Ele preside um maracatu desde os 19 anos e agora lança seu primeiro disco; conheça Nailson Vieira
"Sou, Estou" reúne maracatu rural, coco e ciranda em arranjos contemporâneos: "Quero que mais jovens da cultura popular vejam a música como profissão"

Clique aqui e escute a matéria
Nailson Vieira tinha 19 anos quando foi nomeado presidente do Maracatu Estrela Brilhante de Nazaré da Mata, um dos mais atuantes da Mata Norte de Pernambuco. No maracatu rural, foi o presidente mais jovem de que se tem notícia.
O ato representou uma quebra de paradigma em uma tradição que, mesclando elementos indígenas e afro-brasileiros, foi criada originalmente para pessoas mais velhas brincarem. "Era uma brincadeira pesada, pois os participantes brigavam entre si. Mulheres e crianças não podiam brincar", conta Nailson ao JC.
O tabu da idade, na verdade, já vinha sendo deixado para trás sob a presidência de Mestre Bi, que assumiu o cargo aos 26 anos, em 2015, e foi o responsável por indicar Nailson, que segue na função.
A pouca idade, aliada à grande responsabilidade de manter vivo um folguedo popular, também marca a trajetória do artista na música. Aos 24 anos, Nailson é cantor e trombonista, representando como as tradições podem ser incorporadas por novas gerações, mas com novas ideias e formas de comunicação.
Em outubro, ele lançou "Sou, Estou", seu primeiro álbum de estúdio, que dialoga com o maracatu rural, o coco, a ciranda e o cavalo marinho, mas traz arranjos contemporâneos, incorporando guitarras, beats eletrônicos e experimentações sonoras.
Além desses ritmos, o artista confessa ser um admirador do brega — gênero que inspira sutilmente a canção "Vem Me Mostrar," feita para dançar "agarradinho".
"Quando não discriminamos um ritmo, acabamos trazendo pessoas para perto. É sobre fazer aquele fulano que gosta de brega aprender que o maracatu e o bloco rural também são bons. Se eu disser que toco só coco, ele não vai querer escutar coco", exemplifica o artista.
Raízes e formação
Nailson Vieira tem vivências na cultura popular desde os quatro anos de idade, quando brincava de maracatu de lança. É neto do Mestre Manoel Vieira, que por muitos anos comandou o Bloco Rural Estrelinha, fundado em 1962.
Seu pai, Tarcísio Vieira, também passou a cuidar do bloco, cuja formação musical inclui caixa, mineiro e bumbo, além de instrumentos de sopro como trombone, trompete e sax.
O bloco rural surgiu como uma manifestação voltada para mulheres que não podiam ingressar no maracatu rural — situação que mudou nos anos 1970.
Entre os instrumentos, foi o trombone que Nailson escolheu para se aprofundar na música, ingressando na Capa Orquestra, uma filarmônica de Nazaré da Mata.
Ele também tocou no Leão Misterioso, do Mestre João Paulo, até chegar ao Estrela Brilhante de Nazaré, fundado em 1º de abril de 2001 por Severino Luiz de França e, posteriormente, conduzido pelo Mestre Barachinha, grande poeta e artista da Zona da Mata.
"Um cara tão jovem no meio de pessoas mais velhas... Eu já sabia que iria causar impacto", lembra Nailson sobre assumir a presidência do Estrela Brilhante.
"Fui conquistando espaço, confiança e respeito no maracatu. Os demais maracatus rurais me respeitaram enquanto presidente quando o Estrela começou a apresentar resultados notáveis. Mas nunca estive só. Quem segurou minha mão foi o Mestre Bi. Não me comportaria nessa posição se não tivesse o apoio da base, de quem fundou, como o Mestre Geraldo e os caboclos mais velhos que me apoiaram."
Caminho na música
Como cantor, Nailson estreou durante a pandemia, em 2020, com uma live custeada pela Lei Aldir Blanc, de caráter emergencial. No fim de 2022, participou de um festival em Nazaré que marcou sua chegada aos palcos.
De lá, seguiu para a Casa da Cultura, bares do Recife e de Olinda, e conquistou o público pelo boca a boca, chegando a festivais conhecidos por revelar novos nomes, como o Rec Beat e o Coquetel Molotov. Tudo isso antes mesmo de lançar um álbum de estúdio.
"Sou, Estou" reúne composições gestadas desde a pandemia. "A história do disco começa com um músico que tinha esperança de que algum dia o sol voltaria a brilhar e que faríamos festa na rua. Como um folgazão, a gente tem que mandar avisar na sede que tá indo pra cantar", conta.
"Firmei forças na cultura popular, sem deixar de ressaltar que esse som não é tradicional nem futurista — é um som que une a minha escola com o universo pop. Quando alguém me pergunta o que eu toco, digo que toco música popular pernambucana (risos)."
As 11 faixas trazem influências de vários ritmos, com temáticas que transitam entre reflexões pessoais, memórias coletivas e homenagens às raízes culturais da região.
"O ritmo com que tenho mais apego é a ciranda. A métrica melódica da maioria das músicas é pensada na ciranda. Já o coco de roda deixa o som mais pesado. E tenho uma relação forte com o brega também. Então, o meu show tem vários momentos: o de dançar a dois, o de sambar o coco e o de sentir uma ciranda."
Nailson também reflete sobre como as novas gerações da cultura popular estão conectadas às mídias digitais e como isso pode ajudar na valorização dos folguedos. "Nem todo mundo vai até a sede de um mestre para ver que ele existe, mas muita gente assiste a um Reels dele contando sua história."
Pesquisador e educador popular
Atualmente, o artista cursa licenciatura em música na Universidade Federal de Pernambuco, com enfoque em etnomusicologia. Sua pesquisa investiga como um mestre consegue transmitir saberes em uma festa, mesmo sem formação pedagógica. "Vivemos na escola da cultura popular, e eu quero pesquisar isso como quem olha de dentro, não de fora.”
O evento lançamento de "Sou, Estou" ocorreu na sede do Maracatu Estrela Brilhante de Nazaré da Mata, mesmo com quem defendesse que uma estreia na capital traria mais visibilidade. Agora, o show percorre sedes da cultura popular em Goiana, Condado, Arcoverde e Olinda, retornando depois a Nazaré.
"Quero devolver tudo o que esses lugares me deram e pelos quais sou tão grato. Muita gente da cultura popular hoje me vê como inspiração. Quero passar por essas sedes e despertar o desejo para que acreditem que a música pode ser uma profissão, para além da festa. Eu não levei a música como hobby e quero que mais gente não leve também — ou, ao menos, que respeite, que não brinque com a música. Tem muita gente querendo ser levada a sério", finaliza.