Acabar a reeleição é necessário, mas vai ser pouco se ficar apenas nisso
O Brasil está para acabar com a reeleição, mas precisa pensar em como reequilibrar a relação entre os poderes com uma reforma bem mais ampla.

Nos próximos dias o Congresso pode votar o fim da reeleição para cargos do Executivo. A Proposta de Emenda à Constituição altera a lei para determinar a inelegibilidade para o mesmo cargo dos chefes do Poder Executivo no período subsequente e definir seus mandatos em cinco anos. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A ideia é que, a partir de 2030, todos os que estiverem nos cargos de prefeito, governador e presidente sejam impedidos de tentar um novo mandato seguido. Todo mundo que for eleito em 2030 teria também o período ampliado, ao invés dos quatro anos seriam cinco.
A chance de a matéria ser aprovada na Comissão é grande. Depois virá uma batalha no plenário. Caso tenha sucesso, será o fim dessa coisa horrorosa que se criou e atrapalhou o desenvolvimento do país nas últimas décadas, envolvido num jogo eleitoral sequenciado que nunca deixa espaço para o que realmente importa que é governar.
Teoria e prática
Na teoria, a ideia da reeleição funciona bem. É como um plebiscito de meio de mandato, em que o sujeito cumpre quatro anos de trabalho e lança seu nome para os próximos quatro, garantindo oito anos quase contínuos de realizações.
Na prática, faltou calcular nessa equação o patrimonialismo, o carreirismo aplicado à política e a capacidade que nossos eleitos têm de criarem projetos de poder pessoal e partidário sempre muito mais importantes do que a busca pelo benefício coletivo. A verdade é que a reeleição no Brasil não produziu nada realmente bom.
Foi algo pensado para atrasar a eleição de Lula (PT) em 1998, garantindo que FHC seguisse na presidência, mas o benefício da época acabou se traduzindo em prejuízo para o país por quase três décadas seguintes, incluindo quatro mandatos de dois presidentes petistas na sequência.
Palhaço
Ao invés de tempo para realizar projetos durante a gestão, como era esperado, o que tivemos foi a criação de uma sequência mesquinha que funciona assim: o sujeito é eleito e já começa a planejar a reeleição no primeiro dia de mandato. Delega tudo o que acontecer de ruim à “herança maldita”, sai cooptando o legislativo em troca de apoio, comete alguns benefícios bem demagógicos de fachada e gasta rios de dinheiro público para fazer propaganda deles, depois pede votos garantindo que “a mudança só começou”.
Ao ser reeleito, o sujeito delega o governo a dois ou três auxiliares de confiança, pensando na sucessão, enquanto já se lança em busca de outro desafio, num cargo maior. E o eleitor da última eleição, que já não serve para nada, fica de palhaço.
Início
O fim da reeleição, se for votado mesmo, está na lista para ser uma das mudanças mais importantes dos últimos anos promovidas pelo Congresso. Tem potencial para exercer um impacto ainda maior do que algumas reformas realizadas.
O problema é votar, porque depende de os nobres parlamentares resolverem trabalhar este ano, já que viveram este primeiro semestre como se a vida fosse uma festa e quase não trabalharam, viajando e aproveitando recessos.
Sendo votado, não pode parar por aí.
Reforma
O Brasil precisa de uma reforma política que encerre a reeleição, mas que também modifique sensivelmente as relações entre os poderes, garantindo novamente um equilíbrio que se perdeu no empoderamento financeiro excessivo do Legislativo e na reação do Judiciário.
A verdade é que o Legislativo ganhou muito poder através das emendas, mas não quer assumir as responsabilidades executivas, o ônus de quem tem a caneta.
O Judiciário, se excedeu algumas vezes para garantir a lei nessa relação, assumiu um papel de poder moderador, mas gostou tanto da função que não quer mais sair e vem trabalhando nisso como se disso dependesse a própria democracia.
Acabar a reeleição é necessário, mas vai ser pouco se ficar apenas nisso. A reforma precisa ser mais ampla. Quem vai ter coragem para bancá-la?