Tarifaço de Trump atinge exportações de Pernambuco e ameaça polos produtivos importantes do Estado
Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações pernambucanas, atrás apenas da Argentina. Em 2024, país comprou US$ 205,2 milhões do Estado

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O Vale do São Francisco — polo estratégico de fruticultura irrigada entre Pernambuco e Bahia — é responsável por 100% da manga brasileira exportada aos Estados Unidos. Na terça-feira (29), declarações do secretário de Comércio americano, Howard Lutnick, chegaram a sugerir uma possível exceção para o produto no pacote de tarifas anunciado pelo governo Trump.
Mas a sinalização durou pouco. Já nesta quarta-feira (30), veio a confirmação de que a manga será incluída no tarifaço, com uma alíquota de 50% sobre o valor do produto, válida a partir de 6 de agosto. A medida atinge em cheio uma das principais cadeias produtivas do Nordeste e deve se refletir não apenas na fruticultura do Vale, mas também em setores estratégicos do parque industrial de Pernambuco — como a Refinaria Abreu e Lima, o polo PET de Suape e as indústrias metalúrgicas voltadas à exportação.
Segundo principal destino das exportações pernambucanas em 2024, atrás apenas da Argentina, os Estados Unidos compraram US$ 205,2 milhões em produtos do Estado no ano passado — o equivalente a 9,4% de tudo o que Pernambuco exportou.
Entre os principais itens negociados estão açúcar de cana (US$ 52,9 milhões), uvas frescas (US$ 30,8 milhões), torres de ferro ou aço (US$ 18,8 milhões), coque de petróleo (US$ 18,7 milhões), chapas PET (US$ 13,3 milhões), açúcar de beterraba (US$ 11 milhões), embarcações (US$ 6,7 milhões), mangas (US$ 5,5 milhões), inhames (US$ 5,4 milhões) e querosene de avião (US$ 5,4 milhões).
PREJUÍZOS
Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2024, aponta o impacto do tarifaço entre os estados brasileiros, com prejuízos diferentes sobre cada um. No caso de Pernambuco, a projeção é de uma perda de R$ 377 milhões. Os mais prejudicados serão Ceará, Espírito Santo e Paraíba.
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti, avalia que o cenário representa um retrocesso na política internacional e alerta para os efeitos sociais e econômicos da medida.
MANGA NO PÉ
“A gente tem hoje mais de 100 milhões de mangas nos pés, prontas para colheita. É um produto extremamente perecível. Desconectar uma cadeia complexa como essa, que envolve mais de 2.500 pequenos e médios produtores e 120 mil pessoas só no Vale, é devastador”, afirmou nesta terça-feira (30), durante reunião para apresentar a atração de investimentos para o Estado durante da 132ª reunião do Condic.
Segundo Cavalcanti, a produção da manga do Vale de São Francisco é direcionada para janelas de mercado, e a safra destinada aos EUA começa agora, em meados de agosto. A tarifa de 50% compromete diretamente a competitividade do produto brasileiro, que passa a custar mais para o importador americano — o que pode inviabilizar a exportação.
Diplomacia sob tensão
Para o secretário, o tarifaço simboliza uma ruptura no modelo de equilíbrio global construído nas últimas décadas.
“Desde o fim da Guerra Fria, o mundo vinha seguindo um pacto de equilíbrio de forças, no qual os países mais fortes abriam mão de parte de seu poder de barganha em nome da estabilidade e da paz. O que os EUA fazem agora é uma tentativa de voltar a uma lógica pré-Guerra Fria, em que o país mais poderoso impõe sua vontade sobre os demais”, analisou.
Medidas de compensação
Embora Pernambuco não esteja entre os estados mais afetados pelas novas tarifas — como Ceará, Espírito Santo e Paraíba —, o secretário destaca que os Estados Unidos ainda são o segundo principal mercado de exportação do Estado, atrás apenas da Argentina. Produtos como frutas, açúcar, derivados de petróleo e itens do setor metal-mecânico estão entre os mais expostos.
O governo estadual, em articulação com outros estados do Nordeste, trabalha na construção de mecanismos emergenciais de apoio aos exportadores. Entre as medidas em estudo estão: criação de linhas de crédito específicas via agências de fomento;mecanismos de socorro à renda de trabalhadores afetados; avaliação do uso de créditos acumulados de ICMS por transportadores, mas nada muito consolidado ainda.
“A ideia é tratar essa quebra de exportação como uma espécie de entressafra. Estamos desenhando soluções para proteger especialmente os pequenos produtores”, explicou.
“A própria burocracia americana não está preparada para implementar um regramento tão complexo do dia para a noite. Isso já aconteceu antes e pode ocorrer com o Brasil também. Mas não podemos contar com isso. Temos que nos preparar para o pior, esperando sempre o melhor.”