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Ex-gestores, policiais penais e presos viram réus por integrarem forte esquema de corrupção no Presídio de Igarassu

Processo tem 14 acusados, incluindo o ex-secretário executivo de Administração Penitenciária, André de Araújo Albuquerque, filmado recebendo propina

Por Raphael Guerra Publicado em 15/07/2025 às 11:00 | Atualizado em 15/07/2025 às 15:12

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Dois ex-gestores, oito policiais penais, uma dentista e três detentos viraram réus sob a acusação de integrarem o forte esquema de corrupção no Presídio de Igarassu, localizado no Grande Recife. A Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e deu prazo para que o grupo apresente defesa prévia.

A coluna Segurança, do Jornal do Commercio, teve acesso à íntegra do processo - que não está mais sob sigilo. Entre os réus estão o ex-secretário executivo de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), André de Araújo Albuquerque, filmado recebendo propina na sala da diretoria da unidade prisional, e o ex-diretor do presídio Charles Belarmino de Queiroz, apontado como um dos líderes do esquema de concessão/manutenção de regalias. Ambos foram presos em operações da Polícia Federal. 

A investigação apontou que os ex-gestores e policiais penais recebiam propina, como dinheiro e até comida, para liberar a entrada de drogas, celulares, bebidas alcoólicas e garotas de programa na unidade prisional. Festas também eram autorizadas, segundo diálogos de WhatsApp analisados por peritos federais.

O inquérito policial destacou que o esquema de corrupção ocorreu pelo menos entre os anos de 2018 e 2024, quando Charles estava à frente da direção do presídio. Ele e André foram exonerados dos cargos no final do ano passado, em meio ao avanço das investigações. 

Na primeira fase da operação La Catedral, em 25 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal prendeu Charles e mais sete policiais penais.

Belarmino exerceu o cargo de diretor do Presídio de Igarassu entre 1º de abril de 2016 até o final de 2024. Segundo o MPPE, "valendo-se de sua posição de comando, autoridade funcional e conhecimento aprofundado da rotina carcerária, estabeleceu e liderou, de forma consciente e voluntária, uma organização criminosa estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas".

Charles é acusado de receber pagamentos periódicos de dinheiro cobrados de presidiários para permitir atividades ilícitas nos pavilhões e o funcionamento de comércios irregulares. 

Na segunda fase, em abril, o principal alvo foi André. A prisão preventiva foi determinada após um vídeo encontrado no celular do ex-diretor da unidade, com data de 6 de setembro de 2024, mostrar o ex-secretário recebendo maços de dinheiro e guardando numa sacola. O detento Antônio de Souza Sobrinho, conhecido como Sertanejo, também aparece nas imagens. 

"O contexto do recebimento da propina, somado à sua posição estratégica no topo da hierarquia da Seap/PE, revela que André não era um agente periférico ou omisso, mas peça central na manutenção institucional da engrenagem criminosa. Era dele a responsabilidade pela nomeação, exoneração e fiscalização direta de gestores penitenciários, como Charles, a quem blindava e mantinha no cargo, apesar dos reiterados indícios de desvios de conduta", descreveu o relatório final da Polícia Federal, obtido pelo JC

Na denúncia do MPPE consta que o ex-secretário negou, em interrogatório, ter participado do esquema de corrupção no presídio. Ele confirmou ter recebido valores de Charles, conforme as imagens, mas disse que se tratava de "presente, em razão de sua atuação religiosa, isto é, sem vinculação com sua atividade funcional". 

O esquema de corrupção no presídio foi descoberto a partir da apreensão de um celular com o presidiário Lyferson Barbosa da Silva, que exercia liderança em um dos pavilhões e que tinha contato direto, sobretudo por meio do WhatsApp, com Charles e com outros policiais penais em cargos de supervisão.

No inquérito, há vasto material fotográfico do detento com garotas de programa, que eram escolhidas por meio do WhatsApp para entrarem com facilidade no presídio

No ano passado, diante dos primeiros indícios do escândalo de corrupção, Lyferson foi transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde permanece cumprindo pena.

Reprodução
Investigação da Polícia Federal descobriu que Lyferson tinha acesso a celulares e garotas de programa na unidade - Reprodução

"Constatou-se, com base em elementos técnicos e provas diretas, que a unidade prisional deixou de operar sob as diretrizes legais da execução penal, convertendo-se em ambiente de gestão paralela, no qual internos de elevado grau hierárquico passaram a exercer domínio logístico, financeiro e operacional, com anuência, facilitação ou participação direta de agentes públicos", disse trecho do relatório da PF. 

Dez promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do MPPE assinaram a denúncia enviada à Justiça.

A coluna tenta contato com as defesas dos réus. O espaço está aberto. 

CONFIRA LISTA DOS RÉUS E CRIMES ATRIBUÍDOS:

1 - Charles Belarmino de Queiroz (ex-diretor do presídio)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, favorecimento real impróprio, tráfico de drogas, organização criminosa, corrupção ativa.

2 - André de Araújo Albuquerque (ex-secretário executivo de Administração Penitenciária e Ressocialização)

Crimes: corrupção passiva, organização criminosa.

3 - Lyferson Barbosa da Silva (detento/líder de pavilhão)

Crimes: corrupção ativa, favorecimento real impróprio, organização criminosa, tráfico de drogas.

4 - Eronildo José dos Santos (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, favorecimento real impróprio, prevaricação, organização criminosa, tráfico de drogas.

Acusação: Lotado no Presídio de Igarassu desde 2011, ele exercia a função de chefe de disciplina e segurança. Investigação indicou que o servidor se comunicava com Lyferson utilizando o WhatsApp. Nas mensagens, o policial ordenava procedimentos que deveriam ser tomados no pavilhão para autorizar a entrada de visitantes não cadastrados e/ou fora do horário de visitação e também falava sobre a rotina na unidade.

5 - Newson Motta da Costa Neto (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, tráfico de influência, tráfico de drogas, violação de sigilo funcional qualificada, organização criminosa, prevaricação.

Acusação: Apontado como um informante de Lyferson. "Nas conversas, percebeu-se que possivelmente o policial penal colocava entorpecente para dentro do presídio em conluio com Lyferson, fazia buscas em bancos de dados para a organização criminosa que Lyferson compõe e outros delitos", descreveu a PF.

6 - Cecília da Silva Santos (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, violação de sigilo funcional qualificada, prevaricação, organização criminosa.

Acusação: Segundo a investigação, ela se utilizava da função pública para receber benefícios irregularmente e solicitava presentes de Lyferson, "além de passar informações restritas sobre outros presos".

7 - Moisés Xavier da Silva (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, violação de sigilo funcional, organização criminosa.

Acusação: Lotado no setor de enfermaria do Presídio de Igarassu, ele teria facilitado a renovação da habilitação de motorista de Lyferson. O esquema teria envolvido o valor de R$ 5 mil.

8 - Ernande Eduardo Freire Cavalcanti (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, violação de sigilo funcional, organização criminosa.

Acusação: Segundo investigação, ele realizava frequentemente pedidos de comidas para Lyferson. O pagamento ocorria por meio de Pix. Mensagens também indicaram que o policial pedia dinheiro ao presidiário. Certa vez, teria solicitado duas notas de R$ 50 para abastecer o carro particular com combustível.

9 - Everton de Melo Santana (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, organização criminosa. 

Acusação: Mensagem de 6 de agosto de 2022 mostra que ele entrou em contato com Lyferson perguntando sobre um pedido de sushi. Polícia Federal descreveu Everton como mais um servidor público que facilita a entrada de alimentos não autorizados.

10 - Reginaldo Ferreira Aniceto (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, organização criminosa.

Acusação: Segundo a PF, ele fazia serviços para Lyferson em troca de recompensas. Em conversa no dia 6 de maio de 2022, o presidiário solicitou que Reginaldo escolhesse um tênis. Já em 14 de junho do mesmo ano, o servidor foi até um shopping e retornou mandando imagens do tênis escolhido.

Mensagens indicaram que o policial facilitava a entrada de pessoas não autorizadas, a pedido de Lyferson.

11 - Ednaldo José da Silva (policial penal)

Crimes: corrupção passiva, prevaricação, organização criminosa.

Acusação: Descrito pela Polícia Federal como um servidor com "desequilíbrio financeiro" e que chegou a pedir empréstimos a Lyferson. Em uma das conversas, solicitou R$ 3 mil.

12 - Edilma Alves Francisco de Andrade (dentista do presídio)

Crime: corrupção passiva, prevaricação.

Acusação: Segundo o MPPE, mesmo remunerada pelo Estado para prestar assistência odontológica gratuita aos detentos do Presídio de Igarassu, ela exigia e recebia pagamentos adicionais pelos serviços. 

13 - Edgleisson Carlos Alves dos Santos (detento/líder de pavilhão)

Crimes: corrupção ativa, organização criminosa, tráfico de drogas.

Acusação: Investigação indica que ele mantinha interlocução direta, frequente e privilegiada com Charles, utilizando essa relação de confiança pessoal e operacional para praticar e participar ativamente de diversos crimes, atuando como peça fundamental na organização criminosa.

14 - Antônio de Souza Sobrinho (detento/líder de pavilhão)

Crimes: corrupção ativa, organização criminosa. 

Acusação: Considerado um elo da então direção da unidade com os presos que lideravam os pavilhões. Aparece no vídeo do suposto pagamendo de propina ao ex-secretário André. 

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