Jovens atropeladas em São Paulo: Brasil precisa condenar motoristas que correm e matam ao volante
O País não pode mais tolerar o excesso de velocidade que mata e mutila milhares no trânsito. Violento caso em São Paulo deve ser exemplo

O Brasil acompanhou - espero do fundo do meu coração que estarrecido - o violento atropelamento de duas jovens de 18 anos e amigas inseparáveis sobre a faixa de pedestres na Avenida Goiás, a principal avenida de São Caetano do Sul, no ABC Paulista (São Paulo). O condutor, segundo testemunhas e pelas evidências da forte colisão contra as vítimas - cujos corpos foram lançados a mais de 50 metros de distância -, estaria em alta velocidade e fugindo de um pega.
Mesmo assim, a defesa do estudante de 26 anos se apressou em usar como argumento, entre outros, que as duas jovens estariam fazendo a travessia sobre a faixa de pedestres com o semáforo aberto para os veículos. Acredita?
Esse é o ponto que precisamos discutir aqui: a alta velocidade que o motorista desenvolvia numa via urbana - a principal de uma cidade, vale destacar -, repleta de pedestres, com o semáforo aberto ou fechado.
A velocidade era alta, muito alta, e as evidências já mostraram isso. Câmeras filmaram a força da colisão, reforçada pela destruição da parte dianteira do veículo. Os ferimentos nos corpos das duas jovens são outra prova bruta e indiscutível do abuso praticado pelo motorista e que é repetido todos os dias em muitas e muitas vias do País - urbanas ou não.
Essa é a discussão que precisa ser feita: o Brasil - leia-se as polícias e a Justiça brasileiras - não pode mais tolerar o excesso de velocidade que mata e mutila milhares no trânsito. São mais de 33 mil mortes e 500 mil mutilados por ano no trânsito do País - segundo dados oficiais e que têm subnotificação. E quase a totalidade dessas vítimas estava em cenários de velocidade.
Felizmente, avançamos um pouco na intolerância à imprudência ao volante quando a velocidade vem acompanhada do consumo de álcool e da fuga do condutor sem socorro às vítimas. Mas precisamos ir além. O excesso de velocidade é tão brutal quanto, mesmo quando o motorista não bebeu ou, depois de matar ou ferir, se desespera e decide ficar no local do sinistro de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT), o que é obrigatório pelo CTB (Código de Trânsito Brasileiro).


E foi isso que o motorista que atropelou as jovens fez. Não fugiu do local, é fato, e não estava alcoolizado - menos mal. A defesa, em seu papel, tem usado esses fatos para atenuar a responsabilidade do condutor, o que não está errado. Mas pouco importa: ele estava em altíssima velocidade e, como já destacamos, a velocidade ao volante mata e mutila. Muito. Mesmo sem álcool ou fuga.
Não é à toa que a OMS (Organização Mundial de Saúde) aponta que a velocidade é a principal causa de mortes no trânsito, respondendo por 50% dos óbitos. E recomenda, desde 2018, que a velocidade limite das vias urbanas seja de 50 Km/h.
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MOTORISTA FOI PRESO EM FLAGRANTE POR DUPLO HOMICÍDIO DOLOSO
Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, o motorista do carro dirigia em alta velocidade e foi preso em flagrante por duplo homicídio doloso (com intenção). Foi submetido ao teste do etilômetro (bafômetro), que resultou negativo. O condutor foi identificado como Brendo dos Santos Sampaio, estudante de 26 anos.
De acordo com uma testemunha ouvida pela polícia, o rapaz dava indícios de estar disputando um racha com outro veículo no momento em que atropelou as jovens. Durante audiência de custódia, a prisão em flagrante de Brendo foi convertida em preventiva e o estudante foi encaminhado para o Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Bernardo do Campo.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Estado, que obteve imagens de câmeras de monitoramento que indicam que o autor dirigia em alta velocidade. As vítimas, inclusive, foram lançadas longe quando estavam no fim da travessia na faixa de pedestres.
ENTENDA COMO FOI O VIOLENTO ATROPELAMENTO
Duas jovens de 18 anos (Isabela Priel Regis e Isabelli Helena de Lima Costa) morreram atropeladas na noite de quarta-feira (9/4), enquanto atravessavam a Avenida Goiás, em São Caetano do Sul, região do ABC Paulista, na faixa de pedestres. O impacto da batida foi tão forte que a frente do veículo ficou totalmente destruída. Os corpos das vítimas foram lançados a 50 metros do local.
Isabela e Isabelli eram amigas inseparáveis e se formaram juntas na mesma escola. Antes do atropelamento, comemoravam a conquista recente do emprego de Isabelle. “As duas eram amigas inseparáveis, estudaram o Ensino Médio juntas e morreram juntas”, disse Claudilene Helena de Lima, mãe de Isabelli, em entrevista a repórteres, na quinta-feira (10). “(Elas) Iam começar a trabalhar. A Isabelli ia começar na segunda-feira e não deu tempo. Elas saíram para comemorar e estavam voltando para casa”, acrescentou.
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Os advogados de defesa de Brendo afirmam, em nota, que o caso “foi uma fatalidade” e dizem que Isabela e Isabelli atravessaram a via quando o semáforo ainda estaria vermelho para elas e que o estudante não as teria visto. “Ele prestou socorro no mesmo momento, não se evadindo do local. E o teste para embriaguez deu negativo”, completaram os defensores.
BATALHA PARA REDUZIR A VELOCIDADE DAS RUAS E AVENIDAS DO PAÍS
O estrago que a velocidade provoca no trânsito mundial e do País é o principal argumento de uma batalha que defensores da mobilidade ativa (ciclistas e pedestres) e entidades ligadas à segurança viária travam há alguns anos. Há dois anos, eles tentam aprovar o Projeto de Lei 2789/2023, batizado de PL das Velocidades Seguras, no Congresso Nacional.
O PL busca a redução dos limites de velocidade nas vias urbanas em todas as cidades como forma de evitar mortes e mutilações de todos que compõem o trânsito - pedestres, ciclistas, passageiros e condutores. Segue o recomendado pela OMS.
O texto adequa as velocidades permitidas nas vias urbanas de todas as cidades do Brasil, estabelecendo limites para diferentes tipos de vias de forma que facilitem a coexistência de veículos motorizados, pedestres e ciclistas.
O PL foi elaborado por 15 organizações da sociedade civil de diversas áreas e teve o apoio de outras 40. Em resumo, propõe a redução de velocidades limites de 80 km/h e 60 km/h em 20 km/h e 10 km/h, respectivamente. Assim, as vias que hoje têm limite de 80 km/h passariam a ter de 60 km/h e as que têm limite máximo de 60 km/h mudariam para 50 km/h.
NO RECIFE, RETIRADA DA FISCALIZAÇÃO DE VELOCIDADE PROVOCOU AUMENTO DOS SINISTROS COM VÍTIMAS
Um exemplo do impacto dos altos limites de velocidade que ainda predominam nas vias urbanas do País aconteceu no Recife. O desligamento parcial da fiscalização eletrônica de velocidade por problemas na licitação pública geraram um custo alto à segurança viária da capital pernambucana. Um levantamento realizado pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) apontou que houve uma explosão no número de sinistros de trânsito com vítimas na capital em 2024.
O estudo revelou que o aumento foi de 81,3% quando comparado com o mesmo período de 2023, época em que os radares estavam em pleno funcionamento na cidade - o desligamento foi descoberto pela imprensa apenas no início de 2024. Com base nos dados abertos do próprio município, foi constatado que de julho de 2023 a maio de 2024, 3.545 pessoas foram vítimas de sinistros de trânsito no Recife.
Segundo o levantamento da Ameciclo, o crescimento das ocorrências foi mais acentuado no segundo semestre de 2023, com um salto de 73% em relação ao mesmo período de 2022. E que, em 2024, os dados foram ainda mais alarmantes: até maio do ano passado, os sinistros aumentaram 82,9% em relação a 2023 e chegaram a 139% em relação a 2022.
A análise mostra que a explosão dos sinistros coincide com a queda brusca nas autuações por excesso de velocidade, que despencaram pela metade após julho de 2023, quando teve início a desativação dos equipamentos. Antes do desligamento dos radares, a média mensal era de 17.624 autuações.
Devido ao desligamento, no segundo semestre de 2023 as notificações caíram para 8.937. Enquanto isso - aponta o levantamento -, infrações como avanço de semáforo e estacionamento irregular permaneceram estáveis, o que confirma que a redução foi provocada pela desativação da fiscalização eletrônica e, não, por um suposto aumento de consciência dos motoristas para respeitar a velocidade das vias.
Com informações do Estadão Conteúdo