Enem passará a avaliar qualidade do ensino médio a partir de 2026, anuncia MEC
O Enem, aplicado anualmente, passará a reconhecer trajetórias individuais para seleção e também servirá como instrumento de certificação
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Durante a divulgação dos dados preliminares sobre a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025, neste domingo (16), o ministro da Educação, Camilo Santana, e o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios, anunciaram que, a partir de 2026, o exame passará a ser utilizado também para a avaliação da qualidade do ensino médio no país.
Diferentemente do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), aplicado a cada dois anos, o Enem será um instrumento anual que, além de reconhecer as trajetórias individuais para fins de seleção, também servirá para certificação.
De acordo com o ministro, o Inep realizou todos os estudos e definiu os padrões necessários para a implementação. “A motivação do aluno do 3º ano do ensino médio é fazer o Enem. Com essa mudança, nós vamos ter condições de avaliar com mais qualidade a aprendizagem do ensino médio”, explicou Santana. Ainda segundo ele, a medida deve garantir resultados mais eficientes e fidedignos sobre o desempenho dos estudantes.
Manuel Palácios, afirmou que uma avaliação da conclusão da educação básica e do Enem, colocará em outro patamar a aferição da qualidade do ensino, à medida que buscará engajar mais os estudantes. “É uma prova que cobre todas as habilidades e conhecimentos previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com muito mais qualidade”, afirmou.
Pontos a serem considerados
Entretanto, segundo o pesquisador do Observatório da Equidade Educacional do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Thomaz Edson Veloso, em entrevista à coluna Enem e Educação, é necessário considerar dois pontos importantes nessa mudança.
“O primeiro é a questão técnica: a finalidade do Enem e a finalidade do Saeb são diferentes. Logo, em tese, não poderíamos considerá-los como a mesma avaliação aplicada duas vezes ao aluno. O que é proposto e cobrado no Saeb é diferente do que é proposto no Enem, porque as naturezas das duas avaliações são distintas. Então há um desafio técnico para fazer esse alinhamento”, destacou Veloso.
Ainda segundo o pesquisador, há também uma questão logística, já que, quando as duas avaliações coincidem no calendário, geram um custo operacional muito alto para o governo federal. “Unificá-las pode representar economia e otimização da gestão, além da necessidade de alinhar os propósitos dos dois exames”, afirmou.
Para ele, porém, a grande questão é compreender que o Enem se consolidou como um “farol” do ensino médio, orientando o trabalho das escolas e dos professores do 3º ano, que direcionam seus esforços para garantir o melhor desempenho dos estudantes na prova. Essa mobilização não se repete em relação ao Saeb, já que não há preparação específica nem foco docente voltado para essa avaliação.
E isso ocorre ao final do terceiro ano, onde os alunos já estão concluindo a educação básica e concentrados na transição para o ensino superior — o que torna natural que o Enem receba mais atenção.
Esse, inclusive, foi um dos pontos apresentados pelo ministro da Educação ao anunciar a mudança. “Muitas vezes, o aluno ficava desmotivado ao precisar fazer a prova do Saeb e, depois, o Enem. O foco do estudante do 3º ano do ensino médio é o Enem, pois ele quer garantir acesso à universidade”, disse Camilo Santana.
Diante desse cenário, será necessário compreender de que forma o Enem — e os especialistas do Inep — conseguirão medir o conhecimento de alunos que não alcançaram o nível esperado para o final do ensino médio, sem mascarar as desigualdades educacionais do país. “Esse é um grande desafio técnico e metodológico da adoção de um exame único que, originalmente, tem um viés de seleção, mas passaria também a medir a qualidade da educação básica no ensino médio”, afirmou o pesquisador do NEES.
Mudança requer debate
O SAEB tem sido visto, ao longo dos anos, como um instrumento importante para orientar práticas pedagógicas. Contudo, especialistas apontam que suas matrizes estão desatualizadas em relação à BNCC e que o modelo atual desconsidera a complexidade da realidade escolar.
Nesse contexto de transição entre Saeb e Enem, Thomaz Veloso avalia que é necessário “dar um passo atrás” e retomar a discussão sobre o que caracteriza o novo ensino médio brasileiro à luz da BNCC.
“Esse alinhamento entre Enem e BNCC não está 100% concluído. Logo, o que está previsto de forma curricular não é totalmente o que está sendo cobrado na avaliação. Há necessidade de alinhamento para que possamos avançar em qualidade educacional no Brasil”, afirma.
O pesquisador também faz um apelo para que professores sejam consultados e participem de forma efetiva das mudanças nas políticas educacionais, já que essas decisões impactam diretamente a prática em sala de aula.
O presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE-PE), Natanael Silva, afirmou à coluna Enem e Educação que o anúncio do MEC causou surpresa aos sistemas de ensino e aos conselhos e que, neste primeiro momento, é preciso compreender como se dará essa equação.
"Não recebemos até o momento nenhuma provocação do Conselho Nacional de Educação (CNE) no sentido de discutirmos e contribuirmos com essa política, que seria uma mudança bem significativa", pontuou Natanael. "Não resta dúvida de que, à medida que os sistemas forem acionados e o próprio CNE se posicionar, esses colegiados poderão fazer suas contribuições e se debruçar sobre a matéria. Os sistemas precisam opinar sobre o que seria melhor", completou.
Sobre a necessidade de aprimorar as avaliações nacionais, o presidente do CEE concorda que essa é uma discussão que já ocorre há algum tempo. "As redes como um todo e o próprio MEC discutem há algum tempo a forma de fazer essa mensuração dos resultados e da aplicação com os estudantes", disse Natanael, reforçando que a dinâmica entre o Saeb e o Enem compreende dimensões distintas e que é necessário entender melhor o que está sendo desenhado pelo Inep.