Sem renda e alvo constante: estudo traça perfil das mulheres vítimas de violência doméstica
Álcool e possessividade estão entre principais fatores da violência. Pesquisa no Cabo de Santo Agostinho também identificou perfil dos agressores
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A dependência financeira continua sendo um dos fatores que mais influenciam as mulheres vítimas de violência doméstica/familiar na decisão de não procurarem a polícia para denunciar seus agressores. Uma pesquisa acadêmica revelou que a maioria das vítimas não tem renda ou sobrevivem com até um salário mínimo.
O estudo foi desenvolvido a partir do banco de dados da Vara de Violência Doméstica do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, com 3.249 vítimas no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2024, com o objetivo de analisar o comportamento de agressores e busca compreender como se estabelece a dinâmica de dominação nas relações marcadas pela violência.
Nota-se que, a cada ano, o número de casos registrados na Vara cresceu. Em 2016, foram 275 processos. Em 2023, chegou a 523. Na avaliação do psicólogo judiciário e professor universitário Mozart Amorim, coordenador da pesquisa, isso não significa que a violência doméstica está aumentando.
"Acreditamos que o que aumentou foi a conscientização das vítimas para realizar a queixa na delegacia e iniciar um processo judicial para cessar as violências", disse.
Nos últimos dois anos, 941 casos foram somados na Vara. Desse total, 480 vítimas afirmaram não ter renda fruto de trabalho. E 457 disseram ter até um salário mínimo. Apenas quatro contaram ter até três salários. Acima disso, nenhuma.
"Com certeza isso é um fator que deixa as vítimas presas a uma dependência econômica na qual já estava instalada também uma dependência emocional. Também é muito comum as vítimas ficarem preocupadas se o acusado será preso. Elas sentem que será culpa delas, mas isso é consequência dos atos dele próprio", explicou o professor, que atua no Centro Universitário UniFBV Wyden.
Mais da metade das das mulheres que sofrem violência doméstica contam com rendas oriundas de programas sociais, sobretudo do Bolsa Família, demostrando a relevância desses recursos públicos como como fonte para a manutenção de sobrevivência básica das vítimas, uma vez que permitem uma renda mínima para a alimentação delas e dos filhos.
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA RECORRENTE
A pesquisa também identificou que 2.430 mulheres entrevistadas durante acolhimento na Vara, ou seja, 74,7% afirmaram que já sofreram violência anteriormente. E quase a totalidade delas disseram que o agressor era o mesmo.
"Existe um número elevado de vítimas que registra a primeira queixa somente após anos de sofrimento. Esse é um ponto central, porque a violência doméstica deixa sequelas pesadas não só nas vítimas, mas também em seus filhos e demais familiares", pontuou o pesquisador.
O uso de álcool e a possessividade lideram entre os fatores que contribuem para as agressões, segundo os depoimentos das vítimas. Mas elas citaram também os conflitos conjugais e o fim de relacionamentos como situações que resultam em violência doméstica.
Mozart destacou que, durante o acolhimento na Vara, as entrevistas têm como objetivo saber se o acusado está respeitando as medidas protetivas da lei Maria da Penha. E que, nesse processo, também é trabalhado o lado psicológico, mostrando às mulheres que elas são vítimas e não culpadas pela punição e prisão dos agressores.
"A entrevista de acolhimento auxilia a vítima em vários fatores, pois esclarece dúvidas sobre o processo e orienta sobre o que fazer se o agressor descumprir as medidas. Quando isso acontece, o juiz pode determinar a prisão do acusado ou instalar tornozeleira eletrônica, para melhorar a segurança da vítima."
PERFIL DOS AGRESSORES
A análise dos dados também permitiu identificar padrões de conduta que muitos agressores exercem ao longo do tempo.
O estudo cita, por exemplo, o tipo "tóxico", classificação dada ao agressor que atua destruindo a autoestima da vítima através de depreciação, principalmente verbal. As violências mais comuns são a psicológica e moral.
Outro perfil é do "explosivo pontual", agressor que age com explosões de raiva inconstantes e espaçadas no tempo. Nesses casos, em geral, a violência psicológica e moral estão sempre presentes, mas a física também pode ocorrer.
O terceiro perfil é do "passivo-possessivo", classificada aos homens que fingem permitir que a vítima possa seguir sua vida em paz, mas na verdade a têm como posse. As violência psicológica e moral são mais presentes, com apelo para os sentimentos amorosos e dúvidas sobre o término que a vítima ainda nutre por ele.
Por fim, há o "ativo-possessivo", quando persegue ativamente a vítima pois entende que ela lhe pertence. É comum hackear celular, e-mails e redes sociais da vítima e pode já possuir histórico de violência doméstica. Violências psicológica, moral e física são mais comuns.
"A pesquisa gerou quadros sobre os comportamentos que cada tipo de agressor realiza. É uma pesquisa inicial e ainda precisamos aprofundar mais nos dados para tornar mais claros os detalhes das atitudes dos agressores", destacou o professor.
COMO PROCURAR AJUDA?
Somente em Pernambuco, 34.832 queixas de violência doméstica foram registradas em delegacias entre janeiro e outubro deste ano. Quase metade das vítimas (47,4%) com idades entre 18 e 34 anos.
Em caso de violência, a mulher pode acionar imediatamente a Polícia Militar pelo número 190. Para orientações sobre a rede de proteção, também podem entrar em contato com a Ouvidoria da Secretaria da Mulher de Pernambuco: 0800.281.8187.
As vítimas não precisam mais procurar uma delegacia para solicitar medida protetiva de urgência. Basta acessar o site do Tribunal de Justiça de Pernambuco (portal.tjpe.jus.br). Com a ferramenta, não é necessário sair de casa para ir a uma delegacia ou contratar advogado ou advogada.
Na página inicial, é necessário rolar a tela até encontrar o ícone "Medida Protetiva Eletrônica" e, em seguida, clicar em "Iniciar Atendimento".
A resposta do juiz ou juíza à solicitação será enviada para o número de celular cadastrado pela mulher em um prazo de até 48 horas.