Marília Arraes: uma vida dedicada à justiça social
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Advogada, ex-deputada federal e vice-presidente do Solidariedade Nordeste, Marília Arraes tem uma trajetória marcada pela defesa da justiça social, da igualdade e dos direitos das mulheres, causas que abraçou ainda na época da universidade. Foi vereadora do Recife, secretária de Juventude e Qualificação Profissional e autora da Lei da Dignidade Menstrual, que colocou o Brasil em destaque no combate à pobreza menstrual. Mãe de três Marias e casada com André Cacau, ela compartilha com a coluna sua trajetória, aprendizados e próximos passos.
Como surgiu seu interesse pela política?
Minha ligação com meu avô era muito grande e participar da política era também uma forma de estar perto dele. Foi a melhor escola da política, ver de perto uma das pessoas que ajudou a construir a História do Brasil, lutar por justiça e igualdade, até seus últimos dias de vida. Durante o curso de Direito, na UFPE, fiz parte do movimento estudantil e de luta pelos direitos das mulheres. No período da faculdade ainda fiz intercâmbio na Europa e, depois, já advogada, pós-graduação em Criminologia e Direito Penal pela PUC-RS. Mas, ainda assim, é na política que percebo que posso contribuir mais e melhor para mudar a realidade das pessoas e combater desigualdades.
Qual foi sua primeira lembrança com a vida pública ou política?
Ainda menina, acompanhando as campanhas e visitas do meu avô. Ver o carinho do povo com ele e como a política podia transformar vidas me marcou profundamente. Além disso, presenciei de perto os resultados de vários programas sociais instituídos em seu governo. Na época, era algo inovador e à frente de seu tempo. Hoje, serve de inspiração para diversos governantes, inclusive muitos programas sociais do próprio governo Lula.
Os maiores desafios no início da sua trajetória?
Ser mulher jovem na política ainda é um desafio enorme. Enfrentei o preconceito, a desconfiança e, muitas vezes, a falta de espaço real para debater ideias. Mas a coragem e o compromisso com o povo me fortaleceram. Além disso, jogo de cintura é bom relacionamento com os colegas, respeito a quem pensa diferente, é fundamental para que a gente supere os obstáculos e faça as articulações necessárias para destravar mudanças fundamentais na vida das pessoas. Não se faz nada sozinho.
Como era sua relação com Miguel Arraes?
Eu era sua neta mais velha e sempre tivemos uma relação muito próxima. Conversávamos bastante, até porque era do perfil dele gostar de escutar o que os mais jovens pensavam e debatiam. Realmente nossa conexão era incrível e não tenho dúvida de que foi isso que me aproximou da política. Principalmente porque foi na minha adolescência que ele passou por um dos momentos mais críticos dos últimos anos de sua vida, que foi a derrota da eleição de 1998. Então, ele passou também a ter mais tempo e menos pessoas a seu redor.
Quais cargos públicos ou políticos você já ocupou?
Fui vereadora do Recife por três mandatos, secretária de Juventude e Qualificação Profissional do Recife, e deputada federal entre 2019 e 2023. Nesse período, fui a única mulher de Pernambuco a estar na mesa diretora da Câmara dos Deputados, como segunda secretária. Um espaço disputado no voto, ocupado por somente 6, dos 513 deputados. Sempre atuei com foco na juventude, nas mulheres e na redução das desigualdades sociais.
Qual foi o projeto ou realização mais significativa ?
Destaco minha atuação na Câmara Federal em defesa das mulheres, dos trabalhadores e das políticas de renda e qualificação. Também lutei pela retomada de programas sociais estruturantes e pela ampliação do diálogo entre o governo e a base popular. Mas o principal projeto que se concretizou, sem dúvida, é a Lei da Dignidade Menstrual, que consegui aprovar e transformar em realidade depois de muita luta. Hoje, o Brasil é referência no mundo inteiro em relação ao tema, que foi abordado pela primeira vez por mim, em toda a história do Congresso Nacional.
A decisão mais difícil que precisou tomar na vida pública?
Houve vários momentos da minha vida pública em que precisei tomar decisões difíceis e sair da zona de conforto, para me manter firme na coerência e representando as pessoas. Nunca é fácil romper com estruturas políticas tradicionais, quando se discorda de certos pontos cruciais, principalmente sendo mulher. Porém, quando se toma posições corajosas com base na legitimidade popular, com coragem, serenidade e coerência, sem dúvida nenhuma, o coração fica tranquilo, por estarmos do lado certo da História.
Como lida com as críticas e pressões da vida política?
Com serenidade e convicção. A política é feita de embates, e aprendi a transformar críticas em combustível pra seguir lutando. O importante é manter-se fiel aos princípios e nunca perder o contato com o povo. E, lógico, a crítica também é um instrumento de construção, pois muitas vezes apontam equívocos que cometemos. Sempre vale a pena escutar, avaliar e reavaliar atitudes e, com base em críticas, poder melhorar.
Seu marido é ex-vereador de Salgueiro, vocês trocam figurinhas sobre política?
André é um grande companheiro e, sem ele, seria muito mais difícil segurar o rojão. Conversamos sobre todos os assuntos, inclusive sobre política. Somos melhores amigos, como um casal deve ser. Tê-lo ao meu lado, com a família linda que construímos, não tem preço.
Como lida com a distância das filhas durante o período de muitas viagens?
É um dos maiores desafios da minha vida. A saudade pesa, mas eu sempre explico a elas que minha luta é por um futuro melhor, não só pra elas, mas pra todas as crianças de Pernambuco. Maternidade e política caminham juntas, mas é inegável que há uma desigualdade enorme entre mulheres mães e homens na política.
Como é sua relação com João Campos?
Hoje temos uma relação excelente, de muito respeito, diálogo e também de amizade e admiração. O momento exige unidade e que a gente priorize o que nos une, não o que nos divide, principalmente em se tratando das forças progressistas. Estamos focados em trabalhar pelo Estado e pelo Brasil, cada um em seu espaço.
Experiência da disputa pelo governo de Pernambuco em 2022?
Foi mais um grande aprendizado e um momento histórico para o País, quando pela primeira vez, duas mulheres disputaram um segundo turno para o governo. Sem esquecer que disputei a eleição grávida e terminei o segundo turno com 7 meses de gestação. Exigiu muito de mim pessoalmente, em termos físicos e também de equilíbrio emocional. Mas afirmo sem medo de errar: saí daquela eleição mais madura e ainda mais firme nas minhas convicções.
O que gosta de fazer no tempo livre?
Estar com minhas filhas, estudar idiomas, me exercitar e viajar me fazem recarregar as baterias.
Qual sua maior inspiração pessoal e profissional?
Meu avô Miguel Arraes. Ele me ensinou que fazer política é cuidar das pessoas e que dignidade é um direito, não um privilégio.
Seus planos para o futuro na política?
Vou disputar as eleições de 2026, isso é fato. O cargo a ser disputado dependerá de muitas variáveis. Tenho conversado com muitas lideranças e construído um projeto coletivo. Ninguém é candidato de si mesmo e não acho legítimo candidaturas que nascem simplesmente de acordos dentro de gabinetes. Por isso, não paro de visitar o Estado inteiro e o Recife e me mantive presente todo o tempo, mesmo sem mandato ou qualquer cargo público.
O que aprendeu neste período sem mandato?
Aprendi a escutar mais. Esse tempo me aproximou ainda mais das pessoas e me fez entender o quanto o diálogo é essencial. Estou voltando com mais preparo, mais serenidade e o mesmo compromisso de sempre com o povo.
Conselho para jovens que querem entrar para a política?
Que entrem, que ocupem! A política precisa de novas vozes, de gente comprometida com o coletivo. Não tenham medo: a mudança começa quando a gente acredita que pode fazer a diferença. E sejam diferentes mesmo! Porque renovação não é sinônimo de idade nova, mas de uma forma diferente de fazer política.
RAIO X
Time: Sport.
Restaurante: Nenhum é melhor que a comida da minha sogra.
Comida: Cozido.
Filme: Os de Almodóvar.
Música: “Sem não nem talvez”, de Flávio Leandro.
Cantor(a): Elis Regina.
Livro: “O Brasil, o Povo e o Poder”, de Miguel Arraes.
Local favorito: Minha casa.
Hobby: Ler, fazer crochê, estudar idiomas.