Com adesão à Prova Nacional Docente, estados e municípios seguem responsáveis por concurso público
Exame anual pode complementar seleção de professores, mas não substitui concursos públicos das redes estaduais e municipai, segundo eital já publicado

Embora a Prova Nacional Docente (PND) integre o pacote de iniciativas do governo federal para ampliar as alternativas de ingresso de professores nas redes de ensino, ela não substitui os concursos públicos.
A proposta é que o exame, aplicado anualmente, funcione como instrumento complementar aos processos seletivos realizados por estados e municípios que aderirem ao modelo — especialmente em um cenário de baixa frequência de concursos: a cada 7,5 anos, em média, nas redes municipais, e a cada 5 anos, nas estaduais.
O edital, lançado na última terça-feira (17), deixa claro que a inscrição na PND não elimina a necessidade de participação nos concursos ou seleções públicas promovidas pelas redes de ensino. Cada ente federativo continuará responsável por organizar seus próprios processos seletivos, definir regras, prazos, etapas complementares (como provas práticas e análise de títulos) e realizar as contratações.
Além disso, a decisão de utilizar os resultados da PND - seja como etapa única, classificatória ou eliminatória — cabe exclusivamente aos estados e municípios que fizeram à adesão.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação da PND, não participa da condução dos concursos locais, nem se responsabiliza por inscrições, cronogramas, recursos ou resultados desses certames.
Excessão que virou "regra"
Dados do Censo Escolar 2024, divulgados pelo Inep, mostram que, na rede pública estadual do Brasil, há mais professores contratados em regime temporário (50,04%) do que docentes efetivos (49,96%).
O que deveria ser uma exceção - com contratos temporários previstos apenas para casos como licenças, afastamentos por doença ou aposentadorias - tem se consolidado como prática recorrente em muitos estados e municípios.
Essa realidade fragiliza o processo de aprendizagem que exige vínculo e continuidade. Isso porque os contratos apresentam condições precárias de trabalho, com remuneração inferior, ausência de direitos e possibilidade de rescisão a qualquer momento por decisão da gestão.
"Observamos vários municípios optarem por contratos temporários e passarem mais de dez anos sem fazer concurso. Mesmo sendo denunciados por sindicatos de professores ao Ministério Público, alguns municípios ignoram. Acredito que deveria haver sanções aos que mantêm um grande percentual de professores temporários", pontuou a doutora em Educação, professora da UFPE e vice-coordenadora do curso de Pedagogia, Dilian Cordeiro.
A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe), Ivete Caetano, afirma que a entidade tem realizado uma campanha intensa pela realização de concursos públicos e avalia a PND como uma iniciativa que pode contribuir para induzir a realização desses certames, já que as políticas educacionais se constroem ao longo de um processo.
"Muitas prefeituras e muitos estados estão descumprindo a Constituição Federal, que prevê o acesso ao serviço público por meio de concurso. Inclusive, o Fundeb prevê a possibilidade de a União ajudar estados e municípios a complementar o piso, caso os entes não tenham condições. Mas os prefeitos preferem contratar professores temporários para pagarem abaixo do piso", declarou a dirigente.
Processo lento e luta por nomeações
Mesmo com a realização de concursos públicos, o processo de seleção costuma ser marcado por morosidade, especialmente na etapa final: a nomeação oficial por parte do Poder Executivo.
Em muitos casos, prefeituras e governos estaduais deixam de convocar o número necessário de profissionais para suprir o déficit nas salas de aula, ou até postergam a homologação do certame. Essa prática gera frustração para os candidatos aprovados - que ficam em situação de incerteza - e agrava a instabilidade nas redes de ensino.
Essa lentidão contribui diretamente para a ampliação dos contratos temporários, usados como solução imediata para garantir o funcionamento das escolas, mesmo que de forma precarizada. E quando se fala em precariedade, não se trata da competência e qualificação dos professores temporários, mas sim dos vínculos de trabalho sem a devida valorização profissional.
O Censo Escolar 2024 revelou que, em Pernambuco, os contratos temporários representam 52,06% do total de docentes da rede estadual, enquanto os concursados somam 46,65%.
Diante desse cenário, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) emitiu recomendação para que o governo estadual aperfeiçoe os mecanismos de planejamento e acompanhamento das metas do Plano Estadual de Educação, com atenção especial à redução do percentual de professores contratados por tempo determinado em desacordo com a legislação. A orientação é pela recomposição do quadro efetivo de profissionais.
Há também uma auditoria especial do TCE que analisa a preterição de professores efetivos em favor de contratos temporários. A Secretaria de Educação do Estado (SEE-PE) tem até o dia 10 de julho para complementar sua defesa, que será analisada antes da conclusão da auditoria.
Enquanto isso, mais de 1.700 professores do cadastro de reserva do último concurso da SEE-PE, realizado em 2022, ainda esperam ser chamados para suprir o déficit existente na rede estadual. A Secretaria afirma que o certame expirou em dezembro de 2024 e que não haverá prorrogação - que poderia ter sido feita por decreto - restando aos candidatos a judicialização do caso, como já vem ocorrendo.
Recife adera à PND
A Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Educação, afirmou ter sido uma das primeiras a aderir à Prova Nacional Docente. Segundo a pasta, a prova deverá ser utilizada - com detalhes ainda a serem definidos - como uma das etapas dos próximos certames, sejam concursos ou seleções simplificadas.
"A utilização da PND vai consolidar Recife na vanguarda das políticas públicas voltadas para a educação. Atualmente, a gestão já oferta percentuais de valorização para os profissionais que possuem especialização, mestrado e doutorado, além de permitir o afastamento temporário para estudo", disse a Secretaria, por nota, em resposta à coluna Enem e Educação.
A gestão municipal também afirmou que nomeou cerca de 1.500 novos profissionais para a rede, referentes ao concurso realizado em 2023, contemplando o cadastro de reserva. Entretanto, os aprovados relatam que ainda há vagas suficientes para que todo o cadastro seja convocado.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) encaminhou um ofício à Secretaria de Educação, com prazo de 20 dias a partir do recebimento, solicitando informações sobre as escolas com lacunas de professores, bem como os cargos vagos.
Sempre que questionada sobre a convocação dos aprovados, a Secretaria de Educação tem reiterado que os chamamentos ocorrerão de acordo com a demanda da rede.
Espera e angústia
O professor Manuel André Raimundo, candidato do cadastro de reserva, relatou que a espera pela convocação tem causado angústia não só a ele, mas a muitos colegas que precisam garantir o sustento de suas famílias, enquanto enfrentam denúncias de turmas sem professores e revezamento de aulas.
"Eu já trabalhava os dois horários, manhã e tarde, então meu único horário para estudar era à noite. Isso de segunda a sexta, e nos finais de semana eu estudava durante o dia, para fazer o concurso da prefeitura e outros concursos com edital aberto. Foram três etapas muito difíceis, com prova objetiva, prática e discursiva", contou.
"Passamos por todas essas etapas, fomos aprovados e enfrentamos essa demora toda, mesmo com a existência das vagas e a necessidade de ter professores em sala de aula. Tudo isso sem notícia nenhuma. Só dizem que vamos ser chamados, mas sem informar quantos e quando", desabafou.
O professor Marcílio José de Albuquerque, hoje efetivo da rede, também comentou sobre o processo seletivo. Formado em Pedagogia, passou dez anos no setor industrial antes de ser aprovado. Em 2012, prestou concurso para professor no Recife e chegou a ficar no cadastro de reserva, mas não foi convocado, pois a prefeitura optou por seleção simplificada. O mesmo ocorreu em Ipojuca.
"Há uma carência muito grande na rede municipal, e tem um cadastro de reserva que não vai dar conta, quando você olha assim de perto e conhece a realidade. Para professor de Educação Especial, a carência é ainda maior", relatou.