .....................................................

Por SÉRGIO GONDIM Publicado em 20/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 20/06/2025 às 8:58

O seriado mais popular do país nos últimos tempos aborda a história do julgamento de uma tentativa de golpe de estado. Está em cartaz em todas as redes e plataformas. A censura é livre, mas poderia ser classificado como impróprio para menores para não desiludir os mais jovens. A trama envolve um misto de fatos de vida real, cenas dramatizadas, realismo fantástico, violência, falsidade e humor.

As pitadas de humor no ambiente tenso de um interrogatório são particularmente incríveis. Quem era brabo, do dia para noite fica manso, quem era discreto desponta como feroz. O roteirista, com muita imaginação, descreve uma cena em que seria usada uma caixa de vinho recheada de dinheiro para patrocinar o assassinato de um presidente eleito, entre outros. Uma tomada simples com atores conhecidos, rotineira em filmes sobre golpes, mas deixou no ar uma questão para ser investigada nos próximos episódios. Qual o destino dado às garrafas de vinho que ocupavam a tal caixa. Sim, porque podem ter sido servidas entre conversas descontraídas sobre a manutenção da lei e da ordem e decisões poderiam ter sido tomadas já sob o efeito inebriante do vinho. Seria um atenuante a considerar. Por outro lado, se não foram degustados, seria o caso de questionar o rótulo do vinho e para qual adega seguiu. Quem seria o dono do vinho ainda é um mistério, o resto nem tanto.

O seriado transmite um misto de sentimentos em relação a um personagem com jeito de menino bom, aplicado, que sabe tudo, faz tudo, mas conta tudo. O público por vezes reage com raiva e indignação, as vezes com simpatia do tipo, atire a primeira pedra. Fica especulando se no final terá como destino Portugal para curtir um fado triste com saudade da terra natal, ou caso não esclareça os bastidores, se haveria uma reedição de "quem matou Odete Roitman". Em capítulos anteriores por vezes parecia saber que estava fazendo coisa errada, mas fora treinado para obedecer sem questionar, mesmo que o assunto envolvesse vacinas ou joias. Outro atenuante. Quem sabe vai pegar pena mais branda por ter só a roupa suja de batom e não guardar segredo.

Engraçado mesmo foi a história das urnas eletrônicas. Quem disse serem fraudulentas, questiona um depoente. Se alguém falou, desculpas, mas o que pode fazer se a metade do país passou a acusá-las e até hoje tem gente dizendo que houve fraude, mesmo sem ter sido encontrada. É aquela história, tantas vezes repetida, quando menos se espera vira verdade! Foi dito da boca para fora e depois repetida sem parar só por falta de assunto, como fazem todas as séries de televisão. Perdão. O povo acredita até em perna cabeluda, imagine! Conversa de botequim.

A cena prossegue mostrando que foi só a animação no calor do comício que fez com que aquele que poderia ser vice fosse chamado de canalha.

Outra cena fantástica foi a do telão do golpe. Reunião das mais altas autoridades, tudo passando rápido, só para debater se o próximo capítulo daria audiência. Foi decidido enxugar o episódio retirando a cena que prendia todo mundo, deixando cadeia só para o futuro eventual vice que gentilmente declina do convite. Também foi decidido que se alguém fosse contra o plano, passaria a ser considerado um "frouxo".

Parecendo um improviso fora do roteiro, toca música de suspense e do nada aparecem alguns "frouxos". A série dá a entender que se não fossem os "frouxos", o destino da trama seria outro.

As pesquisas mostraram que a maioria do público no país chorou de emoção quando um "frouxo" disse: comigo não, violão.

Surgiu então o primeiro herói "frouxo" da história, dando lugar a um projeto no congresso para consagrar aquela data como o dia do "frouxo dentro das quatro linhas", com muitas homenagens.

Só acontece em seriado brasileiro. Risos, apertos de mão e está tudo certo, mas é bom lembrar que quando uma série faz sucesso, geralmente vem uma nova temporada e tudo pode acontecer.

Circulam pesquisas de opinião sobre como será o episódio final e existem filmagens em curso em dois sets. Em uma, pergunta-se aos juízes se houve crime. Por 9 x 2 julgam que sim, apontam os autores e fazem a dosimetria da pena de acordo com a lei. Cumpra-se. Em outro cenário também houve crime porque foi impossível negar, mas sem culpados. Tem quem diga que a cena final trará uma surpresa dramática com inimputabilidade dos réus recheada de atestados médicos com CIDs entre F20 e F29, alienação mental, transtornos psicológicos graves que afetam o pensamento, as emoções e o comportamento.

Esse país não é mesmo para amadores e não é à toa que o cinema brasileiro está na crista da onda. O Oscar é nosso.

*qualquer semelhança com fatos reais pode não ser coincidência, mas as cenas foram modificadas para efeito dramático.

Sérgio Gondim, médico

 

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