SISTEMA PRISIONAL | Notícia

Tempo de leitura e trabalho: como ex-gestores alteravam dados para reduzir pena de presos no Presídio de Igarassu

Investigação da Polícia Federal indica que esquema de corrupção na unidade também beneficiou ilegalmente detentos com a diminuição no tempo de prisão

Por Raphael Guerra Publicado em 10/04/2025 às 10:00 | Atualizado em 10/04/2025 às 10:26

A investigação da Polícia Federal sobre o esquema de corrupção no Presídio de Igarassu, localizado no Grande Recife, indicou que os presos não eram beneficiados apenas com festas, drogas, bebidas e garotas de programa. Ex-gestores também teriam fraudado documentos para garantir que alguns detentos conseguissem a progressão de regime, ou seja, passassem menos tempo atrás das grades.

Mensagens de WhatsApp descobertas em celulares apreendidos após a prisão de sete policiais penais e do ex-diretor Charles Belarmino de Queiroz, na primeira fase da operação La Catedral, em 25 de fevereiro deste ano, foram fundamentais para trazer à tona essa nova linha de investigação, que pode ampliar o rol de investigados no esquema. 

Segundo os investigadores ouvidos em reserva pela coluna Segurança, ex-gestores alteravam documentos para indicar que determinados presos haviam lido muitos livros e que haviam trabalhado por um período extenso para que eles tivessem direito à remissão de pena, como determina a Lei de Execuções Penais. Dessa forma, detentos que estavam em regime fechado conseguiam progredir para o semiaberto. 

Pela lei, cada livro lido resulta na redução de quatro dias de pena para o preso. O limite por ano é de 12 obras, ou seja, 48 dias a menos na pena. Já em relação à remição pelo trabalho, a lei prevê um dia a menos de pena para cada três dias de atividades. As reduções valem tanto para quem está no regime fechado quanto no semiaberto. 

Há ainda a possiblidade de redução nos casos de condenados que frequentam aulas. A remissão é de um dia de pena a cada 12 horas de atividades, incluindo cursos profissionalizantes. 

Para a Polícia Federal, o policial penal André de Araújo Albuquerque, ex-secretário executivo da Administração Penitenciária e Ressocialização de Pernambuco, fez parte desse esquema e recebia parte da propina paga pelos presos. O ex-gestor, exonerado em dezembro do ano passado, foi preso na última terça-feira (8) na segunda fase da operação La Catedral. 

Assim como os outros policiais penais presos na primeira fase, ele está isolado no Complexo Prisional de Itaquitinga, na Mata Norte do Estado. A defesa não foi encontrada para comentar o caso. 

PRESO BENEFICIADO FOI RECAPTURADO

Dias antes, sem divulgação à imprensa, a Polícia Federal recapturou um ex-presidiário do Presídio de Igarassu que atuava como chaveiro, ditando ordens em um dos pavilhões da unidade. A investigação indicou que ele havia recebido o benefício do regime semiaberto de forma irregular. Depois disso, conseguiu cortar a tornozeleira eletrônica e fugir. Ele foi encontrado no município de Patos, na Paraíba. 

A quantidade de detentos beneficiados irregularmente com a progressão de regime ainda está sendo apurada e deve gerar processos internos para aplicação de punições aos envolvidos.

Investigadores acreditam que presos de outras unidades do sistema prisional pernambucano também podem ter sido recebido a progressão indevidamente. Analistas de todo o País estão sendo convocados para ajudar na apuração de materiais apreendidos nas duas fases da operação, que deve ter novos desdobramentos em breve. 

"A Operação La Catedral segue em andamento, com ações coordenadas para o completo desmantelamento das estruturas criminosas identificadas no âmbito do sistema penitenciário estadual", disse, em nota, a Polícia Federal. A coordenação do inquérito está em Brasília. 

TJPE AINDA NÃO FOI NOTIFICADO SOBRE FRAUDE EM PROCESSOS

A coluna procurou o Tribunal de Justiça de Pernambuco para saber se, diante das novas provas, processos de detentos do Presídio de Igarassu passariam por reavaliação. 

Em nota, a assessoria informou que, até o momento, a A 1ª Vara Regional de Execução Penal da Capital de Pernambuco "não foi comunicada oficialmente sobre a referida investigação".

Em nota à imprensa no começo da semana, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização declarou que "não compactua com quaisquer atos ilícitos dentro do sistema prisional de Pernambuco, nem com desvios de conduta por parte de seus servidores".