Kleber Mendonça Filho: "Regime militar tentou apagar a memória do País após a anistia"
Cineasta conversou com o JC sobre como trabalhou memória, política e lendas urbanas no premiado 'O Agente Secreto', que estreia no Brasil em novembro

"Memória" é uma das palavras mais repetidas nas resenhas internacionais publicadas sobre "O Agente Secreto", aguardado filme de Kleber Mendonça Filho, premiado duplamente na competição principal do Festival de Cannes. E não apenas por ser um filme de época, ambientado em 1977, mas por explorar como o poder pode manipular o que será lembrado ou não no futuro.
Após receber a Ordem do Mérito Guararapes, maior honraria do Estado de Pernambuco, o cineasta conversou com o JC sobre o longa-metragem, ressaltando que o aspecto mencionado do filme parte de um desejo de "reconstituir a memória de um país" sem necessariamente reconstituir fatos reais.


"Acho que qualquer filme é um documento - não importa o gênero, o formato ou o estilo. Esse filme se passa em 1977, mas me fez lembrar muito do que aconteceu no Brasil em 1979 (no processo da anistia). Foi uma proposta cínica do governo militar: apagar a memória, liberar espaço no 'HD' e perdoar tudo de horrível que eles fizeram nos anos após o golpe", disse Mendonça.
"Eu queria fazer um filme que não fosse exatamente a reconstituição de um fato, mas a reconstituição de uma memória do país - da textura do Brasil, do cheiro, da atmosfera. E eu fiquei muito impactado com a forma como as pessoas captaram isso, inclusive quem não é brasileiro. Estou com muita vontade de que o filme chegue logo ao Brasil, pra que a conversa comece de fato. Para que ele ganhe esse tom, esse olhar brasileiro."
'Lenda urbana é absurda, mas tem pé no chão'




Outro aspecto que chamou a atenção da imprensa internacional foi a presença da lenda da "perna cabeluda" no longa. "Não tem perna cabeluda no filme", brincou o diretor, que esperava que o tema fosse uma surpresa durante a exibição. "Ingenuamente, achava que ninguém ia falar disso".
O cineasta afirma que sempre foi fascinado por lendas urbanas, como nos curtas "Vinil Verde" (2004) e "A Menina e o Algodão" (2003). "A lenda urbana é fábula perfeita, pois é absurda ao mesmo tempo que tem os pés muito no chão. Acho que por isso me senti atraído por fazer quase uma 'origin story' da perna cabeluda", conta.
"Eu tinha quase a idade dos meus filhos quando a lenda surgiu, no final dos anos 1970. Minha mãe leu para mim a história no Diário de Pernambuco. Saiu no jornal como uma reportagem - não era no suplemento literário de domingo, era uma reportagem mesmo. Nunca esqueci aquilo. Virou, claro, uma lenda muito lembrada no Recife, e eu encontrei uma maneira de fazê-la funcionar dentro do filme. Gosto muito da sequência."
Possível campanha para o Oscar
Questionado sobre uma possível campanha para o Oscar de 2026, Kleber Mendonça Filho evitou se adiantar tanto sobre o assunto. "Vou para onde o filme me leve. Acho que com a Neon (distribuidora do filme nos EUA) e com a repercussão internacional, temos boas chances de ter uma possível campanha. Mas não quero ficar me adiantando em relação a isso."
"Soube de convites muito importantes nos Estados Unidos, que ajudam a 'fazer a cama', mas não posso divulgar agora — isso só deve ser feito em agosto. Mas são coisas que vão dando musculatura ao filme. Então, vamos ver. Cada semana tem uma novidade. Estou indo para Sidney, na Austrália, agora. Estou indo aos poucos", finalizou.
O filme
"O Agente Secreto" chega aos cinemas do Brasil no dia 6 de novembro. Antes do lançamento oficial, o filme será exibido em sessões especiais e antecipadas já em setembro e outubro. A primeira será no Cinema São Luiz, no Recife.
Ambientado no Recife de 1977, o filme é um thriller político que acompanha Marcelo (Wagner Moura), um especialista em tecnologia que foge de um passado misterioso e volta ao Recife em busca de paz, mas logo percebe que a cidade está longe de ser o refúgio que procura.
O elenco reúne grandes nomes do cinema nacional, incluindo Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Carlos Francisco, Hermila Guedes, Alice Carvalho, Roberto Diogenes, entre outros artistas.
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