"Caiu minha ficha. Eu queria viver", diz bombeira que passou por cirurgia bariátrica
Procedimento consiste em técnicas cirúrgicas destinadas ao tratamento da obesidade grave e das doenças metabólicas associadas, explica cirurgião

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Dificuldade para amarrar o cadarço, precisar de ajuda para subir escadas, dores no joelho, incômodo ao dividir assento no ônibus e dificuldade para encontrar roupas. Essas eram apenas algumas das queixas da bombeira Melissa Santana, de 29 anos, antes de fazer a cirurgia bariátrica, em 2021.
Na época, Melissa pesava cerca de 120 kg aos 26 anos e tinha IMC (índice de massa corporal)
45, o que a classificava como pessoa com obesidade. Além disso, ela também tinha apnéia do sono (distúrbio que causa repetidas paragens respiratórias durante o sono), estava pré-diabética e com gordura no fígado e cirrose hepática.
A obesidade é uma das doenças mais prevalentes no Brasil. De acordo com dados do SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional), do Ministério da Saúde, cerca de 34,66% da população brasileira estão em algum nível de obesidade.
"Minha família tem a genética de obesidade. Inclusive, minha mãe fez cirurgia bariátrica há 12 anos. Então eu sempre tentei emagrecer. Fiz dieta, academia, reeducação alimentar, mas não era o suficiente. Na época da pandemia de covid, quando cheguei aos 25 anos, tive um aumento de peso muito grande e também da compulsão alimentar", conta Melissa.
O estopim para a decisão de realizar a cirurgia bariátrica veio justamente nesse período, quando Melissa passou por um quadro de embolia pulmonar e trombose na perna esquerda. Não havia histórico de trombose na família, o problema estava relacionado com a obesidade.
"Caiu minha ficha de que eu precisava de ajuda para emagrecer. Todos os médicos que chegavam para conversar comigo falavam sobre a obesidade, que essa comorbidade poderia ter sido também uma das causas da trombose. E como eu tinha 25 anos, eu queria viver", relata.
Ao sair da UTI (Unidade de Tratamento Intensiva), Melissa buscou um cirurgião bariátrico, realizou os exames e iniciou os preparativos para a cirurgia, que veio a ser realizada apenas no ano seguinte. "Eu acompanhei o processo da minha mãe. Então eu sabia que não era algo fácil e foi algo muito conversado. Eu precisei realmente entender pelo que o meu corpo passaria. Eu iria depender muito de mim, fazer o uso dessa ferramenta, mas saber que a bariátrica sozinha ela não iria fazer milagre", destaca.
Melissa precisaria perder 6 kg para realizar o procedimento, mas com a ansiedade do processo chegou a engordar 3 kg. Após ser questionada pelo médico sobre o ganho de peso, focou no processo e perdeu 8 kg. "Foi bem difícil porque eu estava ansiosa e tinha um processo complexo de perda de peso para poder operar."
Após a cirurgia, Melissa teve de adaptar sua alimentação: um mês de dieta líquida e pastosa. "No início foi bem difícil porque eu senti muita falta da mastigação. Passei 15 dias só tomando líquido, caldos, sucos. Lembro que no início eu chegava até sonhar comendo", relata.
Comidas como frutos do mar e sushi foram liberadas meses depois. "Tinha uma liberação a cada período. Era como se eu avançasse cada fase. No início, foi difícil no início para comer devagar também, reaprender a mastigar, porque tem a questão do entalo. É preciso saber o seu limite e entender o que é fome e o que é vontade de comer", conta.
Melissa também relata mudanças nos seus hábitos alimentares após a bariátrica. "Eu consigo comer coisas que eu não comia antes, por exemplo, sopa. Virei uma fã de sopa, não sei se foi por causa da dieta. E tem alimentos que eu comia muito antes e hoje em dia raramente, como frituras. Antigamente eu comia muito pão e refeições, e hoje eu prefiro uma comida raiz, como macaxeira. A bariátrica me fez querer comer comida de verdade e a priorizar me sentir saciada."
Um mês após a bariátrica, Melissa foi liberada para realizar atividade física. "O cirurgião pedia para focar na musculação por conta do ganho de massa magra e para combater a flacidez. Foi uma das coisas que me fez correr para academia logo. Antes, eu não tinha tanto contato com musculação. Graças a Deus, consegui uma constância muito boa e justamente por ver os resultados me dediquei ainda mais."
"E isso, aliado aos meus estudos, me rendeu a aprovação no concurso dos bombeiros. Eu já estava muito bem preparada para o teste físico por conta desse processo da do pós-bariátrica", ressalta.
Atualmente, aos 29 anos, Melissa trabalha como bombeira no Recife, participa de corridas de rua - com os joelhos restaurados - e afirma que a cirurgia bariátrica foi uma das decisões mais acertadas da sua vida.
"Hoje em dia eu corro sem sentir dor, consigo subir escadas e escolher roupas sem dificuldade", destaca a bombeira.
Como funciona a cirurgia bariátrica?
Diferentemente do que muitas pessoas acreditam, a cirurgia bariátrica metabólica não consiste em apenas reduzir o tamanho do estômago, mas sim em modificar o sistema digestivo para o tratamento da obesidade grave e das doenças metabólicas associadas.
“O objetivo não é apenas reduzir o peso corporal de forma sustentada, mas também melhorar condições como diabetes tipo 2, hipertensão arterial e apneia do sono, por meio da restrição alimentar, da modificação da absorção intestinal e da regulação de mecanismos hormonais”, explica o cirurgião do aparelho digestivo Flávio Kreimer.
Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) mostra que, entre 2020 e 2024, foram realizadas 291.731 cirurgias bariátricas no Brasil. Dessas cirurgias, 260.380 foram através dos planos de saúde, segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS); e 31.351 procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No sistema particular, o número de cirurgias foi de cerca de 10 mil.
De acordo com as diretrizes internacionais e o Conselho Federal de Medicina (CFM), a cirurgia bariátrica é indicada para indivíduos com:
- IMC maior ou igual a 40 kg/m², independentemente de comorbidades;
- IMC maior ou igual a 35 kg/m² associado a doenças relacionadas à obesidade (diabetes, hipertensão, apneia do sono, dislipidemia, esteato-hepatite, entre outras);
- IMC entre 30 e 34,9 kg/m², em casos especiais, quando há doenças metabólicas graves, como diabetes de difícil controle, hipertensão arterial resistente ou doença hepática com fibrose.
Em maio, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reavaliou os critérios de pacientes para a realização da cirurgia bariátrica, um dos tratamentos para a obesidade e doenças relacionadas. Entre as alterações está a permissão para que os pacientes obesos a partir de 14 anos possam ser submetidos ao procedimento - desde que apresentem obesidade grave (IMC acima de 40) associada a complicações de saúde e que o caso seja avaliado por uma equipe multidisciplinar.
Outra mudança foi a inclusão de pacientes com IMC igual ou superior a 30. “A Resolução CFM nº 2.378/2024 representou um avanço ao reconhecer a cirurgia metabólica em pacientes com IMC 30 kg/m² quando associada a doenças graves como o diabetes. Essa mudança ampliou o acesso ao tratamento e consolidou a cirurgia como ferramenta terapêutica não apenas contra a obesidade grave, mas também contra doenças metabólicas”, comenta Flávio.
O cirurgião afirma que a cirurgia não é indicada em pacientes com transtornos psiquiátricos descompensados, dependência química ativa, falta de adesão ao acompanhamento médico ou ausência de compreensão dos riscos envolvidos. “A idade mínima recomendada é de 16 anos, em casos selecionados, e não há limite máximo rígido, desde que o risco cirúrgico seja considerado aceitável. Em casos específicos, podem ser operados pacientes a partir dos 14 anos”, acrescenta.
Entre as comorbidades que influenciam a decisão estão doenças como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia e apneia obstrutiva do sono. "Esses pacientes apresentam risco cardiovascular elevado, e a cirurgia tem impacto comprovado na melhora ou até mesmo na remissão dessas condições", complementa Flávio.
O especialista ressalta que a escolha da técnica utilizada no procedimento é individualizada, considerando o perfil clínico, metabólico e nutricional do paciente. As opções de técnica são:
- Bypass gástrico em Y de Roux: combina restrição gástrica e desvio intestinal, com forte efeito metabólico;
- Gastrectomia vertical (sleeve): transforma o estômago em tubo, com efeito restritivo e hormonal;
- Técnicas combinadas: como o sleeve com bipartição do trânsito intestinal (SADI-S) e o bypass gástrico de anastomose única (OAGB), que apresentam maior impacto metabólico e são reservadas para casos específicos.
“A cirurgia bariátrica metabólica é atualmente o tratamento mais eficaz para obesidade grave e doenças associadas. Além da perda de peso sustentada, promove melhora significativa da qualidade de vida, redução da mortalidade e deve sempre estar integrada a um programa global, multidisciplinar e de longo prazo”, finaliza o especialista.