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Quase 93% dos municípios de Pernambuco não disputam verbas federais para segurança pública

TCE-PE revelou que só 13 cidades participaram de editais para receber recursos em 2024. Especialista aponta desconhecimento e falta de qualificação

Por Raphael Guerra Publicado em 14/07/2025 às 6:35

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Sem plano ou diagnóstico sobre a realidade local, a maioria dos municípios de Pernambuco não investe recursos próprios em segurança pública - nem tenta recebê-los por meio de editais do governo federal, deixando nas mãos apenas da gestão estadual a responsabilidade pela prevenção à violência, que deveria ser compartilhada com todos os entes federativos. 

levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) sobre as políticas adotadas na área da segurança pública identificou que apenas 13 dos 184 municípios disputaram verbas repassadas por meio de editais da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) no ano passado. Isso significa que quase 93% nem tentaram. 

Na avaliação do pesquisador, consultor e especialista em Governança, Estratégias e Sistemas de Segurança Pública Armando Nascimento, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), esse resultado demonstra que faltam conhecimento e qualificação aos municípios - e que muitos permanecem com o pensamento equivocado de que segurança pública é papel apenas do Estado. 

"A Constituição diz que a segurança pública é de responsabilidade da União, estados e municípios. Na PEC da Segurança Pública que está em votação no Congresso Federal, 90% dela já é o que está definido no Susp (Sistema Único de Segurança Pública). Mas há um desconhecimento. O próprio prefeito do Recife [João Campos] já declarou que a segurança é papel do Estado", afirmou.

Nascimento classificou como "baixa aderência à legislação federal" o fato de a maioria dos municípios não cumprir requisitos mínimos, como diagnóstico, plano e sistema municipal de segurança pública.

"O TCE-PE fez algo muito importante, que foi ranquear os municípios a partir das ações implementadas por eles na área. Chama a atenção, por exemplo, cidade que diz que tem plano de segurança, mas não tem diagnóstico. Como ela vai investir sem saber onde o recurso deve ser aplicado para ter resultado?", refletiu. 

De acordo com ele, a baixa adesão dos municípios aos editais do Senasp é reflexo do despreparo das gestões, que são reprovadas por não apresentarem as exigências previstas na disputa pelo recurso federal. 

"Primeiro é preciso arrumar a casa. O município precisa ter uma estrutura voltada para a segurança pública para poder disputar os editais", disse. 

Procurado pela coluna Segurança, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou, por meio e-mail, que atualmente não há editais do Senasp abertos voltados especificamente aos municípios.

"A abertura de editais varia de acordo com as políticas públicas em desenvolvimento e de acordo com a disponibilidade orçamentária, prioridades definidas em nível federal e marcos legais em vigor. Não há uma periodicidade determinada, com cronograma específico para a publicação desses editais", afirmou.

ARTUR BORBA/JC IMAGEM
"Primeiro é preciso arrumar a casa. O município precisa ter uma estrutura voltada para a segurança pública para poder disputar os editais", avalia Armando Nascimento, pesquisador da UFPE - ARTUR BORBA/JC IMAGEM

Na visão de Armando, a Senasp deve publicar editais para apoiar municípios na construção e adequação de suas estruturas estratégicas e operacionais, alinhadas à arquitetura do Susp, com prioridade para aqueles com maior incidência de violência e menores índices de governança para recebimento de apoio técnico e financeiro.

Questionado sobre as regras gerais que precisam ser atendidas pelos municípios na disputa por verbas, o ministério afirmou que elas "são definidas nos editais, de acordo com os objetivos específicos da política pública correspondente". E ressaltou que "não há, no momento, previsão de repasse de recursos por meio de editais". 

A pesquisa do TCE-PE mostrou ainda que só quatro das 184 cidades pernambucanas receberam recursos da União para ações voltadas à segurança pública no ano passado: Recife, Paulista, Igarassu, localizados na Região Metropolitana, e São Benedito do Sul, na Zona da Mata Sul. 

No dia da apresentação dos resultados da pesquisa do TCE-PE, no mês passado, a chefe da Diretoria do Susp do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Isabel Seixas, declarou que a atual gestão tem se esforçado para recolocar os municípios na discussão sobre a participação deles na prevenção à violência.

"A gente tem empreendido um esforço grande de recolocação dos municípios nesse espaço estratégico no Sistema Único de Segurança, mas também de retomar o diálogo com os gestores no sentido desse olhar para a segurança com ações dos prefeitos, dos secretários e, por outro lado, mostrar que isso não implica necessariamente em novos gastos. Às vezes é só aprimoramento de gestão", disse. 

"É só definir, por exemplo, escolas que vão ter ensino em tempo integral, levar em consideração o território que vai ser escolhido para receber maior atenção. Esse olhar é fundamental", completou. 

A gestora citou ainda que o governo federal tem feito convênios e o envio de equipamentos aos municípios como forma de ajudá-los, já que o Fundo Nacional da Segurança Pública só prevê o repasse de verbas aos estados. 

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"[Investimento em segurança] não implica necessariamente em novos gastos. Às vezes é só aprimoramento de gestão", define Isabel Seixas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública - Divulgação

ESTADO PODE COLABORAR PARA ESTRUTURAR MUNICÍPIOS

Para o pesquisador Armando Nascimento, uma alternativa para que os municípios recebam recursos federais é ter apoio da Secretaria de Defesa Social do Estado na estruturação de planos e ações. 

"É preciso criar na SDS um setor específico para articulação e apoio técnico aos municípios,
promovendo integração vertical (Estado-Municípios) e horizontal (entre municípios). O investimento tem que ser em infraestrutura, capacitação e tecnologia", disse. 

"Como os recursos do Fundo Nacional são repassados exclusivamente para os estados, a SDS tem que conversar com os municípios para entender as necessidades e para que eles apresentem propostas na área. E quando a verba do Fundo for repassada ao Estado, a SDS pode fazer o serviço no município", complementou. 

Nascimento pontou que 18 municípios concentram 60% das 1.619 mortes violentas intencionais registradas em Pernambuco no primeiro semestre deste ano. Além disso, do total dos assassinatos, 36,38% foram concentrados em quatro municípios - incluindo o Recife. 

"Com esses dados, a SDS tem dar um tratamento especial a essas cidades. É preciso saber se elas têm secretaria de segurança, se têm capacitação para pessoas em vulnerabilidade social, se há atendimento a usuários de drogas, entre outras ações", explicou. 

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, Pernambuco recebeu mais de R$ 38,4 milhões do Fundo Nacional em 2023. 

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