Segurança | Notícia

Só 5 municípios de Pernambuco têm políticas de apoio aos usuários de drogas

Levantamento do TCE-PE revelou que 97,3% não investem em ações para dependentes químicos, que estão entre as principais vítimas de homicídio

Por Raphael Guerra Publicado em 30/06/2025 às 15:54 | Atualizado em 30/06/2025 às 16:09

O combate às drogas continua sendo um complexo e urgente desafio da segurança pública, mas também social. O encarceramento em massa não é solução, como já se discutiu em décadas passadas. São necessárias políticas que acolham e ajudem os dependentes químicos a mudarem de vida. Por isso a importância de investimentos e integração entre União, estados e municípios. 

Os usuários de entorpecentes estão entre as principais vítimas de homicídios no País. Apesar disso, um levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) mostra que, na prática, o Estado está distante de solucionar o problema. Somente cinco dos 184 municípios pernambucanos conta com políticas de auxílio às pessoas com dependência de drogas.

O número representa 97,3% do total das cidades. Na Região Metropolitana do Recife, por exemplo, apenas a capital adota uma política de acolhimento aos usuários. Os outros quatro municípios pernambucanos são: Tamandaré (Mata Sul), Toritama (Agreste), Serrita e Serra Talhada, ambas no Sertão. 

A cientista social e coordenadora-executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Edna Jatobá, vê o resultado com preocupação.

"Quando mais de 97% dos municípios de Pernambuco não oferecem qualquer política de apoio a pessoas que usam drogas, o que vemos é a repetição de uma lógica perversa: empurrar essas pessoas exclusivamente para a esfera da segurança pública e do sistema prisional. Isso não só ignora sua dignidade e autonomia, como também aprofunda a exclusão e a violência que elas já enfrentam", analisou. 

"É urgente investir em políticas de redução de danos, que reconheçam a complexidade dos usos e o papel das redes de apoio na vida dessas pessoas. Cuidar é muito mais eficaz e mais humano do que punir", complementou. 

JOVENS SÃO AS PRINCIPAIS VÍTIMAS

Em Pernambuco, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), 70% das mortes violentas intencionais estão relacionadas às atividades criminais, incluindo sobretudo pessoas que perderam a vida por causa de dívidas de drogas ou pela disputa pelo domínio de territórios para o tráfico. 

Outro dado alarmante referente ao período de janeiro a maio deste ano: 48% das vítimas, ou seja, quase metade delas tinham entre 12 e 29 anos. Sem estudo, sem emprego e sem apoio do poder público, a faixa etária que compreende os adolescentes e jovens é a mais atingida pela violência, atraída pelo vício ou cooptada para o tráfico sob a falsa promessa de dinheiro fácil e proteção. 

ESTADO COBRA MUNICÍPIOS

O secretário-executivo de Políticas sobre Drogas de Pernambuco, Yury Ribeiro, reforçou que os municípios precisam desenvolver ações voltadas aos usuários de drogas, contribuindo para salvar vidas. 

"O levantamento realizado pelo Tribunal de Contas reforça um alerta que temos feito de forma recorrente: diante do crescimento no número de pessoas em situação de uso problemático de drogas, é urgente que os municípios assumam seu papel na construção de políticas públicas voltadas para o cuidado dessa população", declarou. 

"Trata-se não apenas de uma questão de saúde pública, mas também de um compromisso com a construção de cidades mais seguras, justas e menos desiguais. Onde há políticas de cuidado, há mais oportunidades de romper ciclos de violência, vulnerabilidade e exclusão social", afirmou o gestor. 

Diego Nigro/Acervo JC Imagem
Pessoas dependentes de crack representam mais de 90% das atendidas por programa estadual - Diego Nigro/Acervo JC Imagem

MORTE DE JOVEM NO RECIFE FORÇOU ESTADO A CRIAR PROGRAMA

Em 2010, o caso de um jovem que era acorrentado pela mãe para que não furtasse a própria casa para comprar crack, na Zona Norte do Recife, teve repercussão nacional. O rapaz acabou sendo levado para tratamento contra as drogas. Mas a história não teve um final feliz, porque ele fugiu da unidade de reabilitação e, dias depois, foi morto em pleno Dia das Mães.

Diante da tragédia e críticas, o então governador Eduardo Campos anunciou a criação de um programa para combater o vício das drogas no Estado. Meses depois, nasceu o Atitude. Nos primeiros anos, a iniciativa trouxe bons resultados no atendimento às pessoas em situação de rua que usavam entorpecentes - principalmente o crack - e que eram levadas para tratamento intensivo.

Na gestão seguinte, o programa perdeu fôlego. Atualmente, segundo a Secretaria Estadual de Assistência Social, Combate à Fome e Políticas sobre Drogas, anualmente, há um investimento de R$ 25 milhões no Atitude, com foco em territórios prioritários para o combate à violência. 

Balanço mensal indica que mais de 90% das pessoas abordas e atendidas nas ruas pelas equipes técnicas são dependentes de crack. 

Na semana passada, o governo estadual também anunciou a criação do programa Nova História, que promete ampliar a intervenção junto a pessoas em situação de rua, viabilizando o financiamento de 200 vagas mensais de acolhimento em comunidades terapêuticas.

PROMESSA DE DIÁLOGO 

A gestão estadual disse que, além de diálogo, oferente apoio técnico aos municípios para o desenvolvimento de políticas de prevenção às drogas. 

"O enfrentamento dessa pauta exige a cooperação articulada entre todas as esferas de governo, com a construção de políticas públicas mais eficazes, integradas e humanizadas nos territórios", argumentou Yury Ribeiro.

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