5 livros que moldaram Clarice Lispector — e que ela sempre voltava a ler
Esses livros não explicam Clarice Lispector, mas ajudam a entender de onde vinha sua urgência, sua inquietação e sua escrita. Confira

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Clarice Lispector raramente elencava seus livros prediletos de maneira direta. Preferia sugerir, com palavras soltas ou confissões ocasionais, que algumas leituras se tornavam obsessivas, como se a provocassem a voltar não por nostalgia, mas por inquietação.
Esses livros não eram apenas bons. Eram estranhos, vibrantes, desafiadores. Inacabados, talvez, e por isso, irresistíveis. Essas obras não eram apenas referências. Eram bússolas para dentro.
Clarice as relia não por rotina, mas porque pareciam vivas, e perigosas. Elas não formaram sua escrita no sentido tradicional, mas sim na camada invisível, onde pulsa aquilo que não se nomeia.
Cada releitura era menos repetição e mais escavação. Abaixo, uma breve viagem por esses cinco livros que, para Clarice Lispector, eram menos influência e mais necessidade.
1. O Lobo da Estepe (1927), Hermann Hesse
Harry Haller vive em crise: um homem dividido entre o instinto e a razão, entre o desprezo pela sociedade burguesa e a nostalgia por sua ordem. Ao conhecer Hermine, mergulha num mundo de delírios, música e autoconfronto. A narrativa mistura filosofia e psicodelia, como um labirinto mental onde o leitor encontra não um enredo, mas um espelho partido. Clarice o lia como quem encara a própria cisão.
2. Orlando (1928), Virginia Woolf
Orlando nasce homem, mas atravessa séculos e, certo dia, desperta mulher. Woolf transforma sua personagem em um ser imune ao tempo e às normas fixas de identidade. É uma sátira sobre gênero e uma meditação poética sobre a fluidez do eu. Clarice via nesse romance uma liberdade radical: ser múltiplo, sem pedir permissão.
3. Bliss (1920), Katherine Mansfield
Um jantar trivial. Uma mulher tomada por uma felicidade sem causa. E, ao final, um deslocamento sutil que muda tudo. Bliss é um conto sobre sensações que não cabem em palavras — algo que Clarice dominaria como poucos. A narrativa de Mansfield toca onde o silêncio fala, e isso bastava para fazê-la retornar.
4. O Retrato do Artista Quando Jovem (1916), James Joyce
Stephen Dedalus cresce entre fé e repressão, até encontrar na arte sua forma de liberdade. Joyce narra a formação de um artista desde os primeiros lampejos da infância até o salto rumo ao exílio criativo. Clarice, que também construiu uma escrita de dentro para fora, reconhecia ali o nascimento de uma voz — e o preço de mantê-la.
5. Crime e Castigo (1866), Fiódor Dostoiévski
Raskolnikov, convencido de que pode viver acima das leis morais, comete um assassinato. O que segue não é redenção, mas delírio, desespero e enfrentamento com sua própria consciência. Dostoiévski escreve a febre, a culpa e o perdão com a intensidade de um pesadelo lúcido. Clarice via nisso mais do que psicologia: um mergulho na alma exposta.