Cena Política | Análise

Igor Maciel: Perigo é o Brasil acreditar na imprensa americana e achar que venceu

No mesmo dia: jornais e revistas dos EUA trataram Brasil como herói da resistência. Logo depois, levamos duas porradas com Lei Magnitsky e taxação

Por Igor Maciel Publicado em 30/07/2025 às 20:00 | Atualizado em 31/07/2025 às 6:46

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Por muito tempo, o Brasil foi visto lá fora como um país de fala mansa. Um gigante adormecido que, diante das potências globais, preferia operar abaixo dos radares, usando muito mais a diplomacia do que a força. Isso ajudou a construir uma fama de inofensivo sobre a superfície da política e ágil do ponto de vista comercial. Sem brigar com ninguém ou tomar partido, é possível vender para todos os lados de uma contenda e não ter problemas com ninguém. Isso pode ter acabado.

A crise comercial deflagrada pelas tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos nesta quarta-feira (30) tem suscitado uma visão diferente. A imprensa internacional, acostumada a retratar o Brasil como país periférico, agora enxerga outro movimento: "o de uma nação que reage, articula e não foge do embate".

A questão crucial é se temos bala na agulha para sustentar essa imagem de gigante rebelde que os jornais e revistas americanos estão retratando. Não temos. E a verdade é que esses veículos tradicionais da imprensa internacional parecem mais empolgados até do que nós mesmos. Perigo é tentarmos acreditar nisso.

Washington Post

Washington Post, jornal de linha editorial tradicionalmente mais conservadora e historicamente próxima da lógica geopolítica norte-americana, destacou o momento. Em reportagem publicada neste mês, o jornal afirma que “o Brasil parece preparado para resistir (…) as exportações aos EUA representam apenas 1,7% do PIB brasileiro”. Diz ainda que "o Brasil não é mais economicamente submisso".

E mais: “O governo Lula rejeitou a justificativa de Trump e prometeu uma resposta firme, sem recuar no processo contra Bolsonaro”. Um recado direto de que não haverá barganha com a Justiça.

Resiliência como marca

A New Yorker, com seu texto mais analítico, cravou, pouco antes de Trump assinar uma ordem executiva com a confirmação da taxa de 50%: “Apesar da ameaça econômica, a resposta do Brasil foi resiliente e unificada”.

O reconhecimento é de que "há coesão institucional em um país que, mesmo com ruídos internos, sabe reagir quando está sob ataque externo". A mesma matéria cita que “Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, como retaliação ao julgamento de seu aliado Jair Bolsonaro”, num tom de denúncia de que "a decisão tem mais motivação política do que econômica".

Visão global se amplia

No Financial Times, uma carta do ex-embaixador Jorge Heine destaca: “O Brasil resistiu à pressão dos EUA e rejeitou as ameaças de tarifas, mesmo com os americanos tendo superávit comercial de US$ 7,4 bilhões em 2024”.

Diz ainda: "A desigualdade da balança comercial mostra que o Brasil não é o agressor. É, na verdade, o alvo. E mesmo assim, mantém a altivez".

Na quarta-feira (30), poucas horas antes de Trump assinar suas sanções, o New York Times publicou na sua página principal uma longa entrevista com o presidente Lula (PT). Com frases fortes e tom nacionalista, o petista admitiu negociar, mas exigiu "respeito".

Times

O New York Times abriu o texto com uma frase de impacto: "O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, está indignado".

A publicação continua: “Tenham certeza de que estamos tratando isso com a máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência...()...Trato a todos com muito respeito. Mas quero ser tratado com respeito também.”, completa a reportagem.

O jornal, que talvez seja o mais conhecido no mundo, assumiu posição durante as eleições norte-americanas e ficou contra Trump. Talvez por ser declaradamente de oposição, o Times não "economizou nas tintas" (expressão que entrega minha idade).

A entrevista com Lula mereceu duas postagens de conteúdo bastante extenso e muito elogiosa à coragem e resistência do Brasil. E é aí que entra a necessidade de precaução brasileira.

Cautela

A imprensa estrangeira está alardeando a "descoberta" de "um novo lugar" que o Brasil ocupa nas relações internacionais. A ideia é dizer que deixamos de ser o país que reage com atraso para nos tornarmos "protagonistas". Até aí está tudo muito bem, tudo muito bom. É bonito ser reconhecido dessa forma. Mas o empolgado sempre morre mais cedo.

É que, de tanto ser empurrado para cima, o sujeito empolgado demais esquece que precisará descer em algum momento e sai de casa sem paraquedas na bagagem.

Ou, como disse uma fonte fiel da coluna: "esses jornais estão desse jeito porque, no fim, quem vai levar a porrada não são eles, somos nós".

A aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes é um exemplo de que sempre há como os EUA complicarem um pouco mais a nossa vida. A confirmação da taxação de 50% por Trump no fim do dia de elogios da imprensa ao Brasil é outro. Não dá para se empolgar muito.

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