Surf nos ônibus: Morte de adolescente de 14 anos ao tentar ‘surfar’ em ônibus expõe o vandalismo no transporte do Grande Recife
Mais uma morte evidencia a desordem e o abandono que têm predominado na operação do transporte público na RMR, com invasões diárias dos coletivos

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Um dos efeitos mais nocivos do vandalismo no transporte público - o ‘surf no ônibus’ - voltou a fazer vítimas na Região Metropolitana do Recife, evidenciando a desordem e o abandono que têm predominado na operação diária dos ônibus. Um adolescente de 14 anos morreu após cair de um ônibus ao tentar subir no veículo em movimento para surfar no teto do coletivo.
O caso aconteceu no bairro do Curado 4, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, na noite de sexta-feira (12/9). O garoto morreu quase na hora, ainda no local da queda. A prática do ‘surf’ e do ‘morcegamento’ nos ônibus é um problema grave enfrentado pelo Sistema de Transporte Público da RMR (STPP) e que já provocou a morte e ferimentos em pelo menos quatro adolescentes e jovens nos últimos três anos.
O garoto caiu enquanto escalava um ônibus da linha 361 - TI TIP/Curado IV, operada pela empresa Borborema. Segundo o Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, o motorista chegou a parar o veículo ao ver o adolescente pendurado e pedir para que descesse, mas não adiantou. Quando o motorista reassumiu o volante, o jovem subiu novamente no veículo, como sempre acontece nesses casos, principalmente na periferia do Grande Recife.
Quando o coletivo fazia uma curva, o adolescente bateu em outro ônibus que estava estacionado. No momento, ele tentava subir pela janela do veículo e caiu, morrendo no local. Segundo a Polícia Civil, o caso foi registrado como morte a esclarecer sem indício de crime, o que isenta o motorista de ônibus de qualquer responsabilidade - mesmo que seja culposa (sem intenção). As investigações serão conduzidas pela Delegacia de Prazeres, em Jaboatão.
Por nota, a empresa Borborema lamentou a morte do adolescente, mas não se posicionou sobre o descontrole que o sistema tem vivido com os atos de vandalismo, como o ‘surf’ e o ‘morcegamento’ dos ônibus. O Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) também não se posicionou. Confira a nota:
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“A Borborema lamenta profundamente a fatalidade ocorrida na tarde da última sexta-feira (12), na Rua 14, no Curado IV, em Jaboatão dos Guararapes. O fato ocorreu quando um jovem, que estava pendurado em uma porta de um ônibus em movimento, colidiu contra um veículo que estava parado na via. Uma equipe da empresa foi enviada ao local para prestar o devido apoio e prontamente foram acionadas as autoridades competentes, incluindo o Instituto de Criminalística, a Polícia Militar e a Guarda Municipal de Jaboatão. A Borborema se solidariza com os amigos e parentes do jovem e informa que vai colaborar com as investigações sobre o caso”.
TRANSPORTE PÚBLICO DO GRANDE RECIFE JÁ REGISTROU MORTES E OUTROS FERIDOS COM ATOS DE VANDALISMO COMO O ‘SURF NOS ÔNIBUS’
O vandalismo no transporte público, como a prática do ‘surf’ nos ônibus, tem sido um grave problema do setor e feito muitas vítimas na Região Metropolitana do Recife. Em agosto, após uma trégua nas ocorrências e muita polêmica com um projeto de lei estadual, um jovem de 20 anos ficou ferido ao fazer o conhecido ‘morcegamento’ no coletivo, uma espécie de ‘bigu’.
Pendurado na porta do veículo, o jovem bateu em um poste no momento em que o ônibus trafegava pela Avenida das Garças, na Quarta Etapa do bairro de Rio Doce, em Olinda. Mais uma vez, o motorista que conduzia o coletivo teria parado o veículo ao perceber o jovem pendurado e pedido para que ele descesse. Teria pedido, inclusive, que ele entrasse no coletivo, mas não foi atendido. No fim, o condutor sequer percebeu o momento em que houve o choque contra o poste porque achava que o rapaz teria descido do veículo. Só depois é que foi alertado pelos passageiros.
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Em maio, um adolescente morreu após cair de um ônibus em que fazia ‘morcegamento’, no bairro de Jardim Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. O rapaz estava pendurado na porta do coletivo em movimento quando se desequilibrou e caiu. O ônibus operava a linha 062 - Jardim Piedade, da Empresa Borborema, mas já estava fora de operação, retornando para a garagem.
Outros casos de mortes com a prática do ‘bigu’ e também do ‘surf’ nos ônibus aconteceram no Grande Recife. Em 2022, um jovem morreu no TI Xambá, em Olinda, após cair do coletivo e ser atropelado. E em 2023, pelo menos dois casos de mortes foram registrados num intervalo de três meses, no Recife. Um jovem morreu após se chocar com um poste, na Cohab, e o outro morreu atropelado ao cair do teto do coletivo e ser atropelado na Avenida Agamenon Magalhães, no Derby.
LEGISLAÇÃO ESTADUAL GEROU POLÊMICA E FOI VETADA POR RAQUEL LYRA
Em outubro de 2024, quando o transporte público da RMR voltava a viver uma sequências de casos de prática de ‘surf nos ônibus’ e ‘bigus’ ou ‘morcegamentos’, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou o PL nº 1366/2023, de autoria do deputado Pastor Júnior Tércio e que pretendia proibir a prática nos ônibus da Região Metropolitana do Recife
Mas, após apelos dos motoristas de ônibus, que viram no PL uma futura pressão indireta das empresas sobre os trabalhadores para coibir o vandalismo, a governadora Raquel Lyra (PSD) vetou a proposta sob o argumento de inconstitucionalidade. O principal argumento do veto, que foi indicado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), é que o Código Penal e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já proíbem a prática. A decisão foi divulgada em novembro.
Nos argumentos, o governo de Pernambuco reconheceu a boa intenção do PL, mas destacou a fragilidade dos rodoviários diante do que propõe o texto, afirmando que o projeto atribui ao motorista, indiretamente, a “co-obrigação de prover a segurança pública nas vias públicas, sendo este um dever do Estado”.
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Embora nenhum dos dois artigos do CP e do CTB sejam, de fato, aplicados no dia a dia porque o chamado ‘surf’ nos ônibus muitas vezes não é flagrado pela polícia, restando ao motorista a decisão de agir no caso de flagrantes. Esse foi o argumento jurídico encontrado pelo Estado.
Na época, a expectativa era de que o veto teria que acontecer e que o PL retornaria à Alepe para ser refeito e melhorado. A governadora, inclusive, teria conversado com o autor do PL para que o texto fosse reconstruído com a participação das categorias que atuam no setor de transporte e sofrem diretamente com o 'surf' nos ônibus.
Assim, não haveria perigo de a Alepe decidir por derrubar o veto da governadora, que já era esperado pelo teor superficial do PL e, principalmente, pela polêmica que ele criou com os rodoviários e, posteriormente, até mesmo com os empresários de ônibus. Mas até agora nada se confirmou.
OS ARGUMENTOS DO GOVERNO DO ESTADO PARA O VETO
No texto, o governo de Pernambuco citou o artigo 235 do CTB, que prevê que conduzir pessoas, animais ou carga nas partes externas do veículo, com ressalva para casos autorizados, é uma infração grave.
E, na sequência, o artigo 176 do Código Penal, que diz: “utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para pagamento” tem como pena a detenção durante 15 dias ou dois meses ou multa.
Baseando-se nestes dois artigos, o Estado afirmou que o sentido do PL 1366 já é contemplado na legislação nacional, concluindo que o adicional do Projeto estadual “não traria maior impacto, vez que, como visto acima, as condutas de surf e de morcegamento nos ônibus já são proibidas”.
PRESSÃO SOBRE EMPRESAS, QUE PRESSIONARIAM OS MOTORISTAS
O texto que embasou o veto da governadora confirmou o que gerou muita polêmica sobre o PL na época e seguirá gerando, caso o proposta se mantenha igual: que, ao prever sanções às concessionárias, a pressão recairá sobre os motoristas, que terão que fazer o papel do Estado de garantir a segurança nas ruas.
“Em outras palavras, o PL estabelece ser obrigação funcional do motorista combater ostensivamente a prática de surf e morcegamento nos ônibus, sob as penas da lei (estadual). Ao descumprimento do mandamento funcional, a concessionária será responsabilizada e, dada prática do ilício pelo motorista (o não cumprimento dos incisos I e II do art. 3º do PL), terá direito de regresso contra ele, o motorista”.
CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS MOTORISTAS
Outro argumento do Estado foi que o PL comete incompatibilidade com a Constituição Federal por legislar sobre as condições de trabalho dos motoristas de ônibus e por dispor sobre “trânsito e transporte”, tópicos reservados à União.
“Ao determinar-se, no art. 3º, ser obrigação do motorista solicitar a interrupção da prática ilícita de surf ou morcegamento nos ônibus e, ato contínuo, solicitar a intervenção da força policial, impedindo-o de movimentar o veículo enquanto não forem obstadas as referidas práticas (caput do art. 4º), sob pena de aplicação de multa à concessionária (parágrafo único do art. 4º), que fatalmente cobrará regressivamente do motorista pelo descumprimento da nova obrigação legal funcional, tais dispositivos inequivocamente avançam na dimensão da esfera trabalhista das obrigações do motorista de ônibus”, argumenta o Estado.