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'E se o tiro fosse no meu filho?': operação do Bope causa pânico e revolta em comunidade de Olinda

Moradores de Marezão acordaram amedrontados em meio a tiros e gritos na manhã desta sexta-feira (3). O saldo foi de um morto e dois feridos

Por Raphael Guerra Publicado em 03/10/2025 às 16:48 | Atualizado em 03/10/2025 às 16:50

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Os gritos e tiros se intensificaram pouco após o sol nascer. Adriana* saltou da cama e correu para saber se os filhos estavam bem. Na casa ao lado, Roberta* já preparava o filho mais velho para ir ao colégio. Em dia de prova, não quis arriscar um atraso no horário. O desespero logo bateu à porta, na manhã desta sexta-feira (3). 

"E se o tiro fosse no meu filho?", pensou. 

Bem perto dessas e das residências de outras mães de família, policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) deram início ao que, oficialmente, chamaram de operação contra o tráfico de drogas na comunidade Marezão, uma das áreas mais esquecidas pelo poder público e que está localizada no bairro de Peixinhos, em Olinda, no Grande Recife.

Alguns moradores, mesmo com os fortes disparos, saíram às ruas. Uns pediram mais calma. "Há crianças."

Não foi o suficiente. Policiais avançaram, revistaram mulheres, entraram em casas à procura dos alvos. Quem eram os alvos?

Em pouco tempo, as cenas esperadas por quem vive em periferias se confirmaram: saldo de um homem morto e outras duas pessoas feridas. 

O corpo, enrolado ao lençol, foi levado depois de algum tempo para o Hospital da Restauração, na área central do Recife. Lá, conforme prontuário, a vítima de 25 anos chegou sem vida. Enquanto a PM fala em confronto, moradores garantem que só os fardados atiraram. 

Nenhuma surpresa para quem acompanha as páginas e programas policiais. Práticas que se arrastam há décadas e que, mesmo com atualização de protocolos e mais controle, se repetem em todo o País. 

CIRIO GOMES/JC IMAGEM
Operação do Bope na comunidade Marezão, em Peixinhos, Olinda - CIRIO GOMES/JC IMAGEM

À imprensa, moradoras, ainda com roupas de dormir, denunciaram ter sido obrigadas a tirar parte delas para mostrar que não estavam "com nada de errado". 

"Chegaram [PMs] tudo errado, atirando. Meu filho ia para a escola, quase que um tiro batia nele. Atiraram em dois, saíram arrastando feito cachorros. Não podem fazer isso", relatou uma delas.

"E se o tiro fosse no meu filho?", não parou de repetir.

A mesma Polícia Militar de Pernambuco que, com estardalhaço, chama a imprensa para anunciar apreensões de armas de fogo ou pequenas quantidade de drogas, preferiu o silêncio após a operação. 

Em uma curta nota oficial, a Corporação que celebrou 200 anos em junho disse que "houve confronto com a polícia, um dos suspeitos ficou ferido, foi socorrido para uma unidade hospitalar e veio a óbito". 

Alegou ainda que "uma arma de fogo foi apreendida e encaminhada ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), juntamente com um segundo suspeito de envolvimento com o tráfico".

Nenhuma surpresa na descrição para quem acompanha as páginas e programas policiais. 

Oficialmente, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) declarou que acompanhará a investigação sobre a morte decorrente da intervenção policial.

"E se o tiro fosse no meu filho?"

A mãe, que ecoou a pergunta, ainda assustada com tudo o que viu, está aliviada. Está ao lado dele. 

Na noite de 16 de março de 2024, os pais de Darik Sampaio da Silva, de 13 anos, não tiveram a mesma sorte. Foram surpreendidos com a notícia da morte do adolescente, vítima de bala perdida numa ação policial no bairro do Jordão, Zona Sul do Recife.

A PM, à época, alegou troca de tiros - mas a investigação não chegou a essa conclusão. No inquérito, policiais militares são apontados como os responsáveis pelos disparos. Um deles tirou a vida de Darik. Mas, até hoje, o autor não foi indicado na investigação. Impunidade. 

Em Pernambuco, 55 pessoas foram mortas em ações policiais entre janeiro e agosto deste ano. No mesmo período de 2024, foram 37. O aumento, até agora, é de 48,6% nos casos.

Os policiais do Bope, uma das unidades especializadas mais letais em todo o País, não usam câmeras corporais em Pernambuco. Nem há expectativa para que os equipamentos sejam implementados. A atual gestão estadual não investiu ao menos um real na aquisição desde 2023, mesmo com os números de óbitos subindo e com a dificuldade no esclarecimentos dos casos. 

Com cartazes, horas após a operação do Bope, mães e adolescentes clamavam: "Marezão quer paz."

*Nomes fictícios 

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