"Envelhecer é bom": Alexandre Kalache emociona plateia ao falar da revolução da longevidade

Aos 80 anos, médico gerontólogo sublinha que a medicina precisa trocar o curar pelo cuidar para enfrentar revolução demográfica que transforma o mundo

Por Cinthya Leite Publicado em 25/08/2025 às 15:11 | Atualizado em 25/08/2025 às 17:44

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SÃO PAULO - "Envelhecer é bom, envelhecer é uma conquista social." Essa foi apenas uma das frases que o médico gerontólogo e epidemiologista Alexandre Kalache lançou, durante o Afya Summit, em São Paulo, no último sábado (23), como um convite à reflexão sobre a revolução da longevidade.

Presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil, codiretor do Age Friendly Institute, nos Estados Unidos e membro honorário da Academia Nacional de Medicina, Alexandre Kalache completa cinco décadas de estudos sobre longevidade e envelhecimento neste ano de 2025. 

Referência mundial no tema, o médico gerontólogo emocionou a plateia ao defender que o maior desafio do século 21 não é apenas viver mais, mas viver melhor.

A cada reflexão que ele trouxe sobre a revolução demográfica em curso e sobre a urgência de transformar a medicina do "curar" em medicina do "cuidar", a admiração da plateia se intensificava ao assistir a uma aula inspiradora.

Ao encerrar, foi ovacionado: a plateia inteira se levantou para aplaudi-lo de pé. Confira os destaques da palestra

O passado ilumina o presente

"Para entender o futuro, precisamos revisitar o passado", disse Alexandre Kalache. Ao lembrar sua formatura em 1970, destacou que apenas 8% dos estudantes de medicina eram mulheres. Hoje, a maioria dos graduados é do sexo feminino, uma transformação que não é apenas numérica, mas também cultural, capaz de trazer novas formas de olhar o mundo e a prática médica.

O século da ansiedade

Vivemos em uma era marcada pela ansiedade. "Somos pressionados por um fluxo constante de novidades, pela tecnologia e pela inovação", disse. Esse ritmo acelerado gera angústia, sensação de insuficiência e compromete a forma como profissionais de saúde lidam com suas próprias vidas e com seus pacientes.

Curar x Cuidar

Apesar das mudanças no mundo, a medicina ainda é estruturada em torno do ato de curar, não de cuidar. Apenas 10% das escolas médicas têm geriatria em seu currículo. "No meu tempo de estudante, sequer se falava nisso. Só ouvi o termo quando já estava na pós-graduação."

Essa lacuna, segundo Kalache, revela a dificuldade do País em preparar médicos para lidar com a maior transformação demográfica da história: o envelhecimento da população.

A revolução da longevidade

"Envelhecer é bom, é uma conquista social." Em 1900, a Alemanha tinha expectativa de vida de 46 anos: a mesma do Brasil em 1945, ano em que Kalache nasceu. Hoje, o País já ultrapassa os 78 anos, e a tendência é de crescimento.

O desafio, porém, não é viver mais, mas viver melhor. "Tudo muda com a idade: a anatomia, a fisiologia, a farmacologia, a forma de adoecer. Se não aprendemos isso, não nos preparamos para cuidar."

Um Brasil que envelhece rápido

Ao contrário dos países ricos, que primeiramente enriqueceram e depois envelheceram, o Brasil envelhece ainda em meio à pobreza e à desigualdade. Entre 2011 e 2030, a proporção de pessoas com mais de 60 anos dobrará, chegando a 20% da população. Em 2050, serão 31%.

"Fazemos em uma geração o que a França levou oito ou nove para completar. É uma revolução acelerada. E vocês, jovens médicos, estarão no centro dela."

Longevidade e solidariedade

O futuro precisa unir duas palavras: longevidade e solidariedade. Assim, Kalache destacou que cidades mais amigáveis ao idoso beneficiam toda a sociedade: grávidas, crianças, pessoas com deficiência, adultos em geral. O cuidado, disse, deve ser incorporado como valor central da prática médica, não apenas aplicado a pacientes, mas também aos próprios profissionais.

"Se querem envelhecer bem, comecem cedo. O capital mais precioso é a saúde, e ela se constrói no dia a dia: na forma como moramos, trabalhamos, nos divertimos, nos relacionamos e amamos."

Esperançar, não esperar

Apesar das dificuldades, Kalache encerrou sua fala com otimismo. Citando Paulo Freire, lembrou que não se trata de esperar passivamente, mas de esperançar, de agir para transformar a realidade.

E concluiu com um trecho de poema atribuído à poetisa e contista brasileira Cora Coralina (1889-1985). "Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocamos o coração das pessoas. É isso que dá sentido à vida, e não a extensão dos anos, mas a intensidade, a verdade e a capacidade de tocar o outro", finalizou Kalache - que, entre aplausos de pé, convocou médicos a construir um futuro em que longevidade possa caminhar junto da solidariedade.

*A jornalista acompanhou o evento a convite da Afya.

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