INVESTIGAÇÃO | Notícia

MPPE denuncia médico por homicídio qualificado de mulher após 'harmonização de bumbum' no Recife

Inquérito diz que Marcelo Alves Vasconcelos não realizou exames prévios na paciente antes do PMMA e exercia a atividade de maneira ilegal no Estado

Por Raphael Guerra Publicado em 27/05/2025 às 10:36 | Atualizado em 27/05/2025 às 10:57

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) denunciou o médico Marcelo Alves Vasconcelos pelo crime de homicídio qualificado (motivo torpe/ganância). Ele foi apontado como o responsável pela morte da comerciante Adriana Barros Lima Laurentino, de 46 anos, após procedimento de "harmonização do bumbum", feito com a utilização de polimetilmetacrilato, conhecido popularmente como PMMA, no Recife.

A denúncia, obtida com exclusividade pelo Jornal do Commercio, teve como base a conclusão das investigações da Polícia Civil, que duraram quase quatro meses. Adriana foi encontrada morta em casa cerca de 24 horas após passar pelo procedimento estético com aplicação de 360 ml da substância, em 11 de janeiro deste ano. 

O inquérito apontou que o médico não realizou exames prévios na paciente, que possuía uma infecção. Além disso, ele assumiu o risco ao realizar o procedimento, visto que tinha conhecimento da possibilidade de intercorrências provocadas pelo uso do PMMA. O laudo tanatoscópico indicou que Adriana morreu de embolia pulmonar - condição grave que já atingiu outras vítimas que receberam injeção glútea do PMMA.

Conforme o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), o médico também não tinha registro, ou seja, não poderia exercer a atividade legalmente no Estado.  

A coluna entrou em contato com Marcelo, que disse não ter conhecimento da denúncia do MPPE e que iria conversar com os advogados sobre o caso. 

A investigação identificou que Adriana visualizou a postagem no Instagram da empresa "Bodyplastia - Harmonização Corporal", com mais de 130 mil seguidores, em 26 de dezembro do ano passado. Na ocasião, entrou em contato por meio de um link fornecido na página e demonstrou interesse na consulta com o médico, pagando R$ 500 antecipadamente. O investimento total teria sido de R$ 21 mil. 

Em 10 de janeiro deste ano, a comerciante foi à clínica localizada no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, e passou pelo procedimento, voltando para casa horas depois. Já no dia seguinte, ela foi encontrada pelo filho no banheiro, apresentando sangramento no nariz, além das pernas e rosto escuros. O Samu foi acionado, mas ela já estava morta. 

PROVAS APONTADAS PELA POLÍCIA

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Marcelo Alves Vasconcelos, responsável pelo procedimento estético, foi denunciado por homicídio qualificado - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

A conclusão do inquérito foi assinada pelos delegados Mário Melo e Millene Pereira Silva. No documento, eles apontam que a prova da materialidade do crime foi comprovada no laudo tanatoscópico do Instituto de Medicina Legal (IML). 

"Constatou-se Infecção de trato urinário alto (pielonefrite). Segundo a legista, esta condição infecciosa aguda está relacionada a fatores agravantes ou situações de estresse sistêmico, como procedimentos médicos. Ou seja, é como se a vítima apresenta-se algum grau de infecção leve e o procedimento médico, principalmente os estéticos, ocasionasse um estresse exacerbado no sistema orgânico (...) evoluindo para algo bastante grave, como a sepse e morte", apontou o inquérito. 

Na análise dos delegados, o médico deveria ter identificado se a paciente apresentava algum tipo de infecção e que isso poderia ser constatado "através de um simples exame de sangue ou urina".

"Como será demonstrado, nenhum exame foi solicitado e/ou apresentado pela paciente para realização do procedimento. Em interrogatório o autor alegou que a vítima teria mostrado um exame feito recentemente, estando apta, do ponto de vista funcional, a realização do procedimento", disse o inquérito.

Em relatório à Justiça, os delegados reforçaram que o profissional não realizou qualquer exame, visto que a paciente foi uma única vez à clínica, quando já realizou o procedimento estético. "Ou seja, demonstra-se que a finalidade aqui não é o bem-estar da paciente, mas sim o lucro exorbitante do investigado", afirmaram.

Os delegados argumentaram ainda que o médico demonstra indiferença com os pacientes e que toda comunicação anterior ao procedimento é feita apenas por atendentes. 

"Os indícios apontam que há um incentivo, velado, para que a paciente pague pela maior quantidade de produto possível, considerando o fato de não ser aplicado menos de 180 ml por procedimento. (...) Importante ressaltar ainda, como mais um elemento que demonstra a indiferença profissional, o fato dele não ter inscrição no Cremepe à época. Ou seja, ele exercia toda essa atividade aqui em Pernambuco de maneira ilegal, o que demonstra sua índole antiética para com a profissão da medicina", descreveu o inquérito. 

MPPE PEDE SUSPENSÃO DA ATIVIDADE DO MÉDICO

Na denúncia enviada à Justiça, o promotor João Alves de Araújo, da 36ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, solicita que o médico seja condenado pelo crime de homicídio qualificado e que pague uma fiança. 

Além disso, pede que a Justiça proíba Marcelo de exercer a medicina e que ele não possa manter postagem no Instagram, ou qualquer outra rede social, que incentive, indique ou enalteça o uso de PMMA para fins estéticos. 

A 2ª Vara do Tribunal do Júri Capital ainda vai decidir se aceita a denúncia. 

Em nota, o escritório de advocacia Machado, Silva & Filizola, responsável por representar a família da comerciante, afirmou que a denúncia do MPPE "representa um importante avanço no esclarecimento dos fatos e na responsabilização dos envolvidos".

"A partir deste momento, nos habilitaremos como assistentes de acusação, atuando ao lado do MPPE, com o objetivo de contribuir de forma técnica e diligente para a apuração completa dos acontecimentos e a responsabilização penal de quem for devido", disse. 

"Por se tratar de um processo que tramita sob segredo de justiça, não podemos fornecer maiores detalhes neste momento. No entanto, reiteramos que o anseio da família é por justiça — uma justiça célere, efetiva e que honre a memória da vítima", concluiu. 

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