Professora de Stanford nega mito do "cérebro para matemática" e propõe ensino mais visual, criativo e moderno
Jo Boaler, que também é diretora acadêmica do Youcubed, participou do 9º Congresso de Jornalismo de Educação, promovido pela Jeduca, em São Paulo
Clique aqui e escute a matéria
O baixo desempenho em Matemática, observado repetidamente no Brasil e em diversos países, tem motivado pesquisas e iniciativas que buscam tornar o ensino da disciplina mais criativo e conectado à prática.
Nesse contexto, a professora Jo Boaler, da Universidade de Stanford e diretora acadêmica do Youcubed, destaca-se como precursora de uma abordagem inovadora que vem transformando conceitos e currículos no mundo inteiro.
Ela defende a desconstrução do mito de que algumas pessoas nascem com 'cérebros para a matemática' e outras não, enfatiza a importância de evitar o medo de errar e questiona a visão da disciplina como um campo excessivamente abstrato. Boaler participou do 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação dos Jornalistas de Educação (Jeduca) na última segunda-feira (25) em São Paulo.
Autora do livro “Mentalidades Matemáticas – Estimulando o Potencial dos Estudantes por Meio da Matemática Criativa, das Mensagens Inspiradoras e do Ensino Inovador”, Jo Boaler explica que é fundamental compartilhar mentalidades na matemática com os estudantes, avaliando raciocínio lógico e resolução de problemas.
"Muitos estudantes e professores acreditam que você tem um cérebro matemático ou não. Quando o estudante começa a ter dificuldades, acham que não têm o cérebro correto e que as coisas vão ladeira abaixo, por assim dizer", afirmou.
"Eu compartilho com meus estudantes que, toda vez que aprendemos algo, três coisas acontecem no cérebro: você conecta vias, forma novas vias ou fortalece as vias neuronais. Ninguém nasce com essas vias — elas são desenvolvidas. A todo momento, nós aprendemos", destacou.
É preciso respeitar ritmo de aprendizagem e os erros
Com a metodologia adequada, que valorize mensagens sobre mentalidade e respeite o ritmo de cada estudante, qualquer pessoa é capaz de aprender Matemática em nível avançado. No entanto, é importante que durante esse processo, os erros sejam encarados como oportunidades de aprendizado, e não como obstáculos.
"Os melhores momentos para os nossos cérebros é quando estamos fazendo erros. É aqui que o cérebro está pegando fogo com conectividade. Você não quer estar na sala de aula sempre acertando o seu trabalho, porque significa que seu cérebro não está treinando suficiente", disse Boaler. Segundo ela, com base em diversos estudos científicos, o cérebro humano aprende quando está trabalhando na fronteira do entendimento entre tentar, errar e corrigir.
A professora observa que, muitas vezes, os desafios não são valorizados pelos professores, que tendem a focar apenas no que está correto. "Quando trabalho com estudantes, compartilho que vamos enfrentar uma matemática difícil, porque quero que eles encarem problemas e desafios. Quando olham para mim e dizem: 'Ah, isso daqui é muito difícil', eu respondo: fantástico, porque esse sentimento é literalmente o cérebro trabalhando."
Boaler ressalta ainda que essa abordagem não beneficia apenas crianças: adultos também podem se desenvolver quando se sentem seguros para enfrentar desafios e reavaliar suas próprias perspectivas.
Matemática visual
A professora de Stanford abordou o conceito de mindset aplicado à matemática, que envolve uma experiência multidimensional. Isso vai além dos cálculos, estimulando a visualização, o desenho e a exploração de diferentes formas de pensar — como imagens, gráficos, algoritmos e tabelas.
"Quando as pessoas mudam sua mentalidade, elas melhoram sua aprendizagem. Até a saúde pode melhorar com a mentalidade correta", apontou. "Os estudantes muitas vezes não percebem como podem crescer, e essas ideias de mentalidade acabam não sendo aproveitadas. Por isso, queremos transformar a forma como ensinamos matemática. Não basta apenas transmitir a mensagem ao estudante; é preciso respaldar isso com métodos consistentes e desenvolver, conforme os pesquisadores de mindset, uma cultura que realmente reflita essa mentalidade", explicou.
Ela acredita que muitos métodos atualmente ensinados sejam redundantes ou desnecessários, e defende que crianças e jovens precisem de mais tempo para desenvolver o raciocínio lógico. "Vamos modernizar o currículo matemático, eliminar métodos que não são essenciais — que, aliás, podem ser programados computadores — e, com o tempo adicional, podemos aprofundar o que o estudante precisa e explorar a criatividade", afirmou Jo Boaler.
Cofundado por Jo Boaler em 2013, o centro de pesquisas Youcubed investiga como a aprendizagem afeta o cérebro e vice-versa. Diante de desigualdade e desinteresse dos estudantes por ciências exatas, o Youcubed.org oferece atividades, recursos e ferramentas que promovem uma relação mais criativa e produtiva com a matemática, baseada na mentalidade de crescimento.
Enquanto em países desenvolvidos a matemática responde por até 18% do PIB, no Brasil esse percentual é de apenas 4,6%.
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação aconteceu nos dias 25 e 26 de agosto, no Teatro FECAP. A programação abordou os desafios do ensino superior, a alfabetização dos estudantes brasileiros, a atuação do jornalismo nas redes sociais e a crise climática no contexto da COP30.
*A titular da coluna Enem e Educação viajou a convite da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)