Helena Martins: uma voz ativa pela democracia e pelos direitos humanos
Todas as segundas-feiras, a Coluna João Alberto apresenta entrevistas exclusivas com personalidades de destaque na sociedade pernambucana
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Por Lara Calábria
Promotora de Justiça da Capital e atual presidente da Associação do Ministério Público de Pernambuco Helena Martins Gomes é reconhecida pela firmeza com que atua em defesa dos direitos humanos e pelo olhar sensível que leva à instituição. Recifense, é casada com Ricardo Thibau, tem três filhos, dois enteados e uma grande paixão pela arte. Helena construiu uma trajetória marcada pela coragem de enfrentar temas delicados, como o controle externo da atividade policial e o combate à violência de Estado, sem perder de vista o lado humano por trás de cada caso. Entre o rigor técnico e a sensibilidade criativa, ela revela, nesta entrevista, a mulher por trás da promotora: alguém que acredita no poder da empatia, da escuta e da transformação.
Como você escolheu seu curso universitário?
Meu curso dos sonhos era o de artes cênicas. Sempre tive vontade de fazer teatro, trabalhar com a criação de cenários ou ainda com escritos, roteiros, contos de histórias, com arte criativa. Porém na época esses caminhos enquanto formação acadêmica não eram fáceis em Recife. Então os cursos de Jornalismo e Direito se apresentaram como algo importante nas áreas de humanas em que sempre tive também vontade de atuar.
Chegou a atuar em escritórios privados?
Tive a oportunidade de estagiar em diversos órgãos, setores públicos e privados. Porém, foi no estágio do MPPE onde me encontrei…as vagas eram preenchidas por concurso e o trabalho era acompanhado de perto pelos promotores orientadores. Estagiei por 2 anos e, mesmo após a graduação, continuei voluntariamente por um tempo na instituição. Após isso, também advoguei em escritório particular e fui assessora jurídica de sindicato, até ingressar nos cargos por concurso público.
Como iniciou no cargo público?
Durante o curso de Direito, encontrei no Ministério Público o espaço que unia propósito e impacto social. Participei de grupos de estudo voltados para os concursos da Polícia Civil e do MPPE, fui aprovada em ambos e comecei como delegada antes de seguir para o Ministério Público. Desde então, voltei minha atuação para áreas ligadas à investigação criminal, onde sinto que posso transformar realidades de forma mais direta.
Quais eram suas funções no Centro de Apoio Operacional de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial?
Tinha a missão de coordenar todas as Promotorias de Justiça do estado, dando o norte aos Promotores sobre a atuação que era necessária para a instituição nas pautas da segurança pública. Fazia também a interlocução entre o MPPE e as polícias, o Poder Executivo, a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Dentro disso, trabalhamos estratégias para a diminuição da letalidade e para o combate à violência policial, com cobranças de ações efetivas e exigência na implementação de medidas por parte dos gestores, passando também por uma forte atuação na área das execuções penais, sem descuidar das tratativas em torno de questões sobre a dignidade nas condições de trabalho dos policiais.
Razão da iniciativa de investigar inquéritos de mortes de pessoas em combates com policiais?
As mortes de pessoas pela mão do próprio estado sempre me causaram profunda revolta e indignação, ainda mais porque nesse tipo de crime as investigações não eram bem feitas, sequer eram feitas. Ver que a população majoritariamente vítima desses homicídios era de pessoas jovens, negras e periféricas, só aumentou a vontade de me juntar para, dentro das possibilidades do meu trabalho, tentar dar voz a quem não tinha. Trazer para a investigação a verdade dos fatos e esclarecer como ocorreram as execuções dessas pessoas, instruindo os autos com outros meios de prova que não meramente os testemunhos dos próprios policiais envolvidos nessas mortes, é o mínimo que se espera do Estado.
Já foi taxada de ser ‘’inimiga’’ dos policiais?
Durante o tempo em que atuei no CAO do Controle Externo, fiz um trabalho técnico e profissional. Busquei melhorias para as corporações policiais, de forma a tentar contribuir com o aumento da credibilidade e da legitimidade das polícias junto à população. Sempre vi respeito e apoio por parte dos secretários da pasta da Defesa Social com o trabalho que desenvolvi. Carla Patrícia, Alessandro e Dominique, a todo tempo agiram como parceiros e reconhecedores da importância do controle externo da atividade policial por parte do Ministério Público.
Como vê a evolução da melhora da segurança pública em Pernambuco?
Reconheço melhoras, muito embora alguns entraves (a exemplo da não implementação das bodycams como uso obrigatório por parte dos policiais militares até hoje) deixem essa evolução mais lenta.
Quais os casos que mais marcaram sua vida, enquanto promotora já nesta área?
O caso Alcides (estudante de biomedicina da UFPE, filho de uma recicladora de lixo, assassinado gratuitamente no lugar de um vizinho), exemplo do quão aleatória pode ser a violência; o Caso Patrícia (cujo homicídio foi tratado inicialmente como um acidente de trânsito), vítima do quão dissimulado pode ser o feminicídio, e o Caso Camaragibe, que chocou o país inteiro com a chacina de vários membros de uma mesma família numa “operação vingança”.
Já passou por alguma situação de misoginia?
Para mim, dar continuidade ao trabalho das/os presidentes Associação do Ministério Público de Pernambuco é missão tão importante quanto prova de atletismo nas Olimpíadas, um passa o bastão para o outro fazer o trabalho crescer. A misoginia existe e está nas entrelinhas, o que dificulta, muitas vezes, a tarefa de detê-la. Mas estamos aí também para isso, para enxergar nos detalhes, fazer os contrapontos e combates necessários e assim ir ocupando, com trabalho qualificado e reconhecimento, esses lugares onde tradicionalmente é mais difícil as mulheres acessarem.
Quais são os papéis da Associação do Ministério Público?
A Associação tem inúmeros papéis. Desde o de defender os direitos e prerrogativas dos promotores/as associados/as (tanto na atuação em Pernambuco quanto em Brasília, junto à CONAMP), como também o de ser instrumento de aproximação entre o MP e os demais órgãos e entidades. São aproximadamente 40 Promotores de Justiça compondo a Diretoria da AMPPE, em diversas matérias, todos eles multiplicadores das atribuições que a associação tem. Cabe à associação também suscitar e ampliar debates sobre temas relevantes à sociedade
Tem exemplos dessas ações?
Nessa linha e dentro das atribuições, uma ação recente que começou a ser feita pela AMPPE foi a revitalização do casarão secular onde fica a sede administrativa. Além de lançar luz sobre a importância da preservação dos imóveis históricos que guardam a memória e que contam a história da cidade, queremos ampliar o uso desses espaços, tornando-os acessíveis não apenas aos associados, mas, de alguma forma, também a toda a sociedade. Chegar junto e trazer para perto, é o que se quer.
Em que áreas chegam mais queixas no Ministério Público de Pernambuco?
Embora formalmente as queixas no MPPE sejam direcionadas à Ouvidoria, acredito que sejam na área da segurança pública e algumas da cidadania.
Um líder ou pessoa que se inspira no sentido de gestão?
Gestões participativas, em que cada pessoa é vista, valorizada dentro do seu perfil e dos seus talentos, são sempre inspiradoras. Mas as melhores referências em gestão que tenho são as duas mulheres da casa de onde vim: minha mãe e minha tia, que me criaram juntas e foram os maiores exemplos de uma gestão familiar e do gosto pelo cuidado com as pessoas.
Há algum projeto de outro estado no qual se inspire e queira trazer para Pernambuco?
Acho Pernambuco bem situado enquanto Ministério Público, comparando-o inclusive no cenário nacional. Temos excelentes projetos em desenvolvimento aqui que podem ser considerados de “vanguarda” e que tem impactado positivamente a vida dos pernambucanos.
Quais são as áreas que são mais carentes de atenção em Pernambuco?
Temos grandes desafios, a violência urbana, a precariedade das moradias, a especulação imobiliária e o número alto de feminicídios, citaria como algumas que necessitam de maior enfrentamento.
Em qual escala de um ‘’problema’’ ele vira demanda do Ministério Público?
Sempre que há interesse público e coletivo, deve haver Ministério Público. Muitas vezes a população tem dúvidas sobre quando pode contar com a atuação do Promotor de Justiça, e dar esses esclarecimentos, tirar essas dúvidas, também é um trabalho que pode ser feito pela Associação.
Como ocupa o tempo livre?
Gosto de andar pelas ruas, pelo centro da cidade, olhar os casarios e pensar em tudo o que já foi vivido ali um dia. Gosto de garimpar objetos antigos (uma tia me chamava de ‘mala velha’) e recuperá-los. Gosto de arte popular, de conhecer os artistas e mestres que a fazem, gosto de decorar ambientes de forma criativa. Amo participar da vida dos meus filhos com animação, amizade e partilha. Gosto de cozinhar, viajar, receber em casa, de fazer encontros com os amigos…
Seus valores inegociáveis?
A defesa da democracia, das liberdades, o compromisso com o interesse coletivo e com a verdade.
Pensa em outro tipo de carreira, no futuro?
Sim, em várias. Penso em resgatar cada vez mais os lados lúdico, criativo, artístico e adicionar o operacional e executivo que adquiri com o tempo. Gosto de trabalhar com produção, já faço isso de certa forma. Alguma coisa boa deve vir, rsrs!
Um sonho que deseja realizar:
Morar numa casa antiga com quintal.
Um sonho que se orgulha de ter realizado:
Ter sido uma filha presente e atenta na vida das minhas “duas mães”.
Raio X
Time: Não tenho, mas meus filhos se dividem fortemente entre o Náutico e o Sport.
Lugar bonito: Catimbau.
Restaurante: Sinto falta da comida do Galo de Ouro, sob a batuta do gerente Gaudêncio.
Hobby: Escrever.
Esportes: Queimado.
Comida: Bode, guisado ou assado na brasa, tanto faz!
Inspiração : Frida Kahlo.
Livro: “A Alma Imoral”, de Nilton Bonder.
Filme: Todos os de Kleber Mendonça Filho, especialmente Aquarius, O Agente Secreto e Bacurau (este com o Juliano Dornelles).