Cartilha do MPPE alerta sobre vulnerabilidade digital de crianças e adolescentes em meio a debates sobre adultização

Crimes como cyberbullying, cyberstalking, grooming e sextorsão estão entre os temas da cartilha sobre proteção de crianças e adolescentes

Por Mirella Araújo Publicado em 20/08/2025 às 14:14 | Atualizado em 20/08/2025 às 15:53

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O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) lançou nesta terça-feira (19) uma cartilha digital voltada à orientação de pais e responsáveis sobre os perigos que crianças e adolescentes podem enfrentar em ambientes virtuais.

Entre os temas abordados estão crimes como cyberbullying, cyberstalking, grooming e sextorsão, que têm ganhado repercussão nacional e vêm sendo denunciados por autoridades que atuam na defesa dos direitos da infância e juventude.

A cartilha “Proteção de crianças e adolescentes em ambientes virtuais”, elaborada pela equipe técnica do CAO Infância e Juventude, está disponível em PDF na seção de campanhas institucionais do site do MPPE e pode ser consultada e baixada livremente.

O material alerta para os riscos do uso excessivo de telas e de conteúdos nocivos, como desinformação, violência explícita e pornografia. Aborda também práticas abusivas e exploração sexual, incluindo a monetização de imagens de crianças e a vulnerabilidade a apostas on-line, proibidas pela legislação brasileira.

Outro ponto de atenção é com relação as postagens e conteúdos que violem direitos de crianças e
adolescentes, ainda que não necessariamente congurem crimes, devem ser denunciados. A maioria das plataformas conta com canais diretos de denúncia, que podem ser acionados por qualquer pessoa.

 

A coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias (CAO) em Defesa da Infância e Juventude do MPPE, promotora de Justiça Aline Arroxelas, explica que o tema vem sendo discutido desde o fim do ano passado, diante do aumento na procura por informações sobre a exposição de crianças e adolescentes no ambiente digital e do crescimento das denúncias em nível nacional.

Em junho deste ano, o Ministério Público de Pernambuco promoveu o webinário “Exploração sexual contra crianças e adolescentes”, com o objetivo de capacitar tanto o público interno quanto o externo.

“A cartilha tem uma linguagem muito simples, voltada para a população em geral, esclarecendo termos que muitas vezes não são de conhecimento comum. As dicas disponibilizadas reúnem orientações feitas por diversos especialistas na área de proteção à infância e à juventude”, afirma a promotora Aline em entrevista à coluna Enem e Educação.

Além de explicar as formas de intimidação, assédio, manipulação e ameaça contra crianças e adolescentes, o material oferece dicas de prevenção: proteger a privacidade, supervisionar o uso das telas e estimular atividades do mundo real, como passeios em família, práticas culturais, esportivas e de lazer adequadas à faixa etária. Ao final, a cartilha traz uma lista de canais oficiais para denúncias.

Um ponto que também chama atenção é que postagens e conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes, ainda que não configurem crimes, devem ser denunciados.

"Para que uma conduta configure crime, ela precisa se adequar perfeitamente ao tipo previsto no Código Penal. Mas, às vezes, o conteúdo não é tão explicitamente um crime", explica Aline Arroxelas.

Segundo a promotora, mesmo nessas situações, pode haver indícios de exploração ou violação de direitos. "As pessoas percebem que há uma exposição excessiva de uma criança ou adolescente, principalmente em casos em que ocorre monetização em plataformas, canais e aplicativos", afirma.

Ela acrescenta que muitas vezes esses conteúdos são apresentados como entretenimento, mas escondem outra realidade. 

Adultização precoce e vulnerabilidade online

O uso de redes sociais entre crianças e adolescentes varia conforme a faixa etária, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil. Entre usuários de 9 a 10 anos e de 11 a 12 anos, o YouTube é a plataforma mais acessada, com 45% de preferência em ambos os grupos. Já o Instagram se torna dominante entre jovens de 13 a 14 anos (58%), enquanto o WhatsApp lidera entre adolescentes de 15 a 17 anos (78%).

Os dados também evidenciam os riscos que crianças e adolescentes enfrentam nas redes. Recentemente, o youtuber Felca denunciou o perfil do influenciador Hytalo Santos, acusado de assédio e manipulação digital de menores, mostrando a vulnerabilidade dos jovens e a necessidade de atenção de pais, responsáveis, educadores e das próprias plataformas que veiculam esses conteúdos. Em muitos casos, esses vídeos chegam a ser direcionados até para redes de pedófilos.

A prisão de Hytalo Santos, na última sexta-feira (8), em São Paulo, intensificou o debate no Congresso Nacional sobre a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. 

O Projeto de Lei 2628/22, que define regras para proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais, está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado. A proposta abrange aplicativos, jogos e redes sociais.

O texto obriga produtos e serviços de tecnologia a impedir o uso por menores quando não forem adequados, além de prevenir práticas como bullying, exploração sexual e padrões de uso que possam gerar vícios ou transtornos. Também exige controle parental para limitar conteúdos, restringir a comunicação entre adultos e menores e regular o tempo de uso.

“As mudanças buscam a segurança no uso das redes, respeitando a autonomia e o desenvolvimento progressivo do indivíduo”, afirmou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), autor da proposta, segundo informações da Agência Câmara de Notícias.

Letramento digital

Jaime Ribeiro, CEO da Educa Saúde Emocional, escritor e pesquisador das relações humanas na era digital, afirma que é fundamental desenvolver letramento digital para que a internet seja usada com sabedoria. No entanto, ele defende que crianças não devem ter perfis em redes sociais, mesmo que fechados ou monitorados pelos pais.

“Muitos pais acreditam que as crianças sabem usar a internet apenas porque digitam rapidamente ou dominam a experiência do usuário nos aparelhos. Mas isso não é aprendizagem digital”, explica Jaime.

Segundo ele, crianças e adolescentes precisam compreender o que estão consumindo e os riscos digitais associados, reforçando a importância de estimular o pensamento crítico para distinguir conteúdos nocivos de seguros.

“O segundo ponto é regular. As plataformas devem ter limites claros e responsabilidade legal pelo conteúdo que chega aos menores. Não se trata apenas de influencers ou criadores de conteúdo — as próprias plataformas têm essa obrigação. O caso do Felca mostra que elas conseguem fazer curadoria do que é positivo; portanto, também podem filtrar conteúdos nocivos”, completa Jaime Ribeiro em entrevista à coluna Enem e Educação.

 

Fábio Porto
Jaime Ribeiro, CEO da Educa Saúde Emocional, escritor e pesquisador das relações humanas na era digital - Fábio Porto

Diálogo com as famílias

Ainda segundo o levantamento da TIC Kids Online Brasil, o celular permanece como o principal dispositivo de acesso à internet pelos usuários de 9 a 17 anos (98%). Para 77% dos usuários de internet de 9 a 17 anos das classes DE, o telefone celular foi o único dispositivo de acesso à rede.

Para a educadora infantil e neuropsicopedagoga Lucyana Beltrão, supervisora do Ensino Fundamental I e II da Escola Vila Aprendiz, a instituição da Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas, é uma medida importante. No entanto, ela ressalta que a redução do tempo de tela — e, consequentemente, do acesso a determinados conteúdos — depende de um trabalho conjunto com as famílias dos estudantes.

"Precisamos proteger e garantir a infância em todas as suas etapas, incluindo o aspecto social, que envolve o brincar com os colegas e a relação olho no olho. Aqui na escola, já não permitíamos o uso de celular muito antes da lei. Por isso, criamos espaços para que as crianças possam desenvolver habilidades motoras, lúdicas e criativas", afirmou Lucyana em conversa com a coluna Enem e Educação.

O acesso de crianças e adolescentes às redes sociais e os impactos desse uso também têm sido tema recorrente no diálogo com os pais. "Temos conversado sobre como isso compromete o desenvolvimento pedagógico. Trazemos falas de neurocientistas e psicólogos para mostrar os efeitos do uso excessivo de telas no cérebro infantil, como parte desse trabalho de conscientização", explica a educadora.

Lucyana acrescenta que, mesmo fora da escola, quando não há limites bem definidos, é possível perceber mudanças no comportamento das crianças, como inquietação e dificuldade de concentração.

Nesse contexto, estimular os alunos a desenvolver o pensamento crítico diante dos assuntos mais repercutidos na internet e nos meios de comunicação torna-se ainda mais relevante. Na Escola Vila Aprendiz, essa proposta se materializa na disciplina Conecta Mundo, que promove debates em sala de aula sobre temas atuais — como a exposição nas redes sociais e a circulação de fake news.

 

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