Inclusão escolar em Pernambuco: os desafios para estudantes neuroatípicos

O Debate da Super Manhã, da Rádio Jornal reuniu especialistas para refletir sobre os desafios e caminhos para a inclusão educacional no estado

Por Mirella Araújo Publicado em 18/08/2025 às 14:58 | Atualizado em 18/08/2025 às 15:04

Clique aqui e escute a matéria

A oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) de qualidade, que realmente contribua para tornar o ambiente escolar inclusivo, enfrenta gargalos persistentes, especialmente quando não há uma integração entre as áreas de saúde e educação. 

Em Pernambuco, 87% dos diretores de escolas públicas afirmam ter alunos neuroatípicos matriculados. No entanto, apenas 52% dizem conseguir oferecer o AEE a todos os estudantes que dele necessitam.

O dado é resultado de um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), que aplicou cerca de 11 mil questionários a profissionais da educação em 828 escolas públicas (estaduais e municipais) de 13 municípios que representam as 16 Gerências Regionais de Educação (GREs).

Esse foi o foco do Debate da Super Manhã, da Rádio Jornal, que abordou o tema "Alunos neuroatípicos: as escolas de Pernambuco estão preparadas?". A discussão reuniu especialistas para refletir sobre os desafios e caminhos para a inclusão educacional no estado.

Um dos pontos de partida para abordar esse tema é compreender o termo neuroatípico, utilizado para se referir a pessoas cujo desenvolvimento neurológico ou cognitivo difere do que é socialmente considerado “típico”.

Para desmistificar o conceito, a psicóloga, especialista em Educação Especial e Neurociência, e psicopedagoga do Projeto Cuidando das Borboletas da UNIFAFIRE, Pompeia Maltese, explicou que o termo neuroatípico está inserido no movimento da neurodiversidade, que surgiu e se expandiu a partir da década de 1990.

Pompeia ressalta que, embora classificações como o CID e o DSM-5 ainda sejam necessárias — especialmente por razões neurobiológicas —, o mais importante é enxergar o sujeito por trás da classificação.

O movimento da neurodiversidade busca substituir termos como “normal” e “anormal” por “típico” e “atípico”, em uma tentativa de valorizar a eficiência das capacidades individuais. “Alguns sujeitos, apesar de certas diferenças — ou, digamos assim, manifestações — eram vistos como incapazes. E isso já vem mudando bastante. Hoje sabemos que todos têm limites, e que esses limites não definem a capacidade das pessoas”, afirmou a psicóloga.

“Existem, sim, nuances — principalmente quando se trata de aprendizagem, que é sempre uma questão muito controversa ao se falar de pessoas neuroatípicas”, completou. 

 

A escola como espaço de aprendizagem 

A inclusão de alunos neuroatípicos exige compromisso contínuo com políticas públicas, formação de profissionais, adequações estruturais e colaboração entre todos os atores sociais: escola, Estado e família.

Para Sunnye Rose, gerente de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação de Pernambuco (SEE-PE), o desafio vai muito além de simplesmente abrir as portas da escola.

“É preciso acolher todas as diversidades e dar condições reais para que esse estudante possa crescer e aprender, independente da sua condição”, defendeu.

Ela reforça que a escola não é um espaço de reabilitação ou tratamento, mas sim de aprendizagem. No entanto, é papel da escola fortalecer a família e orientá-la para que busque os serviços complementares necessários:

“A família também faz parte do processo de inclusão. Ela precisa ser trazida para dentro da escola. Incluir o estudante público-alvo da educação especial é, também, incluir sua família — escutá-la, orientá-la, fortalecê-la nas fragilidades.”

Durante o programa, Sunnye destacou avanços na rede estadual, como a contratação de intérpretes de Libras, instrutores, brailistas e professores de AEE por meio de seleção simplificada. Profissionais do cadastro reserva também foram convocados, garantindo a continuidade dos serviços.

Ela citou, ainda, a formação recente de 280 profissionais de apoio escolar e 140 professores de AEE, atuantes no Agreste Meridional e nos Sertões. Atualmente, cerca de 79% das escolas da rede estadual oferecem todos os atendimentos educacionais especializados, em sua maioria por meio de salas de recursos multifuncionais.

Segundo a gestora, conforme estabelece a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), as escolas têm respaldo legal para garantir profissionais de apoio sempre que necessário, respeitando os critérios da legislação.

“A educação especial precisa ser compreendida como uma modalidade transversal, que valida e respeita todas as suas especificidades, desde os anos iniciais até todas as etapas e modalidades do ensino”, concluiu.

Responsabilidade compartilhada e o futuro da inclusão

O advogado Franklin Façanha, especialista em direito dos autistas e fundador do Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos dos Autistas (IBDDA), defende que a inclusão é uma responsabilidade compartilhada entre a família, o Estado e a sociedade.

Um ponto crucial destacado por ele é que não se exige laudo médico para que a escola faça as devidas adaptações pedagógicas. Segundo Franklin, a Lei Brasileira de Inclusão (2015) mudou o paradigma da deficiência, permitindo que o AEE atue a partir das necessidades observadas no processo de aprendizagem, sem depender de um diagnóstico formal — conforme previsto também na Resolução nº 4/2014 do Conselho Nacional de Educação.

Ele explica ainda que o modelo biopsicossocial, que vem sendo implementado no Brasil, considera a deficiência a partir de impactos nas esferas biológica, psicológica e social. Quando há interferência nessas três dimensões, a escola tem o dever de agir.

“Porque, por exemplo, na psicologia se diz que os transtornos geralmente vêm em ‘duplinha’. Então, meu filho, por exemplo, tem autismo, TDAH, TOD... ele tem várias outras condições associadas. E mesmo que essas condições não sejam legalmente categorizadas como deficiência, a pessoa pode, sim, precisar de adaptações — porque isso afeta todo o seu eixo enquanto ser humano: o biológico, o psicológico e o social", explica. 

"Isso é algo que a gente precisa ter muito claro, porque o acesso à saúde e a dificuldade na articulação entre os setores é enorme. Para conseguir um laudo médico ou uma consulta com um neuropediatra ou psiquiatra pelo SUS, pode-se esperar de 18 a 24 meses. E nesse tempo, a pessoa está se desenvolvendo — o tempo passou. Então, essa dificuldade não pode ser usada como justificativa para negar a adaptação. A adaptação tem que vir da necessidade, da individualidade daquele ser humano", afirma o advogado.

Apesar de reconhecer os avanços na rede estadual, o advogado chama atenção para os gargalos nos municípios, sobretudo pela falta de profissionais de apoio, infraestrutura adequada e articulação intersetorial. Ainda assim, ele destaca avanços significativos que partem justamente da educação pública.

“Sou um defensor ferrenho da escola pública, porque entendo que o modelo de inclusão vai surgir dela. Todos os esforços empregados na escola pública acabam sendo replicados na escola particular”, afirmou.

Compartilhe

Tags