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‘Com Lula, pude voltar a morar no Brasil e fazer teatro', diz José de Abreu, que retorna ao Recife após 25 anos

Ator enfrenta o maior desafio da carreira na peça 'A Baleia': 'Pensei várias vezes em desistir, em pedir para arrumarem um ator mais jovem'

Por Emannuel Bento Publicado em 31/07/2025 às 17:04 | Atualizado em 31/07/2025 às 17:08

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O ator José de Abreu, 79 anos, está encerrando uma pausa de dez anos longe dos palcos com a peça "A Baleia", uma adaptação da obra do norte-americano Samuel D. Hunter — que também originou o filme vencedor do Oscar de Melhor Ator para Brendan Fraser.

Nesta semana, ele também rompe um hiato ainda maior: 25 anos sem se apresentar no Recife. A última vez foi em 2000, durante a reabertura do Teatro do Parque, a convite do então secretário de Cultura Raul Henry, com a montagem de "A Mulher Sem Pecado", um texto de Nelson Rodrigues.

"O Lula voltando à presidência me deu vontade de voltar a morar no Brasil. Morando aqui, posso voltar a fazer o meu teatrinho, né?", disse ele, em conversa com o JC, no hotel onde está hospedado, na Zona Sul da capital.

"Passei 10 anos morando fora e só vinha fazer novelas e ia embora. Quando ficava aqui, não saía de casa", explica o ator, detalhando os motivos que o levaram a sair do país:

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José de Abreu e Luisa Thiré na peça 'A Baleia' - DIVULGAÇÃO
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Gabriela Freire e José de Abreu na peça 'A Baleia' - DIVULGAÇÃO
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Luisa Thiré e José de Abreu na peça 'A Baleia' - DIVULGAÇÃO
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José de Abreu na peça 'A Baleia' - DIVULGAÇÃO

"Na época do golpe contra a Dilma e da prisão do Lula, eu me envolvi demais, pois vi que existia um movimento de extrema-direita brasileira e mundial. Isso me fez voltar a ter um ativismo político muito grande, mas me trouxe muitos prejuízos: fui perseguido na rua, xingado em restaurante. Essas coisas me deram vontade de dar um tempo", continua.

"Já eram 45 anos de novela, dando autógrafo, tirando foto. Eu queria morar em um país onde ninguém me conhecesse. Morei na França, na Grécia, em Los Angeles, onde podia ir a um restaurante normalmente."

A Baleia, com tradução e direção de Luís Artur Nunes, terá sessões no Teatro Luiz Mendonça de quinta (31) a domingo (3). Abreu se submete a uma caracterização especial para parecer ter 300 quilos.

José de Abreu morou em Pernambuco na ditadura

Outro momento político cruzou os caminhos de José de Abreu com Pernambuco. Em 1972, ele viveu escondido na Região Metropolitana do Recife, fugindo da ditadura militar.

"Morei no Janga, em Paulista. Também fui para São Lourenço da Mata, quando fiquei hospedado na casa de um amigo pintor. Existe um capítulo sobre Pernambuco na minha autobiografia", lembra.

"Eu não quero ir ao Janga, porque conheci quando aquilo era um paraíso. Quando você chegava no fim da estrada, tinha Maria Farinha do outro lado, era um negócio absurdo de lindo. Já me falaram: 'Não volte, fique com essa imagem que você tinha daquela época, porque hoje o Janga é um grande bairro de cidade, não tem nada a ver'."

Personagem traz 'o maior desafio da carreira'

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Gabriela Freire e José de Abreu na peça 'A Baleia' - DIVULGAÇÃO
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José de Abreu e Luisa Thiré nos ensaios da peça 'A Baleia' - NIL CANINE/DIVULGAÇÃO
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Eduardo Speroni, José de Abreu, Gabriela Freire e Luisa Thiré caracterizados para a peça 'A Baleia' - NIL CANINE/DIVULGAÇÃO

Com quase 80 anos, José de Abreu afirma que o papel em A Baleia representa o maior desafio de sua trajetória artística. O protagonista é um homem obeso e homossexual, que vive um luto profundo após a perda de um companheiro — o que impacta diretamente sua saúde e seu isolamento.

"Pela obesidade, precisei trabalhar com uma roupa que me impediu de caminhar. No começo, ela prendeu a minha respiração e me deu 'teto preto', me senti mal, com pressão baixa. Pensei várias vezes em desistir, em pedir para arrumarem um ator mais jovem. Talvez eu não tivesse idade para fazer isso, mas está dando certo", relata.

A carga emocional do personagem também exige muito. "Ele está à beira da morte. Isso é algo muito constante na cabeça dele. Ele se aproxima disso até intencionalmente, meio que provocando um suicídio", afirma.

"O psicológico dele é muito complicado, entende? Não dá para fazer esse papel sem um bom psicológico. Eu sofro muito nessa peça, eu saio arrebentado dela. Não pela roupa apenas; pelo nível de sofrimento que preciso transmitir para a plateia."

Comparações ao filme hollywoodiano

Sobre as comparações com o longa-metragem de Daren Aronosfky, ele diz que o público costuma preferir a peça. O texto tem tradução e direção de Luís Artur Nunes.

"Inclusive o autor, Samuel D. Hunter, assumiu que prefere a peça. Ele conversou comigo após uma sessão, chorando, e agradeceu por exploramos o humor que existe no personagem, algo que foi retirado do filme", conta.

"Hollywood costuma jogar uma história para todo mundo de forma industrial. No teatro, podemos explicar as coisas para o público de outra forma, como um quebra-cabeça. Cada cena, palavra e frase vai montando esse quebra-cabeça", diz.

O elenco também conta com Luisa Thiré, Gabriela Freire, Eduardo Speroni e a participação especial de Alice Borges. A produção traz cenários assinados por Bia Junqueira, figurinos de Carlos Alberto Nunes, iluminação de Maneco Quinderé e trilha sonora de Federico Puppi.

SERVIÇO
José de Abreu em A Baleia
Onde: Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu)
Quando: Quinta-feira (31) a sábado (2), às 20h; domingo (3), às 18h
Quanto: R$ 180 (inteira), R$ 90 (meia), R$ 50 (inteira popular), R$ 25 (meia popular)

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