Mozart Neves Ramos: Um facho de esperança para a primeira infância
Segundo James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, a cada dólar investido nessa etapa da vida da criança, o retorno é de 7 dólares para o país.

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Já há algum tempo as pesquisas vêm mostrando a importância de investir na primeira infância – etapa dos 0 aos 6 anos de idade –, como alicerce para o desenvolvimento pleno de nossas crianças. Crianças, jovens e adultos de todas as idades respondem a tratamentos, atenções e estímulos. Entretanto, como demonstram os neurocientistas, em nenhuma outra fase da vida as respostas são tão rápidas, amplas e intensas quanto as que ocorrem na primeira infância. James Heckman – Prêmio Nobel de Economia – é um dos fervorosos defensores desse investimento. Segundo ele, a cada dólar investido nessa etapa da vida da criança, o retorno é de 7 dólares para o país. Por isso, entendo que foi de suma importância para o futuro do Brasil o recente lançamento pelo governo federal da Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI).
A sociedade civil deu sua contribuição mediante a produção de estudos e pesquisas, além de um forte trabalho de advocacy. Aqui cito duas instituições: a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) e o Todos Pela Educação. Apesar disso, entendo também que isso é apenas o ponto de partida, pois os desafios para que essa política saia do papel são muitos e com diferentes níveis de complexidade. Dentre esses desafios, começo dizendo que é preciso que a governança seja eficiente e empoderada, e por isso não pode ficar por conta de um ou outro ministério, e sim ao lado da Presidência da República, por se tratar de uma política intersetorial. Estabelecer metas a serem cumpridas e monitorá-las é outro aspecto relevante, estipulando responsabilidades claras para todos os envolvidos.
Além das questões vinculadas à governança, outro aspecto preocupante é a visão das pessoas em nosso país sobre a primeira infância – tomando aqui como exemplo a recente pesquisa encomendada pela FMCSV ao Datafolha. Apenas 15% da população brasileira consideram que essa fase da criança seja fundamental para seu desenvolvimento físico, emocional e social, ao passo que para 41% isso só ocorre a partir dos 18 anos. Uma parcela expressiva da população não tem consciência da importância da primeira infância para a vida futura da criança.
Colocar em prática a intersetorialidade é um grande desafio em um país de tamanho continental e federativo como o Brasil. Como chamou a atenção o editorial do Correio Braziliense: “Primeira infância: para articular, tem que incluir”. São 18 milhões de brasileirinhos que podem ser beneficiados por essa política, se bem executada e com qualidade. Por exemplo, o que fará a escola diante da constatação de uma carteira de vacinação desatualizada Ou quando perceber que a infecção persistente é devida à falta de saneamento básico, já que 35% das crianças de até 6 anos vivem em locais sem rede de esgoto no Brasil?
O atendimento de crianças de 0 a 3 anos chegou a 41,2% em 2024, muito distante da meta de 50% prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). O Brasil teve aumento da desigualdade entre ricos e pobres no acesso à creche: enquanto os mais pobres têm um atendimento de 30,6%, o dos mais ricos chega a 60%, de acordo com o recente estudo do Todos Pela Educação intitulado “Panorama do acesso à Educação Infantil no Brasil”. Os desafios, como disse, são muitos, porém o importante é que o país acordou para o esforço de implementação de uma política nacional integrada para a primeira infância. A universidade do SUS emprega uma frase que casa muito bem com a primeira infância: “Cuidando enquanto educa, educando enquanto cuida”.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.