Tribunal alerta Governo de Pernambuco sobre possível irregularidade em contrato do Circuito Literário
A decisão da Primeira Câmara do TCE foi tomada após análise do pedido de medida cautelar apresentado pelo deputado estadual Waldemar Borges (PSB)

O Circuito Literário de Pernambuco (Clipe) 2025, promovido pela Secretaria de Educação do Estado em parceria com a Associação do Nordeste de Distribuidoras e Editoras de Livros (Andelivros), está sendo alvo de questionamentos por parte do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).
Na última sexta-feira (13), a Primeira Câmara do TCE emitiu um alerta formal à Secretaria de Educação sobre a contratação, sem licitação, da Andelivros para a execução do projeto e o repasse do chamado “Bônus Livro” - benefício financeiro concedido a professores da rede estadual para aquisição de obras literárias durante o evento.
A contratação foi realizada por meio de inexigibilidade de licitação, modalidade prevista em lei que permite a contratação direta em casos de inviabilidade de competição, como nos casos de fornecedor exclusivo.
A medida foi tomada após análise de um pedido de medida cautelar apresentado pelo deputado estadual Waldemar Borges (PSB), presidente da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Feira Literária
O Clipe é realizado em quatro edições, passando pelos municípios de Recife, Caruaru, Serra Talhada e, como novidade em 2025, Petrolina. A feira conta com um investimento total estimado em aproximadamente R$ 4,7 milhões, dos quais R$ 3,1 milhões são repassados pelo Governo do Estado à Andelivros.
A associação é responsável por uma contrapartida financeira de R$ 1,5 milhão, destinada a cobrir os custos das quatro edições do evento nas diferentes regiões do Estado. Os recursos são aplicados na montagem da estrutura física e operacional das feiras, incluindo serviços de segurança, limpeza, recepção ao público, além da contratação de palestrantes, artistas e convidados.
Durante o evento, servidores efetivos e contratados que estejam em pleno exercício de suas funções na SEE podem adquirir livros e materiais didáticos por meio do Bônus Livro, regulamentado em maio deste ano. O benefício é disponibilizado por meio de um cartão magnético, intransferível e personalizado com a identificação do servidor.
Em 2025, o valor do benefício foi reajustado: professores passaram a receber R$ 1.045,60 (anteriormente R$ 1.000), enquanto analistas e assistentes recebem R$ 522,80 (antes, R$ 500). Segundo o Governo do Estado, a iniciativa beneficia diretamente cerca de 40 mil docentes e profissionais da rede estadual.
Auditoria Especial em andamento
O relator do processo, conselheiro Rodrigo Novaes, negou o pedido de suspensão do contrato, considerando o risco de paralisação do evento, que já passou por dois municípios (Serra Talhada e Caruaru) e tem programação em andamento (em Petrolina).
Ele afirmou ser necessária uma apuração mais aprofundada dos pontos elencados na nova representação e determinou o envio do caso à Auditoria Especial (TC nº 241000699-5) que já está em andamento, sobre à edição anterior do mesmo projeto.
Entre as questões levantadas pelo TCE, está o fato de que não foram localizados documentos obrigatórios como o plano de trabalho e o termo de fomento da parceria com a Andelivros, impedindo a verificação da suposta singularidade do projeto – exigência legal para que a contratação direta sem chamamento público seja válida.
Sobre a execução do Bônus Livro, consta na decisão do relator que, embora considere legal, em princípio, a concessão benefício financeiro destinado a servidores da Secretaria de Educação, a auditoria apontou algumas "falhas não esclarecidas, que envolvem desde a limitação geográfica do evento até a ausência de mecanismos de controle de preços.
Entre os principais pontos destacados estão:
- Ausência da alegada capilaridade do evento Clipe, já que o evento ocorre em apenas 4 municípios do estado, o que pode penalizar servidores que não estão lotados nos municípios em que as etapas da feira são realizadas;
-A eventual perda por parte do servidor do benefício, caso não use o seu benefício na Clipe, já que não foi apontado um evento alternativo;
- Não existem regras sobre os valores cobrados pelos expositores, nem garantias de descontos para os servidores.
- Alto valor de recursos destinados à compra de livros, sem licitação ou qualquer outro procedimento e sem menção à taxa de desconto a ser praticada durante o evento
Com a emissão do alerta, os responsáveis não poderão alegar desconhecimento da situação em eventuais defesas futuras, ficando sujeitos a penalizações. Se forem confirmadas falhas como a ausência de chamamento público e preços acima do mercado, o gestor responsável poderá ser penalizado com multa e obrigado a ressarcir os cofres públicos.
Resposta da SEE-PE
A coluna Enem e Educação entrou em contato com a Secretaria de Educação do Estado, nesta quarta-feira (17), solicitando esclarecimentos sobre as supostas irregularidades apontadas pelo Tribunal no âmbito do Clipe e da concessão do Bônus Livro.
Por meio de nota, a Secretaria afirmou que recebeu com atenção o alerta emitido pelo órgão de controle.
“Nesse contexto, é importante destacar que, conforme registrado na própria análise do TCE-PE, não foi possível concluir com certeza pela existência de direcionamento na utilização do Bônus Livro, nem se comprovou de forma inequívoca qualquer irregularidade, razão pela qual não houve a concessão de medida cautelar por parte do Tribunal”, diz o texto.
A SEE também esclareceu que o decreto que regulamenta o programa estabelece, em seu Art. 3º, que o Bônus Livro “só terá validade no período de realização da(s) feira(s) de livros apoiada(s) ou realizada(s) pela SEE, com utilização limitada ao local da(s) feira(s), durante o período do evento”, conforme a Lei nº 18.410, de 2023.
“Ou seja, diferentemente do que foi questionado, o bônus não é vinculado exclusivamente à Andelivros, visto que a legislação define que ele só tem validade em feiras apoiadas ou promovidas pela Secretaria de Educação”, destacou a pasta.
A Secretaria informou ainda que já encaminhou ao TCE-PE o termo de fomento pactuado, além de todas as informações solicitadas, “não se eximindo de qualquer questionamento”.
Sobre a suposta vinculação entre o Bônus Livro e eventos organizados exclusivamente pela Andelivros, a pasta argumentou que a proposta do programa é incentivar o acesso a livros por meio de eventos realizados por entidades legalmente constituídas e que atendam aos critérios da Lei do Bônus Livro. Segundo a nota, essa estratégia tem permitido ampliar o alcance da política pública junto à comunidade escolar.