A doença de 40 mil brasileiros: diagnóstico precoce e avanços no tratamento abrem esperança para esclerose múltipla

No Hospital da Restauração, equipe multiprofissional alia ciência e empatia no cuidado da esclerose múltipla, que afeta cérebro e medula espinhal

Por Cinthya Leite Publicado em 24/08/2025 às 18:44 | Atualizado em 24/08/2025 às 19:12

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Doença neurológica crônica e autoimune do sistema nervoso central, sem cura, mas com tratamentos que melhoram significativamente a qualidade de vida. Estamos falando da esclerose múltipla, que afeta especialmente mulheres jovens entre 20 e 40 anos. Elas representam 85% dos casos.

"Embora as causas ainda sejam desconhecidas, a esclerose múltipla tem sido foco de muitos estudos no mundo todo, o que tem possibilitado uma constante e significativa evolução na qualidade de vida dos pacientes", explica a médica neurologista Lis Campos Ferreira, secretária do Departamento Científico de Neuroimunologia (DCNI) da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). 

Neste mês marcado pelo Agosto Laranja, neurologistas se mobilizam na realização de atividades para aumentar a conscientização sobre o impacto da doença, a importância da inclusão e do apoio aos pacientes. O Dia Nacional da Esclerose Múltipla é lembrado no próximo sábado (30/8). 

Segundo o Departamento Científico de Neuroimunologia da ABN, cerca de 40 mil pessoas vivem com esclerose múltipla no Brasil. 

No Recife, ações têm sido realizadas neste mês para informar a população, pacientes e famílias sobre os desafios, avanços no tratamento e a importância do diagnóstico precoce dessa condição neurológica. Entre eles, a Corrida e Caminhada "EM Movimento", realizada no dia 16 de agosto pela equipe de neurologia do Hospital da Restauração (HR), localizado no Derby, área central da cidade.

Além disso, no último sábado (23), um simpósio multiprofissional reuniu especialistas para debater avanços no tratamento e estratégias de assistência aos pacientes. 

JC PLAY
"Estamos em constante aprimoramento, desenvolvendo nosso trabalho para melhorar cada vez mais o serviço e a assistência aos nossos pacientes", destaca neurologista Marcílio Oliveira Filho, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital da Restauração - JC PLAY

O Hospital da Restauração se consolidou como referência estadual no acompanhamento especializado, fruto do trabalho pioneiro da neurologista Lúcia Brito, que estruturou um modelo de atendimento multiprofissional voltado a pacientes com a doença. 

"O nosso serviço foi um dos primeiros no Brasil a oferecer um tratamento estruturado para a esclerose múltipla. O pioneirismo de Lúcia Brito foi fundamental para que hoje possamos oferecer um atendimento completo e de qualidade. Nos últimos anos o Hospital da Restauração equipou seu parque tecnológico e o pós-reforma trará melhores condições para cuidar dos nossos pacientes", destaca o neurologista Marcílio Oliveira Filho, do Real Hospital Português e chefe do Serviço de Neurologia do Hospital da Restauração.

"Estamos em constante aprimoramento, desenvolvendo nosso trabalho para melhorar cada vez mais o serviço e a assistência aos nossos pacientes."

A instituição conta com neurologistas especializados e equipe multiprofissional para garantir suporte desde o diagnóstico até o manejo contínuo da doença. Esse modelo reforça a importância de unir conscientização, ciência e políticas de saúde para ampliar o acesso e melhorar a qualidade de vida das pessoas com esclerose múltipla. 

Atividade física: aliada na qualidade de vida dos pacientes com esclerose múltipla 

Cada vez mais, estudos clínicos apontam que a atividade física regular desempenha papel essencial no cuidado com a esclerose múltipla. Exercícios aeróbicos, de resistência e alongamento têm mostrado benefícios na redução da fadiga, melhora do equilíbrio, força muscular e mobilidade, além de impactos positivos na saúde mental, como diminuição da ansiedade e da depressão.

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Neurologista Lúcia Brito (à esq.), que estruturou modelo de atendimento a pacientes com EM, participou de corrida de rua para conscientizar sobre a importância do exercício físico no controle da doença - DIVULGAÇÃO

A prática de exercícios, quando adaptada às condições e limitações de cada paciente, também favorece a neuroplasticidade (capacidade do cérebro de se modificar e se adaptar ao longo da vida) e pode contribuir para a manutenção da função cognitiva.

Por isso, a recomendação atual das sociedades médicas é de que pessoas com esclerose múltipla, dentro de suas possibilidades, sigam um programa regular de atividade física supervisionada.

"O exercício físico é um recurso terapêutico complementar que melhora sintomas e promove qualidade de vida. É fundamental que seja incorporado ao plano de cuidado do paciente, sem deixar de respeitar as orientações médicas e fisioterapêuticas", reforça a neurologista Vanessa Fragoso, do Hospital da Restauração e Real Hospital Português. 

Sintomas "invisíveis"

A esclerose múltipla tem risco de sequelas irreversíveis, muitas vezes por demorar a ser diagnosticada. "Os primeiros sintomas podem passar despercebidos, e a doença pode avançar por anos com sintomas sensitivos, problemas visuais, condições motoras, cognitivas e mentais que aparecem e desaparecem ao longo do tempo", explica o médico Henry Sato, chefe do setor de Neuroimunologia do Instituto de Neurologia e Cardiologia de Curitiba. 

Por isso, o tempo médio até o diagnóstico pode variar. "Em muitos casos, pode levar anos, devido à natureza variada e inespecífica dos sintomas iniciais, que muitas vezes são confundidos com outras condições", acrescenta Henry Sato. 

Os sintomas da esclerose múltipla são muitas vezes imprevisíveis e "invisíveis", como fadiga, dor, fraqueza, dormência, visão turva e alterações cognitivas, que impactam diretamente a vida profissional e social.

Manifestações comuns da esclerose múltipla: 

  • Fadiga intensa: Cansaço momentaneamente incapacitante
  • Transtornos visuais: Visão embaçada, visão dupla
  • Problemas de equilíbrio e coordenação: Perda de equilíbrio, tremores, vertigem
  • Fraqueza muscular e dificuldade para caminhar
  • Dormência em braços ou pernas
  • Espasticidade: Rigidez muscular
  • Transtornos cognitivos e emocionais: Esquecimentos e alterações de humor
  • Dificuldade no controle da urina

Tratamento no SUS da esclerose múltipla

No Brasil, o acesso a tratamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tem evoluído. "A última atualização foi em 2024, com a incorporação da cladribina, terapia de reconstituição imune oral", explica a neurologista Ana Claudia Piccolo, coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia (DCNI) da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

É fundamental ressaltar que a esclerose múltipla demanda acompanhamento médico e multidisciplinar contínuo, além do apoio emocional da família e de amigos, para que os pacientes possam enfrentar os desafios do diagnóstico e seguir em frente.

Tratamento em primeira linha e seus benefícios

Um estudo apresentado em abril, durante o Congresso Anual 2024 da Academia Americana de Neurologia, evidenciou dados clínicos preliminares da medicação ofatumumabe a longo prazo e destacou o uso em primeira linha. Ou seja, eram pacientes recém-diagnosticados (até três anos após o diagnóstico inicial) com formas recorrentes de esclerose múltipla e que nunca haviam recebido nenhum tratamento, em comparação com pacientes previamente tratados com outros medicamentos e que mudaram para ofatumumabe. 

O estudo analisou diversos parâmetros para verificar os benefícios a longo prazo de ofatumumabe em primeira linha comparado com início tardio, acompanhados por até seis anos.

O grupo que iniciou o tratamento com ofatumumabe, logo após o diagnóstico, teve 44% menos recaídas agudas na comparação com o grupo de início tardio do medicamento, além de redução de 96,4% de
lesões no cérebro e na medula espinhal nos protocolos de ressonância magnética em
comparação ao grupo de início tardio.

Também nesse acompanhamento, houve uma redução de 24,5% da piora da incapacidade confirmada em três meses, ao considerar uma escala que avalia principalmente a capacidade de locomoção/progressão da doença, que também reduziu a chance do mesmo desfecho em 21,6% quando mensurado em seis
meses, comparado ao grupo de início tardio. 

Vitamina D na esclerose múltipla: funciona?

Nos últimos anos, a vitamina D tem sido alvo de estudos em razão de sua possível ação imunomoduladora (capacidade de modificar ou regular o sistema imunológico, sem necessariamente destruí-lo ou suprimi-lo completamente) na esclerose múltipla.

Pesquisas observacionais indicam que níveis baixos de vitamina D podem estar associados a maior risco de surtos e progressão da incapacidade. Além disso, dados epidemiológicos sugerem que a menor exposição solar em algumas regiões está ligada a maior prevalência da doença.

Contudo, não há consenso definitivo sobre a dose ideal de suplementação, nem evidências de que a vitamina D, isoladamente, seja capaz de modificar o curso clínico da esclerose múltipla.

"O ponto central não é a vitamina D em si, mas a condução adequada do paciente dentro de um plano terapêutico individualizado. A suplementação pode ser útil em casos de deficiência comprovada, mas deve sempre ser prescrita e monitorada por um especialista, sem deixar de considerar riscos potenciais de toxicidade por hipercalcemia (excesso de cálcio no sangue) em uso indiscriminado", explica o neurologista Marcílio Oliveira Filho.

Assim, a vitamina D deve ser considerada como aliada ao tratamento, mas nunca substitutiva das terapias modificadoras da doença, que permanecem essencial.

Mercado de trabalho

Pesquisas apontam que 40% dos pacientes estão fora do mercado de trabalho, com uma média de 128 dias de afastamento por ano.

O tratamento da esclerose múltipla busca reduzir a atividade inflamatória e a frequência dos surtos, o que diminui o acúmulo de incapacidades ao longo da vida.

A neurologista Livia Dutra, vice-coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia (DCNI) da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), reforça a importância da empatia no ambiente de trabalho e social. "Pausas, flexibilidade de horário e empatia transformam a jornada de quem convive com a doença."

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