História de Pernambuco: proposta prevê ensino obrigatório nas escolas e protagonismo no currículo escolar
Especialistas defendem protagonismo da identidade e cultura pernambucanas no currículo escolar, com destaque para formação dos docentes

O Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Educação do Estado (SEE-PE), encaminhou ao Conselho Estadual de Educação o pedido de resolução para que o ensino da história de Pernambuco passe a ser disciplina obrigatória na grade curricular das escolas públicas e privadas.
Berço de movimentos revolucionários na formação do país, de manifestações culturais singulares e de lutas por liberdade, a história de Pernambuco é, muitas vezes, pouco explorada nos livros didáticos tradicionais.
Dentro da matriz curricular do Ensino Fundamental, a proposta é que, a partir de 2026, a disciplina passe a contar com três aulas semanais — em vez das atuais duas — aumentando a carga horária de 25 horas/aula para 30 horas/aula e viabilizar a inclusão da História de Pernambuco no cronograma das escolas regulares.
No caso do Ensino Médio, que também já passou por uma ampliação na carga horária na área de Ciências Humanas, com a reforma do Novo Ensino Médio, a proposta é de que a disciplina História de Pernambuco seja ofertada como componente eletivo em 2026.
“O que nós buscamos é ampliar o entendimento da história do nosso estado entre os estudantes. Um exemplo claro da necessidade disso é a celebração da Data Magna, que acabou virando meme na internet — conhecida até como ‘Data Maga’. Muitos alunos, no entanto, ainda não compreendem o real significado desse marco”, explicou Eduardo Andrade, gerente geral dos anos finais do Ensino Fundamental da SEE.
Segundo ele, o objetivo maior é que os estudantes se apropriem da história de Pernambuco, reconhecendo o estado como pioneiro nos movimentos sociais.
“Que possamos nos tornar cada vez mais bairristas, compreendendo de onde viemos, quais são as nossas raízes. E que isso nos permita ampliar também as discussões sobre a negritude, os povos indígenas, a história da arte em Pernambuco e os movimentos culturais, que vêm sendo apagados da memória do nosso povo”, afirmou Eduardo a coluna Enem e Educação.
Professores terão formação e material pedagógico será distribuído nas escolas
A previsão da SEE é que em setembro, os professores da rede estadual e municipal de ensino passem por uma formação com foco nessa temática, que já vem sendo abordada nas escolas públicas, mas inda de forma não obrigatória.
Além disso, está em produção um material didático específico, que servirá como apoio pedagógico nas aulas de História a partir do próximo ano.
O historiador e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Mário Ribeiro dos Santos, responsável pela coordenação do conteúdo, conversou com a coluna Enem e Educação sobre o processo de elaboração do material, que deverá resultar em 16 cadernos.
O trabalho conta com a colaboração de 15 professores da Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e da Unifesspa.
“Nós precisávamos desenvolver um material que abordasse a história de Pernambuco a partir de perspectivas não eurocêntricas. Quando a nossa história aparece, ela é tratada, principalmente, no período colonial, com foco no ciclo do açúcar, nas invasões holandesas e nos movimentos de libertação até o início do século XIX. Depois disso, praticamente não se fala mais sobre Pernambuco”, explicou o professor Mário.
Uma das propostas dessa nova abordagem é enfatizar o protagonismo periférico, com evidências históricas presentes nos guetos, nas comunidades quilombolas e nos aldeamentos indígenas — trazendo à tona os movimentos sociais, culturais e políticos vivenciados do Litoral ao Sertão.
“Todos esses movimentos traduzem nossa identidade e revelam histórias pautadas na perspectiva da diversidade. É isso que queremos trabalhar”, destacou o coordenador do projeto.
Iniciativa traz reflexões e inquetações sobre a introdução da disciplina nas escolas
A coluna Enem e Educação conversou com professores de História sobre a proposta do Governo do Estado para saber quais reflexões e inquietações a medida tem despertado.
Para o historiador e professor Alex Ribeiro, é fundamental trazer a discussão da história local para dentro da sala de aula, como um componente essencial na formação dos jovens pernambucanos. “O material didático voltado para estudantes do Ensino Médio ainda carece de profundidade sobre a história de Pernambuco. Os livros utilizados, por exemplo, costumam abordar temas de alcance mais nacional”, pontuou.
Ribeiro também destacou que a iniciativa precisa estar alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ao currículo da Rede Estadual, por meio de análises técnicas, transparência e, sobretudo, uma fundamentação pedagógica consistente com a carga horária dos professores.
“As universidades e as redes estaduais de ensino também precisam manter um diálogo contínuo para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem. Isso contribui para o aprofundamento das temáticas relacionadas à disciplina”, afirmou Alex Ribeiro.
O professor doutor Arthur Lira, da Escola Técnica Estadual Chico Science (ETECS) e atual presidente da Associação Nacional de História – Seção Pernambuco (ANPUH-PE), chamou atenção para o fato de que, nos últimos anos, houve uma redução significativa na carga horária destinada à disciplina de História.
Apesar desse cenário, ele ressalta que o novo currículo estadual contempla diversos temas relacionados à história de Pernambuco.
Isso significa que os professores terão mais uma oportunidade para trabalhar essa especificidade, com o reforço na carga horária. Outro ponto positivo, segundo Arthur Lira, é que a história de Pernambuco já está presente nos currículos das principais universidades do estado, com foco em suas particularidades históricas e historiográficas. A inclusão da disciplina nas escolas, portanto, estabelece um diálogo importante com a produção acadêmica que já vem sendo desenvolvida.
"A minha maior preocupação é com a separação entre História e História de Pernambuco, como se fossem duas coisas distintas — e isso pode nos levar a uma armadilha: a de considerar que a história do Rio de Janeiro e de São Paulo é 'nacional', enquanto a de Pernambuco seria apenas 'local'. Quando, na verdade, a nossa história está inserida em um contexto não só nacional, mas também global. Precisamos dar o devido protagonismo a ela, e isso exige informações específicas", afirmou Arthur Lira.
O Conselho Estadual de Educação tem um prazo de 30 dias para aprovar — ou não — a proposta de inclusão da disciplina História de Pernambuco no currículo escolar.