Músico pernambucano transforma o pífano para criar um 'jazz afro-indígena'
Alexandre Rodrigues lançou o álbum "Kaeté" e tem viajado o mundo para ensinar sobre o instrumento: 'Meu sonho é ver o pife na universidade'
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Itapissuma, Itamaracá, Igarassu. Municípios do Litoral Norte de Pernambuco cujos nomes têm origem no tupi-guarani — "pedra negra", "pedra que canta" e "canoa grande", respectivamente.
Dessa primeira cidade citada vem o multi-instrumentista, compositor, educador e luthier pernambucano Alexandre Rodrigues, que tem se destacado na música instrumental brasileira pelo trabalho com o pífano, instrumento de fortes influências indígenas.
Através dele, Rodrigues desenvolve um trabalho em prol da valorização das ancestralidades musicais. Nesta semana, retornou de uma viagem pela Alemanha, Inglaterra e França, onde ministrou oficinas sobre o instrumento.
Álbum
Não por acaso, também batizou seu novo álbum de "Kaeté", nome do povo que habitava o Litoral Norte pernambucano antes da chegada dos colonizadores.
A sonoridade do disco explora o que ele define como "jazz afro-indígena", uma fusão de estéticas sonoras que o músico vem pesquisando há anos na cultura popular.
“Quando falo em jazz, é a liberdade de improvisação, não o ritmo americano. O disco traz uma raiz, ao mesmo tempo que é muito contemporâneo”, diz ao JC. Esse é o segundo álbum do artista, e o primeiro em formato de trio — com Alexandre no pífano, Tom Cykman na guitarra e Felipe Gianei no contrabaixo acústico.
Trajetória
A carreira de Alexandre começou aos 11 anos, quando ingressou em uma banda centenária de sua cidade natal, tocando saxofone e clarinete.
No ano seguinte, participou de seu primeiro Carnaval de Olinda, inspirado pelo frevo, pela ciranda, pelo coco e pelo maracatu do Brilhante Estrela de Igarassu, grupo com mais de 200 anos de história.
"Todo músico pernambucano de banda passa pela escola do frevo, e isso foi muito importante na minha formação", conta.
Ao ingressar em instituições como o Conservatório de Olinda e o Centro de Criatividade Musical, tornou-se pupilo de Bozó das Sete Cordas, maestro do Bloco da Saudade.
Aos 15 anos, viu o pífano pela primeira vez, através de Egildo Vieira, do Quinteto Armorial. "Fiquei impressionado, pois era um instrumento tão simples, tão presente na nossa cultura, e ao mesmo tempo tão complexo e rico. Quando olhei aquilo, sabia que aquela coisa marcaria a minha vida."
Durante a graduação no IFPE de Belo Jardim, conheceu mestres do Agreste e do Sertão, como João do Pife, Biu do Pife, Edmilson do Pife e Zabé da Loca. “Fiquei impactado pela forma como cada um tinha a sua sonoridade, seu jeito de tocar.”
Pesquisador e luthier
Com uma formação acadêmica aliada à vivência popular, Alexandre criou o primeiro livro que sistematiza os métodos de ensino do pífano. "Ele tem um ensino de forma oral, de pai para filho, sendo algo ligado à família."
Rodrigues também se especializou na confecção do instrumento, tornando-se luthier. "O pife tem um limite, mas aí eu fui mudando alguns detalhes na construção, como no local, sem perder as suas características. Assim, consigo vender pífanos para todos os lugares do mundo, ou para grandes músicos de fora que vêm para o Brasil."
"A nossa cultura é muito influenciada pela visão europeia, principalmente nas escolas. Claro que a cultura europeia influenciou muita coisa, mas estou sempre buscando a coisa ancestral do som, que é o que quero seguir para a minha vida. Hoje, toco muito pouco clarinete."
"Kaeté" e o som da mata
"Kaeté" conta com participações do multi-instrumentista britânico Shabaka Hutchings, do cantor Renato Braz e do Grupo Sabuká Kariri-Xocó, de Alagoas. A produção musical é assinada pelo próprio Rodrigues.
"O nome Kaeté significa 'mata virgem, mata verdadeira', e é esse caminho que busco no pífano: descobrir o novo a partir dele, explorar sua versatilidade, mergulhando esse instrumento afro-indígena na música universal improvisada”, explica.
“Para criar algo novo, tem que ter muita base na raiz. Assim como, se você quer criar um livro novo, tem que ler diversas histórias para criar uma história nova. Tem que ter muita base, conhecer como funciona, tocar bastante e depois criar o seu. Os mestres me dizem: ‘Você é um mestre, pois confecciona, dá aula e tem sua música, não copiando’. Hermeto Pascoal também falava muito sobre identidade.”
O maior sonho do artista é ver o pífano reconhecido academicamente, "como um instrumento tipicamente brasileiro no ensino da música".
"Temos de tirar um pouco a flauta doce e colocar o pife. Eu já perdi alguns trabalhos por conta da resistência — é uma militância com este instrumento, assim como outros amigos e amigas que tocam rabeca, viola nordestina. Mas é para a gente conseguir espaços, expandir pelo Brasil e fora do Brasil."
Show
Neste sábado (25), o Alexandre Rodrigues Trio se apresenta no Panela do Jazz, no Polo da Panela, Zona Norte do Recife, ao lado do Grupo Sabuká Kariri-Xocó (AL) e da multi-instrumentista Laís de Assis (PE).