Risco de desmonte da UTI pediátrica do Correia Picanço ameaça atendimento a crianças com meningite; governo de Pernambuco segue em silêncio
É preocupante: a Secretaria de Saúde de Pernambuco silencia. O JC tentou vários contatos nas últimas de 24 horas, mas nenhuma resposta foi enviada

A unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica do Hospital Correia Picanço, no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife, está sob ameaça de fechamento, segundo denúncias feitas por profissionais de saúde do próprio hospital. O serviço é referência estadual no tratamento de meningites e outras doenças infectocontagiosas.
A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) permanece em silêncio: há mais de 24 horas, o JC tentou vários contatos com o órgão, que não deu resposta até o momento sobre essa grave situação.
Em carta pública direcionada às autoridades estaduais e à direção do hospital, a equipe multiprofissional da unidade manifesta "profunda preocupação com rumores de desmonte ou fechamento do serviço" e alerta para os riscos à saúde pública que a medida pode acarretar.
Realocação e aumento de leitos: solução ou risco calculado?
De acordo com depoimentos de profissionais da equipe multiprofissional da UTI pediátrica e pediatria do Hospital Correia Picanço, a proposta do governo seria transferir o grupo para outro hospital, onde o número de leitos seria ampliado de 5 para 10, sob o argumento de enfrentar o aumento de casos respiratórios entre crianças.
Vem a questão: esse plano do governo seria realmente uma solução, ou é uma decisão tomada com base em números e gestão de leitos, sem considerar as vidas em risco e a complexidade do serviço que seria desfeito?
"Dizem que somos uma equipe 'boa demais' para atender só cinco leitos. Mas esses cinco leitos existem porque a gravidade dos casos exige uma dedicação extrema. A UTI não foi projetada para quantidade, mas para qualidade e especificidade. Estamos falando de meningite, não de uma gripe comum", alerta o enfermeiro da UTI do Correia Picanço Victor Cabral.
"Entendemos a questão da sazonalidade (das doenças respiratórias), inclusive a nossa UTI se adaptou e passou a atender também casos de síndrome respiratória aguda grave (srag). Não demos as costas para a situação do Estado. Entretanto, quando o governo propõe fechar a nossa UTI, ele dá as costas para um para um paciente que é grave", lamenta.
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Atualmente, quatro dos cinco leitos estão ocupados com casos de srag. "Mantemos sempre um de retaguarda para as meningites."
Além disso, Victor Cabral informa que duas pacientes que estavam na UTI com diagnóstico de encefalite foram para a enfermaria do próprio Correia Picanço. "Conseguimos reverter a situação delas e dar alta para a enfermaria nesta semana. Mas, caso agravem, a equipe da UTI fica a postos e monitorando a situação."
O enfermeiro acrescenta que "a UTI também funciona como a sala vermelha pediátrica do hospital. Ou seja, se chega uma criança para coleta de LCR (líquido cefalorraquidiano), e ela agrava na triagem, é transferida imediatamente para o leito de terapia intensiva".
A proposta de possível desmonte ou fechamento do serviço de UTI Pediátrica do Hospital
Correia Picanço, segundo os profissionais, não passou por discussão com a equipe técnica nem levou em consideração a complexidade da operação da UTI atual. Eles alertam que a realocação pode colocar em risco crianças de todo o Estado, inclusive do Sertão, que dependem da unidade para tratamento imediato.
"Um retrocesso e uma tragédia"
A UTI, inaugurada em 2010 com cinco leitos de isolamento com pressão negativa (planejada para lidar exclusivamente com doenças infectocontagiosas graves, especialmente meningites bacterianas e virais), é considerada a única estrutura pública do Estado com essa especialidade.
Na carta, a equipe do hospital ressalta que "o fechamento do serviço de UTI pediátrica/pediatria do Hospital Correia Picanço seria um retrocesso e uma tragédia para a saúde das crianças de Pernambuco. Não podemos permitir que uma geração inteira fique desassistida".
O documento também alerta para os seguintes riscos com o encerramento da unidade:
- Falta de atendimento especializado e aumento da mortalidade entre crianças com meningite;
- Sobrecarga de hospitais como Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e Barão de Lucena, que não possuem estrutura para casos complexos de doenças infectocontagiosas;
- Perda de um centro com décadas de experiência em doenças infecciosas pediátricas.
O Hospital Correia Picanço já absorveu picos de demanda em surtos de coqueluche (2012-2015) e influenza (2018-2019). Além disso, foi a primeira unidade do Estado a receber crianças com covid-19 em 2020, graças à estrutura preparada para isolamento. O serviço ainda realiza coleta de líquor (LCR) - exame essencial para diagnóstico de meningites, com atendimento a pacientes encaminhados de toda a rede pública e privada do Estado.
Impactos na rede de saúde e risco de colapso
Com o eventual fechamento, hospitais como Imip, Barão de Lucena e unidades universitárias terão que absorver a demanda - algo considerado inviável pelos profissionais, pois essas instituições não possuem leitos adequados para o perfil de pacientes com meningite.
"Essa questão não foi discutida com os profissionais que atuam na linha de frente. Tentamos dialogar com a SES-PE para encontrar soluções, mas não fomos ouvidos", diz o pediatra do Correia Picanço Tadeu Calheiros.
"Em vez de desmontar um serviço essencial por causa da sazonalidade que o próprio governo sabe que acontece todos os anos, por que não contratualizar leitos srag na rede privada? Como Pernambuco decretou situação de emergência diante do aumento expressivo de casos de srag, essa contratualização seria possível", complementa.
Silêncio oficial
O JC entrou em contato com a SES-PE para esclarecer a proposta de mudança estrutural e confirmar oficialmente se o fechamento da UTI pediátrica será efetivado. Até o momento, nenhuma resposta foi enviada.