ALERTA | Notícia

Crime e riscos à saúde: venda de produtos odontológicos falsos se espalha na internet

Kits de resina moldável e bolinhas fixadoras, por até R$ 30 em plataformas, podem causar danos irreversíveis à boca. E punição aos responsáveis

Por Raphael Guerra Publicado em 20/05/2025 às 12:16 | Atualizado em 20/05/2025 às 12:43

Numa rápida busca em plataformas de e-commerce, não é difícil encontrar produtos que prometem disfarçar imperfeições nos dentes e deixar o sorriso mais completo. Os preços são bem atrativos: por até R$ 30, por exemplo, é possível comprar kits de resina moldável e bolinhas fixadoras para tentar "substituir temporariamente" espaços vagos na boca.

Mas a falsa sensação de melhoria estética pode se transformar, rapidamente, em pesadelo e graves riscos à saúde bucal. Além de punição com a prisão a quem for identificado vendendo esses produtos odontológicos pirateados, sem qualquer autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O Conselho Federal de Odontologia (CFO) vem alertando com frequência para os perigos da aquisição de materiais adquiridos na internet e que são manuseados pelos próprios clientes, ampliando ainda mais os problemas, como alergias, infecções e até a perda de outros dentes.

"Esses produtos representam um risco para os pacientes, já que não sabemos exatamente qual a composição desse material. Além disso, a instalação caseira, fora do ambiente adequado e sem as técnicas corretas da odontologia, pode representar danos para os dentes e a saúde bucal de forma geral", alertou o presidente do CFO, Claudio Miyake.

Desde o início do ano, o Conselho percebeu o crescimento da venda on-line de resinas ou "massas de restauração"; kits de lente dental, anunciados como "snap on"; e clareadores dentais. Ao mesmo tempo, o número de denúncias de irregularidades e efeitos contrários se multiplicou. 

"Também percebemos o aumento da venda virtual de aparelhos ortodônticos. Muitos deles têm chumbo na composição, causando contaminação a quem usa. Trata-se de uma situação grave e que precisa ser combatida para evitar danos maiores", afirmou Eduardo Vasconcelos, presidente do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE). 

"Além disso, há muita gente comprando facetas, que são uma espécie de dentes prontos para colar e melhorar a aparência. Mas, a curto prazo, os clientes vão adquirir infecções e perder os dentes originais. Infelizmente, muitas vezes as pessoas não botam a saúde como prioridade", complementou. 

VENDA DE PRODUTOS ODONTOLÓGICOS FALSOS É CRIME

O delegado Hilton Lira, da Polícia Civil de Pernambuco, reforçou que a venda de produtos odontológicos falsos na internet é crime. E que quem adquire precisa ficar atento. 

"A internet é terra de ninguém. Com frequência é possível encontrar anúncios de produtos cosméticos em redes sociais como Instagram e TikTok porque essas propagandas são impulsionadas para chegar ao maior número de pessoas. Elas prometem vantagens grandes, com preços bem abaixo do mercado, atraindo mais clientes", pontuou Lira, que é titular da Delegacia de Crimes contra o Consumidor. 

REPRODUÇÃO/SHOPEE
Preços de produtos, bem abaixo do preço, chamam a atenção e atraem consumidores - REPRODUÇÃO/SHOPEE

Segundo ele, os responsáveis pela venda ilegal desses materiais odontológicos podem responder pelos crimes contra a relação de consumo, com pena de até cinco anos de prisão, e contra a saúde pública - todos previstos no Código Penal Brasileiro. 

"A venda de clareadores para os dentes é muito comum em plataformas digitais. Mas é preciso ter o registro da Anvisa. Sem o selo, a comercialização é proibida", exemplificou.  

O delegado destacou que o consumidor precisa redobrar os cuidado na hora de adquirir produtos on-line, sobretudo quando são relacionados à saúde. Uma das orientações é identificar, na internet, as lojas oficiais, evitando golpes. 

"Aos clientes, recomendamos que observem se o endereço do site tem o final 'com.br'. Outra dica valiosa é conferir no site do 'Reclame Aqui' se há denúncias de outros consumidores relacionadas às lojas pesquisadas. E o mais importante: fuja de vendas impulsionadas. Se perceber que há uma suposta vantagem grande, como valor muito baixo, tem que desconfiar", recomendou Hilton Lira. 

Denúncias à delegacia especializada podem ser feitas pelos números: (81) 3184.3837 ou 9.9488.7354 (WhatsApp). 

FALSOS DENTISTAS PRESOS APÓS FLAGRANTE

O problema não se restringe à internet. A ação de falsos profissionais da odontologia é uma preocupação constante de conselhos de todo o País, por isso as fiscalizações têm se intensificado para identificar e punir quem comete esse tipo de crime.

Em 7 de maio deste ano, dois homens que se passavam por dentistas foram presos em flagrante numa clínica localizada no Centro de Nilópolis, na Baixada Fluminense (RJ). Segundo a polícia, a dupla divulgava serviços nas redes sociais, com promoções para a colocação de lentes e facetas dentárias.

Com o engajamento conquistado e a promessa de sorrisos, os criminosos aumentaram o número de atendimentos e lucro fácil. Mas logo os pacientes começaram a apresentar fortes infecções na boca e até perda de dentes, gerando denúncias. 

A Polícia Civil descobriu que a dupla usava anestésicos e medicamentos fora do prazo de validade - alguns, inclusive, não tinham autorização da Anvisa. O Conselho Regional de Odontologia do Rio de Janeiro acompanhou a fiscalização e prisão dos dois homens. 

Em Pernambuco, o CRO-PE ampliou as fiscalizações em consultórios e clínicas na tentativa de identificar pessoas que estão exercendo ilegalmente a profissão da odontologia. Somente no ano passado, 15 foram flagrados. Denúncias podem ser feitas pelo site: cro-pe.org.br (anonimato garantido).

PROFISSIONAIS QUE INCENTIVAM USO DE PRODUTOS FALSOS PODE SER PUNIDOS

Eduardo Vasconcelos, presidente do CRO-PE, fez um outro alerta. Há falsos profissionais que oferecem tratamentos pela internet de forma irregular, o que também é crime pelo exercício ilegal da odontologia. A pena pode chegar a dois anos de detenção, além de multa arbitrada pela Justiça. 

O responsável ainda pode responder criminalmente por falsidade ideológica, se usar documentos falsos para se apresentar como profissional habilitado. Neste caso, a pena é de até cinco anos de prisão e aplicação de multa.

O assunto foi tratado em reunião com a chefia da Polícia Civil de Pernambuco em fevereiro deste ano. O Conselho e comprometeu a reunir e encaminhar denúncias às delegacias, permitindo que a polícia inicie investigações, podendo os responsáveis ter as páginas fraudulentas removidas da internet.

Outra situação também preocupa o CRO-PE, conforme pontuado por Vasconcelos. É justamente a ação de profissionais, como cirurgiões-dentistas, que ensina, na internet, pessoas a aplicarem nos próprios dentes produtos que só deveriam ser manuseados por quem tem formação adequada.

"O cirurgião-dentista não pode ensinar, nem estimular o uso desses produtos adquiridos sem qualquer registro da Anisa. Trata-se de crime contra a saúde pública. Além disso, o responsável pratica uma infração ética, que pode até resultar na cassação profissional", ressaltou o presidente do CRO-PE. 

DIVULGAÇÃO
Presidente do CRO-PE, Eduardo Vasconcelos reforça que uso de produtos pirateados causa danos graves à saúde bucal, como inflamações e perdas de dentes - DIVULGAÇÃO

PARCERIA COM PLATAFORMAS PARA DENÚNCIAS

Em meio ao aumento do uso de resinas dentárias falsas compradas na internet, o Conselho Federal de Odontologia firmou parceria com as plataformas de e-commerce Shopee e Mercado Livre para receber denúncias e excluir anúncios que põem em risco a saúde da população.  

Os relatos devem ser encaminhados à Ouvidoria do CFO pelo e-mail ouvidoria@cfo.org.br, contendo o link da venda. As mensagens passam por processo de triagem e, posteriormente, são encaminhadas às plataformas para as providências cabíveis. 

A assessoria do CFO informou que não conta com balanço do número de denúncias já recebidas. 

O entendimento com as empresas ocorreu após o CFO encaminhar ofícios às principais plataformas de e-commerce em funcionamento no Brasil, com sedes no País ou no exterior, solicitando que retirem do ar anúncios de mercadorias irregulares por não possuírem registros junto aos órgãos de vigilância sanitária.

Eduardo Vasconcelos pontuou que denúncias semelhantes que chegam ao CRO-PE também estão sendo encaminhadas à Ouvidoria do CFO para garantir agilidade na retirada dos anúncios irregulares. "Ainda há muitos relatos chegando, por isso a importância de reforçar o problema à população."

Compartilhe