Cena Política | Análise

Lula parece estar cansado de ser chefe de governo e resolveu viajar

O presidente poderia, ao menos, abrir mão de metade do salário e dos custos que o país tem com ele. Ajudaria bastante no esfarrapado orçamento.

Por Igor Maciel Publicado em 19/05/2025 às 20:00

No presidencialismo brasileiro, o sujeito escolhido pelos eleitores para ocupar o cargo de chefe do Executivo tem duas funções básicas, como chefe de governo e chefe de estado.

Chefiando o governo ele é responsável pela administração da máquina pública do país, do planejamento e execução de projetos, além das articulações políticas de equilíbrio entre os poderes. Já a chefia do estado diz respeito à representação do país na comunidade internacional e à unidade dos territórios do país, como um ponto acima de todos os estados que simboliza o Brasil de norte a sul e de leste a oeste.

Lula foi eleito para atuar nessas duas frentes e até tentou fazer o papel de chefe de governo, mas parece ter jogado a toalha e decidiu ficar como chefe de estado apenas, representando o país fora, viajando como se não houvesse amanhã. Não parece estar disposto a resolver os problemas internos do país e, ainda assim, apresenta-se para a reeleição.

Cansei

A bem da verdade, Lula tentou governar mas esbarrou em alguns obstáculos. O maior deles foi a estrutura de empoderamento do Congresso Nacional que aproveitou a crise e a falta de habilidade política do governo Bolsonaro (PL) para tomar conta de uma fatia imensa do orçamento através de emendas. Quando tentou conversar com o Legislativo para apresentar suas prioridades, o petista descobriu que os deputados e senadores esperavam apenas o dinheiro, porque quem manda na pauta são eles.

Sem protagonismo para tomar as rédeas do país, brigou como podia, esperneou, tentou represar os repasses aos parlamentares, usou a Justiça para desbloquear o orçamento, reclamou do tempo, da temperatura, do Banco Central, das “elites” e da bolsa de valores.

Até que cansou. E decidiu que ia viajar.

Meses fora

Ao todo, apenas neste terceiro mandato, Lula já passou mais de três meses fora do país em viagens oficiais. Até o momento em que este texto estava sendo escrito, o presidente ficou 106 dias viajando, desde primeiro de janeiro de 2023. No total foram 27 viagens oficiais com 34 países visitados.

No primeiro ano, Lula passou 62 dias fora do país. A justificativa era que precisava “reintroduzir o Brasil na comunidade internacional” depois do isolamento promovido pelo antecessor.

Em 2024 o presidente tentou governar e ficou “apenas” 26 dias viajando.

Mas 2025 já começa a chamar atenção. É que em apenas seis meses ele vai quase igualar as ausências do ano anterior. Com as viagens para Canadá e França, previstas para junho, Lula terá se ausentado do Brasil por no mínimo 23 dias. E ainda terá o resto do ano para novas viagens.

Como é véspera de ano eleitoral, essa ausência reiterada dá indícios de que o presidente tenta compor uma imagem de estadista, representante brasileiro para o mundo, que sirva como uma aposentadoria no caso de não tentar a reeleição.

Voando

Chama atenção a sequência destes primeiros seis meses de 2025. Ele praticamente emendou um voo no outro.

Desde que o Papa Francisco morreu, por exemplo, há menos de um mês, o chefe de estado brasileiro já esteve em Roma, na Rússia, na China e no Uruguai. Esta última também foi para um funeral.

O que impressiona não é só o vai e volta internacional, mas sua comitiva, digna de uma monarquia transportando uma corte. Quando foi ao Japão e ao Vietnã, em março, Lula levou 220 pessoas e os pagadores de impostos gastaram cerca de R$ 4,5 milhões, segundo um levantamento do jornal Estado de São Paulo.

Na viagem para a Rússia e para a China foram mais 120 integrantes na comitiva, com uma nova polêmica: a primeira-dama, Janja, viajou no dia 3 de maio enquanto o marido desembarcou apenas no dia 7. Os custos com a primeira-dama, que teria agenda lá antes do presidente, não foram detalhados.

Metade

Que Lula está cansado, é visível. Após dois mandatos completos, todo o desgaste dos anos Dilma, operações policiais e uma prisão que durou quase dois anos, o petista assumiu o governo acreditando que poderia apenas reeditar as fórmulas de 20 anos atrás para ter sucesso absoluto e entregar a gestão para um sucessor criado em seus domínios para 2026.

Essa também era a ideia dos auxiliares, já que todos, cedo ou tarde, entraram em algum conflito interno buscando se afirmar como o futuro entre os petistas. E todos deram com a cara na parede, porque o único candidato com grandes chances de vitória entre todos hoje ainda é Lula. O país está completamente diferente do que os petistas esperavam, as relações econômicas e sociais mudaram.

O Partido dos Trabalhadores descobriu, às custas do pagador de impostos, que os trabalhadores mudaram no Brasil e não querem mais as mesmas coisas do início deste século.

Foi ao perceber isso que Lula parece ter jogado a toalha para dar conta de apenas 50% de sua função. O problema é que o país continua tendo muitas questões de governo para resolver e alguém precisa tomar conta da "loja".

O presidente poderia, ao menos, abrir mão de metade do salário e dos custos que o país tem com ele. Ajudaria bastante no esfarrapado orçamento.

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