Rivalidade entre facções é entrave para conter homicídios em Pernambuco
Em média, 65% das vítimas de homicídio tinham ligação com atividades criminais. Mas a disputa entre bandidos também tira a vida de inocentes

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O avanço das facções criminosas já atinge os territórios onde vivem pelo menos 28,5 milhões de pessoas no País. A recente pesquisa Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforça a necessidade de ações integradas e efetivas para desarticular esses grupos e garantir a paz sobretudo de quem mora nas áreas de periferias - mais atingidas pelo crime organizado.
Em Pernambuco, a guerra entre grupos pelo domínio de territórios para o tráfico de drogas resulta em um verdadeiro banho de sangue diário. E estatísticas oficiais indicam que mais de 65% das vítimas de homicídios, entre janeiro e setembro deste ano, tinham ligação com atividades criminais. Mas essa intensa disputa também atinge inocentes.
Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado identificou 56 pessoas que foram vítimas de bala perdida na Região Metropolitana do Recife (RMR) ao longo deste ano. Desse total, sete morreram.
O caso mais recente foi o de um motorista de ônibus de 24 anos atingido por um tiro de raspão no pescoço no terminal do Bongi, Zona Oeste do Recife, no dia 11 de outubro. Segundo a Polícia Militar, o motorista foi ferido após um suspeito efetuar disparos contra outro homem. Os dois envolvidos não foram localizados.
Na avaliação de Armando Nascimento, pesquisador, consultor e especialista em Governança, Estratégias e Sistemas de Segurança Pública da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o avanço das facções criminosas no Estado representa um dos maiores desafios atuais para a segurança pública.
"Evidencia não apenas a fragilidade do controle territorial do Estado, mas também a ausência de uma governança integrada e inteligente capaz de antecipar e neutralizar essas dinâmicas criminais. O enfrentamento efetivo dessas organizações exige muito mais do que ações repressivas. Requer integração sistêmica entre os entes federados, fortalecimento da inteligência policial, uso estratégico da tecnologia e políticas sociais que desarticulem o poder simbólico e econômico dessas facções nas comunidades", afirmou.
"A redução das mortes violentas passa, portanto, por uma gestão baseada em evidências, em consonância com os princípios do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que busca justamente coordenar esforços e otimizar recursos na prevenção e no enfrentamento do crime organizado", completou.
COMBATE AOS GRUPOS CRIMINOSOS
O delegado Ivaldo Pereira, gestor da Diretoria Integrada Especializada da Polícia Civil de Pernambuco, pontuou que as facções avançaram em todo o País a partir de 2016, após um rompimento entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), consideradas as maiores do Brasil.
"O CV procurou a rota do Nordeste. Aqui (Pernambuco) chegou com o nome disfarçado. Chamavam de Trem Bala, depois Comando Litoral Sul (CLS). Agora querem a 'grife' deles", disse o delegado.
Pereira citou, por exemplo, bairros do Recife como Nova Descoberta, Casa Amarela e Vasco da Gama, onde nos muros de imóveis estão aparecendo pinturas com as letras "CV", indicando a presença de membros da facção carioca.
"Estamos atentos à chegada para impedir qualquer avanço. Tudo é muito bem monitorado para que esses grupos não dominem os territórios. O que acontece também é que muitas vezes um preso recebe a liberdade e quando chega nesses bairros diz que faz parte do Comando Vermelho para impor o medo."
Segundo o delegado, houve aumento de investimentos no setor de inteligência, principalmente em tecnologia, além da maior integração entre as polícias Civil, Militar e Científica, resultando em reduções dos crimes contra a vida e contra o patrimônio no Estado. A queda atual de mortes é de 11,4% em comparação com janeiro a setembro de 2024.
"O Estado já realizou este ano 68 operações de repressão qualificada. Antes, a gente fazia o cumprimento de prisões e de busca e apreensão. Mas nosso foco agora é descapitalizar o crime organizado, com bloqueio de valores e sequestro de bens. A transferência de lideranças em presídios também trouxe resultados na queda das mortes", afirmou.
RECORDE DE CRIANÇAS BALEADAS NO GRANDE RECIFE
Na guerra entre grupos rivais, famílias sem qualquer envolvimento com o crime também são destruídas. Na noite de 12 de maio deste ano, Helen Santos de Souza, de 4 anos, foi baleada durante uma troca de tiros entre criminosos no Córrego do Deodato, bairro de Água Fria, Zona Norte do Recife.
Segundo os primos da vítima, homens armados e encapuzados desceram do Alto do Pascoal e entraram na rua. Ao avistarem dois homens que seriam de um grupo rival em um bar, eles começaram a atirar. O tiroteio teria sido motivado pela disputa pelo tráfico de drogas.
No momento dos tiros, Helen passeava com uma parente, enquanto a mãe organizava a festa aniversário de 5 anos, que ocorreria no dia seguinte.
"Só escutei os gritos. Todo mundo gritando: 'Foi Helen, foi Helen'. Quando eu cheguei, já tinha socorrido ela. Me botaram na moto e me levaram para o Hospital da Restauração", relembrou a mulher, que preferiu não se identificar.
A menina foi internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HR, em estado grave, mas não resistiu aos ferimentos. Dias depois, a polícia confirmou a prisão de suspeitos de envolvimento na troca de tiros.
De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, ao menos 15 crianças foram baleadas no Grande Recife até o começo de outubro deste ano. Desse total, quatro morreram.
O número de crianças baleadas é um recorde da série histórica, iniciada em 2018, quando o Fogo Cruzado começou a contabilizar a violência armada no Grande Recife. Até então, a maior quantidade registrada era de 11 meninos e meninas baleados ao longo de todo o ano de 2020.
A título de comparação, a Região Metropolitana do Rio somou 13 atingidos por tiros em 2025. Três morreram. Já na Região Metropolitana de Salvador, na Bahia, cinco crianças foram baleadas.
Para a cientista social Ana Maria Franca, coordenadora do Instituto Fogo Cruzado em Pernambuco, o aumento no número de crianças vitimizadas por armas de fogo revela um cenário preocupante no que se refere à segurança pública no Estado.
"A mudança nas dinâmicas da violência tem gerado riscos cada vez maiores, inclusive para os mais jovens. O padrão de vitimização, infelizmente, permanece o mesmo, com um número historicamente alto de adolescentes baleados. No entanto, quando crianças passam a ser atingidas em circunstâncias como disputas entre grupos armados, torna-se evidente o descontrole da violência armada e o avanço de uma insegurança que coloca toda a população em risco", disse.
De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), 4.610 armas de fogo foram apreendidas no Estado entre janeiro e setembro deste ano. Além disso, mais de 5 mil pessoas foram presas por tráfico de drogas.
DEBATE NA RÁDIO JORNAL NESTA SEGUNDA-FEIRA
O desafio da guerra entre facções no Estado será tema do Debate da Super Manhã, da Rádio Jornal, nesta segunda-feira (20). Estarão presentes o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Ivanildo Torres; o chefe da Polícia Civil, Renato Rocha; e o pesquisador Armando Nascimento.
O programa começa a partir das 11h, com apresentação da jornalista Natalia Ribeiro e participação de Raphael Guerra, titular da coluna Segurança. A entrevista pode ser acompanhada pelo link:
jc.uol.com.br/radio-jornal/ao-vivo e também pelo Youtube, na página da Rádio Jornal.