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Associação do presidente da Câmara de Ipojuca recebeu R$ 12 milhões em emendas, afirma polícia

Mandado de prisão contra Flávio do Cartório (PSD) foi cumprido na terça-feira (18), um dia antes da 2ª fase da operação que apura desvios milionários

Por Raphael Guerra Publicado em 19/11/2025 às 12:58 | Atualizado em 19/11/2025 às 17:27

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A investigação dos desvios milionários de emendas parlamentares autorizadas pela Câmara de Vereadores de Ipojuca, no Grande Recife, identificou que o dono de uma das associações beneficiadas com R$ 12 milhões é o próprio presidente da Casa, Flávio do Cartório (PSD). Mais de 20 entidades estão sob apuração. 

A informação foi divulgada em coletiva de imprensa conjunta da Polícia Civil e Ministério Público de Pernambuco (MPPE), nesta quarta-feira (19), quando foi deflagrada a segunda fase da Operação Alvitre. Dois mandados de prisão foram cumpridos contra um empresário do município de Bezerros e contra o presidente da "Filhos de Ipojuca", associação pertencente ao presidente da Câmara.

Flávio e o vice-presidente da Casa, Professor Eduardo (PSD), foram presos em flagrante por lavagem de dinheiro na tarde da terça-feira (18), quando saíam de um supermercado em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Flávio já vinha sendo monitorado e o mandado de prisão contra ele seria cumprido também nesta quarta, mas foi antecipado.

Ambos foram detidos por policiais do Grupo de Operações Especiais (GOE). Eles estavam com uma sacola com R$ 14.267 em dinheiro. Conforme já informado pelo Jornal do Commercio, documentos com anotações foram apreendidos e indicam um possível esquema de "rachadinha" totalizando mais de R$ 345 mil. Essas informações constam no boletim de ocorrência registrado pela polícia após as prisões.

Segundo o delegado Ney Luiz Rodrigues, responsável pelo inquérito, o presidente da associação Filhos de Ipojuca era usado como "laranja". O nome dele não foi revelado oficialmente.

Até 2023, a associação funcionava como uma espécie de escolinha de esportes, com recebimento médio de R$ 230 mil. A partir daquele ano, houve um salto para R$ 5 milhões em valores pagos por meio de emendas impositivas.

"A associação também passou a fornecer prestação de serviços de saúde, sem capacidade técnica para execução. No total, a gente acredita que foram R$ 12 milhões recebidos. Ele [presidente da Câmara] destinou valores milionários para a associação, que tinha como presidente e vice-presidente pessoas ligadas a ele e que já trabalharam em seu gabinete", pontuou o delegado.  

De acordo com a promotora Katarina Gouveia, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do MPPE, parentes do presidente da Câmara TAMBÉM estavam ligados à associação. "Observamos na investigação que havia pessoas que já haviam passado pela Câmara e que estavam na associação e também pessoas que saíram da associação e migraram para a Câmara", destacou. 

Os investigadores disseram ainda que não havia mandado de prisão para o vice-presidente da Câmara.

Nesta tarde, em audiência de custódia, Professor Eduardo foi solto. De acordo com o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o juiz concluiu que não havia situação de flagrância que justificasse a detenção por lavagem de dinheiro, determinando a liberdade provisória, mediante medidas cautelares. No caso de Flávio do Cartório, a preventiva foi mantida porque havia mandado de prisão contra ele. 

A reportagem tentou contato com a defesa do presidente da Câmara. O advogado Raphael Lyra Rego não respondeu às mensagens. 

Ainda na terça-feira, o Partido Social Democrático (PSD), sigla que representa os vereadores presos, emitiu uma nota oficial sobre o ocorrido.

"O PSD de Pernambuco informa que vai acompanhar as investigações referentes à prisão do presidente da Câmara de Vereadores de Ipojuca, Flávio do Cartório, e do seu vice, Professor Eduardo, ambos filiados ao partido. Assim que o processo legal for concluído, adotaremos as medidas cabíveis", diz o comunicado.

Dezenove mandados de busca e apreensão também foram cumpridos na segunda fase da operação. A polícia não detalhou o que foi recolhido para perícia.  Os crimes apurados são de corrupção passiva,
peculato, lavagem de dinheiro e falsidade documental. 

ENTENDA O CASO

O caso está sendo investigado pela Delegacia de Porto de Galinhas desde outubro de 2024, quando denúncias em redes sociais apontaram que associações estavam sendo beneficiadas com milhões de reais ilegalmente por meio de emendas impositivas.

Em setembro de 2023, inclusive, a Câmara de Vereadores de Ipojuca aprovou um projeto de lei modificando o percentual estabelecido para as emendas, antes de 1,2%, passando a ser 2% do Orçamento Municipal.

Como se tratam de emendas impositivas, a Prefeitura é obrigada a fazer o repasse dos valores. No entanto, uma comissão é responsável por avaliar documentação como garantia de que as entidades beneficiadas cumprem com todas as regras previstas em lei.

Um dos alvos da investigação é o empresário Gilberto Claudino da Silva Júnior, que se entregou à polícia em 5 de novembro, um mês após a primeira fase da operação. Ele é dono da Faculdade Novo Horizonte (razão social Instituto Nacional de Ensino, Sociedade e Pesquisa - Inesp), apontada como uma das empresas beneficiadas com repasse milionário de verbas.

Segundo as investigações, as verbas recebidas pelo Inesp eram repassadas pelo Instituto de Gestão de Políticas do Nordeste (IGPN), principal beneficiário das emendas.

Nove vereadores autorizaram o pagamento de mais de R$ 6 milhões em menos de um ano, sem que a entidade tivesse capacidade para gerir os contratos que previam a oferta de cursos na área de saúde.

"O IGPN contratou uma faculdade de Ipojuca, mas os cursos não foram realizados. Um detalhe que também chama a atenção é que o imóvel onde funciona a faculdade foi adquirido pela Câmara de Vereadores de Ipojuca", relatou o delegado Ney Luiz Rodrigues, em coletiva anterior.

Somente entre 2022 e 2024, a Prefeitura de Ipojuca pagou mais de R$ 39 milhões em emendas parlamentares impositivas.

Na primeira fase da operação, duas advogadas à frente de outra associação localizada em Caruaru, no Agreste do Estado, foram presas. Outra mulher, funcionária da faculdade, também. 

MORTE DE PROFESSORA ANTES DE DEPOIMENTO

Sobre o caso da professora Simone Marques da Silva, de 46 anos, assassinada em casa antes de prestar depoimento, em 31 de outubro deste ano, a Polícia Civil revelou que ela era presidente de uma das associações investigadas. 

O Caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios Sul, ainda sem prazo de conclusão.  

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