Justiça Federal autoriza edital de Medicina da UFPE para assentados da reforma agrária

Desembargador Fernando Braga Damasceno suspendeu liminar da última semana que atendia à ação do vereador do Recife Tadeu Calheiros (MDB)

Por Laís Nascimento Publicado em 07/10/2025 às 10:50 | Atualizado em 07/10/2025 às 12:28

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Em mais um episódio envolvendo o processo seletivo do curso de Medicina do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), ofertado pelo campus Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) decidiu autorizar a publicação do edital.

A decisão em favor da Universidade foi proferida nesta terça-feira (7), pelo desembargador Fernando Braga Damasceno. No texto, Damasceno suspende a liminar que atendia à ação do vereador do Recife e médico Tadeu Calheiros (MDB).

O desembargador argumenta que a Lei de Cotas define que “as instituições federais de educação poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares ou de outra modalidade” e, assim, valida programas como o Pronera.

“A hipótese dos presentes autos evidencia uma ação afirmativa educacional voltada a grupo historicamente marginalizado (população do campo beneficiária da reforma agrária)”, pontua Fernando Braga.

Ele destaca também que as 80 vagas do edital são suplementares, “ou seja, não se retira uma única vaga do processo regular (SISU)” e que o financiamento é externo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e não do orçamento regular da UFPE.

A decisão argumenta que o processo seletivo não se trata de “facilitação”, mas de seleção adequada ao contexto socioeducacional do público-alvo.

O desembargador ressalta que “exigir que beneficiários da reforma agrária, muitos sem acesso à internet, cursinho ou ensino médio de qualidade, compitam em pé de igualdade no ENEM é isonomia apenas formal”.

Fernando Braga defende a ação afirmativa, pontuando que a população do campo historicamente teve acesso a ensino básico de menor qualidade, com professores menos qualificados e infraestrutura precária, por exemplo.

“O ENEM/SISU, embora objetivamente isonômico, na prática acaba por reproduzir desigualdades estruturais”, finaliza.

Críticas e ações

Desde o seu anúncio, o edital do Pronera para o curso de Medicina na UFPE tem sido alvo de críticas, pressão política e ações judiciais.

Além do vereador do Recife Tadeu Calheiros, questionaram a iniciativa o deputado federal e ex-ministro da Educação Mendonça Filho (UB), o vereador do Recife Thiago Medina (PL) e entidades médicas, como o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), a Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Associação Médica de Pernambuco (AMPE) e Academia Pernambucana de Medicina (APM).

Na última semana, o juiz Ubiratan de Couto Maurício, do TRF5, havia suspendido o edital, destacandoque a instituição estaria admitindo “que tal turma de 80 futuros médicos necessita saber menos para aprender medicina do que todos os médicos por ela formados no curso de sua história como respeitada instituição de ensino”.

Na liminar, Ubiratan argumentou que a postura da instituição se caracterizaria como “depreciativa dos próprios possíveis beneficiados em relação aos demais estudantes de medicina, da própria UFPE e, o que é mais grave, do conhecimento médico em si”.

UFPE defende processo seletivo

À coluna Enem e Educação, a UFPE defendeu a proposta de criação de uma turma extra de graduação em Medicina.

A instituição argumenta que a vinculação do processo seletivo ao Pronera visa a “redução das desigualdades sociais e promoção da educação do campo, caracterizando ação afirmativa legítima, nos moldes já reconhecidos pelo STF”.

Por meio das redes sociais, o reitor da UFPE, Alfredo Gomes, se manifestou sobre a decisão, destacando que a liminar é uma "vitória da Justiça em favor da justiça social, da democratização da educação e das universidades públicas".

"Essa decisão protege quem realmente luta pela educação, contra gente preconceituosa, políticos irresponsáveis, que distorcem os fatos e usam de meias verdades para evitar que gente simples e historicamente injustiçada tenha acesso à formação de qualidade", afirmou o reitor.

Alfredo Gomes argumentou, ainda: "Esses que usam seu poder contra a democratização da educação falam em isonomia, igualdade e justiça, e são os mesmos que defenderam e votaram a favor da PEC da Blindagem, que é o contrário de isonomia e não tem nada de justiça".

O que diz o edital

A iniciativa do Pronera é resultado de uma parceria entre o Incra e a UFPE. Ao todo, o edital oferta 80 vagas: 40 para ampla concorrência e outras 40 destinadas a candidatos que se enquadram nas modalidades de ações afirmativas (cotas).

As aulas vão acontecer presencialmente no Centro Acadêmico do Agreste da UFPE – Campus Caruaru, com início previsto para o próximo dia 20.

Segundo o certame, poderiam se candidatar assentados da reforma agrária e integrantes de famílias beneficiárias do Crédito Fundiário; educandos egressos de cursos promovidos pelo Incra; educadores que atuam junto às famílias beneficiárias; acampados cadastrados pelo instituto e pessoas quilombolas.

Para o Incra, a criação da turma especial tem como objetivo fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento à população das áreas rurais.

A oferta de vagas específicas para os assentados da reforma agrária é um dos pleitos reivindicados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – mas as oportunidades não são destinadas exclusivamente para os membros do movimento.

Além do processo seletivo para Medicina na UFPE, estão abertos outros editais de cursos apoiados pelo Pronera em todo o País, como:

  • Agronomia - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus Caxias
  • Tecnologia em Sistemas de Energias Renováveis - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB)
  • Curso Técnico Subsequente em Agroecologia - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Campus Boituva

O Pronera também apoiou processos seletivos para cursos como Saúde Coletiva e da Família, Medicina Veterinária, Psicologia, Geografia, Pedagogia, Comunicação e Engenharia Sanitária e Ambiental.

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