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Surf nos ônibus: Vandalismo no transporte público volta a fazer vítimas no Grande Recife. Dessa vez, um jovem de 20 anos

Jovem faz ‘morcegamento’ em ônibus e bate em poste em avenida de Rio Doce, em Olinda. Ocorrências voltam a assustar passageiros e operadores

Por Roberta Soares Publicado em 18/08/2025 às 12:09 | Atualizado em 18/08/2025 às 12:59

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Com informações de Emerson Pereira, repórter da TV Jornal

O vandalismo no transporte público, como a prática do ‘surf’ e do ‘morcegamento’ nos ônibus, volta a fazer vítimas na Região Metropolitana do Recife após uma trégua nas ocorrências e muita polêmica com um projeto de lei estadual. Neste sábado (16/8), um jovem de 20 anos ficou ferido ao fazer o conhecido ‘morcegamento’ no coletivo, um ‘bigu’.

Pendurado na porta do veículo, o jovem bateu em um poste no momento em que o ônibus trafegava pela Avenida das Garças, na Quarta Etapa do bairro de Rio Doce, em Olinda. Imagens que circulam nas redes sociais mostram o jovem pendurado na porta traseira do ônibus, que trafega rapidamente pela avenida. Em determinado momento, o condutor do coletivo passa perto de um poste que está na calçada do lado direito da via, e o jovem se choca contra a estrutura, caindo na sequência.

O jovem, que usa camisa vermelha, ainda coloca a mão na cabeça e deita na avenida em sequência. Em seguida, as imagens mostram o socorro pelo SAMU. O rapaz foi encaminhado para o Hospital da Restauração, no Derby, área central do Recife, mas como as instituições públicas não divulgam mais o nome das vítimas, a imprensa não consegue descobrir o estado de saúde dele. O coletivo operava a linha Xambá/Rio Doce, da empresa Caxangá, e a ocorrência aconteceu por volta das 20h.

MOTORISTA PEDIU PARA JOVEM DESCER E NÃO PERCEBEU CHOQUE CONTRA POSTE

Guga Matos/JC Imagem
Prática do 'surf nos ônibus' tem crescido no Grande Recife, inclusive com mortes de adolescentes e com flagrantes da prática até mesmo em bairros nobres da capital, como Boa Viagem, na Zona Sul - Guga Matos/JC Imagem

O motorista que conduzia o coletivo contou ao Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco que tinha parado o veículo ao perceber o jovem pendurado e pedido para que ele descesse. Teria pedido, inclusive, que ele entrasse no coletivo, mas não foi atendido. E que nem viu o momento em que houve o choque contra o poste porque achava que o rapaz teria descido do veículo. Só depois é que foi alertado pelos passageiros.

Em entrevista à TV Jornal, o advogado dos rodoviários, Sérgio Gonçalves, saiu em defesa do motorista, alegando que o profissional tem muita sobrecarga de trabalho sozinho no veículo e cobrou providências do poder público. “Fomos contra o Projeto de Lei no ano passado porque ele responsabilizava o motorista por impedir as práticas de vandalismo e a governadora viu isso, vetando a proposta. Mas passou da hora de uma nova discussão sobre esse tema. De todos se juntarem para fazermos uma lei que ajude o profissional, que hoje está sozinho”, afirmou.

LEGISLAÇÃO ESTADUAL GEROU POLÊMICA E FOI VETADA POR RAQUEL LYRA

Em outubro de 2024, quando o transporte público da RMR voltava a viver uma sequências de casos de prática de ‘surf nos ônibus’ e ‘bigus’ ou ‘morcegamentos’, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou o PL nº 1366/2023, de autoria do deputado Pastor Júnior Tércio e que pretendia proibir a prática nos ônibus da Região Metropolitana do Recife.

Mas, após apelos dos motoristas de ônibus, que viram no PL uma futura pressão indireta das empresas sobre os trabalhadores para coibir o vandalismo, a governadora Raquel Lyra (PSD) vetou a proposta sob o argumento de inconstitucionalidade. O principal argumento do veto, que foi indicado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), é que o Código Penal e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já proíbem a prática. A decisão foi divulgada em novembro.



Nos argumentos, o governo de Pernambuco reconheceu a boa intenção do PL, mas destacou a fragilidade dos rodoviários diante do que propõe o texto, afirmando que o projeto atribui ao motorista, indiretamente, a “co-obrigação de prover a segurança pública nas vias públicas, sendo este um dever do Estado”.

Embora nenhum dos dois artigos do CP e do CTB sejam, de fato, aplicados no dia a dia porque o chamado ‘surf’ nos ônibus muitas vezes não é flagrado pela polícia, restando ao motorista a decisão de agir no caso de flagrantes. Esse foi o argumento jurídico encontrado pelo Estado.

Na época, a expectativa era de que o veto teria que acontecer e que o PL retornaria à Alepe para ser refeito e melhorado. A governadora, inclusive, teria conversado com o autor do PL para que o texto fosse reconstruído com a participação das categorias que atuam no setor de transporte e sofrem diretamente com o 'surf' nos ônibus.

Assim, não haveria perigo de a Alepe decidir por derrubar o veto da governadora, que já era esperado pelo teor superficial do PL e, principalmente, pela polêmica que ele criou com os rodoviários e, posteriormente, até mesmo com os empresários de ônibus. Mas até agora nada se confirmou.

OS ARGUMENTOS DO GOVERNO DO ESTADO PARA O VETO

REPRODUÇÃO
Surf nos ônibus tem aumentado no Grande Recife e visto, inclusive, em vias da área central da capital - REPRODUÇÃO

No texto, o governo de Pernambuco citou o artigo 235 do CTB, que prevê que conduzir pessoas, animais ou carga nas partes externas do veículo, com ressalva para casos autorizados, é uma infração grave.

E, na sequência, o artigo 176 do Código Penal, que diz: “utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para pagamento” tem como pena a detenção durante 15 dias ou dois meses ou multa.

Baseando-se nestes dois artigos, o Estado afirmou que o sentido do PL 1366 já é contemplado na legislação nacional, concluindo que o adicional do Projeto estadual “não traria maior impacto, vez que, como visto acima, as condutas de surf e de morcegamento nos ônibus já são proibidas”.

PRESSÃO SOBRE EMPRESAS, QUE PRESSIONARIAM OS MOTORISTAS

O texto que embasou o veto da governadora confirmou o que gerou muita polêmica sobre o PL na época e seguirá gerando, caso o proposta se mantenha igual: que, ao prever sanções às concessionárias, a pressão recairá sobre os motoristas, que terão que fazer o papel do Estado de garantir a segurança nas ruas.

“Em outras palavras, o PL estabelece ser obrigação funcional do motorista combater ostensivamente a prática de surf e morcegamento nos ônibus, sob as penas da lei (estadual). Ao descumprimento do mandamento funcional, a concessionária será responsabilizada e, dada prática do ilício pelo motorista (o não cumprimento dos incisos I e II do art. 3º do PL), terá direito de regresso contra ele, o motorista”.

CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS MOTORISTAS

Guga Matos/JC Imagem
PL está sob análise de Procuradoria Geral do Estado (PGE). Será o parecer técnico que irá orientar a decisão da governadora Raquel Lyra - Guga Matos/JC Imagem

Outro argumento do Estado foi que o PL comete incompatibilidade com a Constituição Federal por legislar sobre as condições de trabalho dos motoristas de ônibus e por dispor sobre “trânsito e transporte”, tópicos reservados à União.

“Ao determinar-se, no art. 3º, ser obrigação do motorista solicitar a interrupção da prática ilícita de surf ou morcegamento nos ônibus e, ato contínuo, solicitar a intervenção da força policial, impedindo-o de movimentar o veículo enquanto não forem obstadas as referidas práticas (caput do art. 4º), sob pena de aplicação de multa à concessionária (parágrafo único do art. 4º), que fatalmente cobrará regressivamente do motorista pelo descumprimento da nova obrigação legal funcional, tais dispositivos inequivocamente avançam na dimensão da esfera trabalhista das obrigações do motorista de ônibus”, argumenta o Estado.

GRANDE RECIFE JÁ REGISTROU MORTES E OUTROS FERIDOS COM A PRÁTICA

Em maio, um adolescente morreu após cair de um ônibus em que fazia ‘morcegamento’, no bairro de Jardim Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. O rapaz estava pendurado na porta do coletivo em movimento quando se desequilibrou e caiu. O ônibus operava a linha 062 - Jardim Piedade, da Empresa Borborema, mas já estava fora de operação, retornando para a garagem.

Outros casos de mortes com a prática do ‘bigu’ e também do ‘surf’ nos ônibus aconteceram no Grande Recife. Em 2022, um jovem morreu no TI Xambá, em Olinda, após cair do coletivo e ser atropelado. E em 2023, pelo menos dois casos de mortes foram registrados num intervalo de três meses, no Recife. Um jovem morreu após se chocar com um poste, na Cohab, e o outro morreu atropelado ao cair do teto do coletivo e ser atropelado na Avenida Agamenon Magalhães, no Derby.

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