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Comunidade chinesa no Recife é tema de filme produzido por Kleber Mendonça e Emilie Lesclaux

"Dormir de Olhos Abertos", da alemã Nele Wohlatz, captura choques culturais da vida de chineses que "pulam" de cidade em cidade em busca de trabalho

Por Emannuel Bento Publicado em 08/09/2025 às 0:00 | Atualizado em 08/09/2025 às 16:37

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É inegável que existe uma aura de dúvidas e até preconceitos em torno da comunidade chinesa que vive no Recife. Tudo isso aparece de alguma forma no longa-metragem "Dormir de Olhos Abertos", sob o olhar de uma diretora estrangeira, a alemã Nele Wohlatz.

Lançado no Brasil pela Sessão Vitrine Petrobrás, no dia 11 de setembro, a história acompanha Kai (vivida pela chinesa Liao Kai Ro), que vem de Taiwan passar férias no Brasil e conhece chineses que pulam de cidade em cidade em busca de trabalho. Nesse processo, ela tenta decifrar uma cultura muito diferente da sua.

As chamadas Torres Gêmeas, condomínio de luxo localizado no bairro de São José, é um dos epicentros de conflitos culturais entre os brasileiros e os novos moradores chineses. No longa, inclusive, há uma cena que reproduz o famoso episódio das cédulas de reais jogadas em um apartamento.

O longa tem produção de Emilie Lesclaux, ao lado de Kleber Mendonça Filho. A premissa surgiu de uma conversa entre a diretora e os produtores brasileiros durante o Festival de Viena, em 2016.

Linguagem e identidade

Uma diretora europeia, com elenco chinês e brasileiro, filmando no Recife. Todo esse contexto inusitado não ocorre por acaso: Wohlatz tem investigado questões de linguagem e identidade após a migração.

"Ela comentou que estava filmando a comunidade chinesa e eu disse que o Recife tinha uma comunidade muito interessante e que estava ocorrendo um conflito fascinante, que era a ocupação de alguns apartamentos das Torres Gêmeas", diz Kleber Mendonça, em entrevista ao JC.

Victor Jucá/Divulgação
Imagem do filme 'Dormir de Olhos Abertos', de Nele Wohlatz - Victor Jucá/Divulgação
Victor Jucá/Divulgação
Imagem do filme 'Dormir de Olhos Abertos', de Nele Wohlatz - Victor Jucá/Divulgação
Victor Jucá/Divulgação
Imagem do filme 'Dormir de Olhos Abertos', de Nele Wohlatz - Victor Jucá/Divulgação

A diretora Nele Wohlatz foi jurada do Festival Janela de Cinema do Recife, produzido por Kleber e Emilie, ocasião em que pôde conhecer mais a cidade e ter a certeza de que queria fazer o filme.

"Pessoalmente, eu tinha uma curiosidade muito grande de ver esse filme existir, porque acho fascinante quando um estrangeiro escreve sobre o Brasil, ainda mais sendo o Recife. Queria muito ver o Recife pelos olhos de uma estrangeira, com personagens estrangeiros", diz Kleber.

A produtora Emilie Lesclaux ressalta que Nele fez uma longa pesquisa a partir de sua primeira viagem ao Recife, mas o projeto acabou mudando bastante. "De início, ela queria trabalhar com pessoas reais da comunidade chinesa. Mas, após a pandemia, metade dessas pessoas desapareceu ou não estava mais disponível, e o projeto acabou se transformando com um elenco profissional."

Para estrelar o filme, Wohlatz recrutou atores iniciantes e profissionais, como o argentino Nahuel Pérez Biscayart, de "120 Batimentos por Minuto".

Conflitos culturais

Kleber destaca que descobriu, durante a produção, que a comunidade chinesa é extremamente volátil, no sentido de não se fixar em um local. "Isso talvez ocorra no mundo todo. Eles também são muito fechados dentro da sua própria comunidade. Seria possível morar anos no Recife sem aprender uma palavra de português? Isso acontece no filme", explica.

Victor Jucá/Divulgação
Imagem do filme 'Dormir de Olhos Abertos', de Nele Wohlatz - Victor Jucá/Divulgação

A produção foi particularmente desafiadora devido à presença de tantas nacionalidades diferentes, admite Lesclaux. "Uma das atrizes era chinesa, mas morou na Argentina. Também havia um diretor de fotografia austríaco. Não houve conflito, mas muitas diferenças culturais precisaram ser conciliadas do ponto de vista da direção. Uma vez que achamos uma maneira de trabalhar, deu tudo certo."

Exibição internacional e recepção

"Dormir de Olhos Abertos" foi exibido em mostras internacionais, sendo lançado mundialmente no Festival de Berlim.

"O tema da dificuldade na comunicação é muito universal, e percebi em Berlim um debate sobre o estilo de vida moderno dos nômades digitais. O filme não é só sobre isso; é sobre essa sensação de não ter raízes, de não haver um lugar no mundo que seja seu", diz Kleber.

"O Recife acaba sendo uma paisagem alienígena para esses personagens. Ao mesmo tempo, é um filme muito bonito, que termina com uma música de Gal Costa."

Produção e próximos projetos

Kleber e Emilie estão envolvidos em outras produções que chegarão aos cinemas em breve, como "Seu Cavalcanti", de Leonardo Lacca, que estreia no dia 11 de setembro. Existe ainda outro filme de Lacca a ser filmado em 2026, "Sábado Morto".

Emilie está indo à Suécia para gravar um filme com Helen Beltrame-Linné, que tem relação com Ingmar Bergman.

"Também estamos planejando um novo projeto do Kleber, mas é muito cedo para falar qualquer coisa a respeito", diz Emilie. "É, preciso me livrar dessa montanha-russa aqui", acrescenta, em referência ao premiado "O Agente Secreto", previsto para lançamento em novembro.

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