Ingrid Zanella: uma profissional de excelência que inspira
A Coluna João Alberto traz entrevistas semanais com personalidades de destaque da sociedade pernambucana todas as segundas-feiras
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Por Lara Calábria
Ingrid Zanella Andrade Campos, 42 anos, é recifense, casada, advogada e professora. Entrou para a história ao se tornar a primeira mulher eleita presidente da OAB Pernambuco em mais de 90 anos de existência da instituição. E com um marco impressionante: jamais um candidato ou candidata à presidência da Ordem recebeu tantos votos quanto ela. Foram mais de 15 mil votos que traduziram um novo capítulo na história da advocacia pernambucana. Em comemoração ao Dia do Advogado, divide elementos de importância da sua vida e trajetória.
Como foi a escolha pelo Direito?
Desde muito nova, eu sentia o impulso de querer ajudar quem estava ao meu redor e de buscar sempre o que era justo. Costumo brincar que, ainda no colégio, fui a advogada das minhas amigas: estava sempre defendendo, tentando evitar que elas levassem alguma reclamação por situações que, no fundo, todo mundo compartilhava. Quando percebi que esse desejo de defender e fazer o certo era mais do que um traço da minha personalidade, já não conseguia mais me imaginar em outro caminho.
Tinha dúvida ou inclinação para outro curso?
Não tinha segunda opção. O curso de Direito sempre foi a minha única escolha. Sempre gostei da argumentação, da escrita, e gostava muito de ler livros jurídicos já desde nova. É um universo que sempre me fascinou. Nunca me vi sendo outra coisa além de advogada. Como sempre gostei muito de escrever, de falar, de articular ideias, associei essa vocação ao ambiente acadêmico e me tornei também professora de Direito.
Teve influência familiar?
Meus pais não são advogados, nem professores. A minha inspiração veio de uma pessoa muito especial: minha tia-avó Adalgiza, foi a primeira advogada da nossa família. Ela foi uma grande referência para nós, uma mulher à frente do seu tempo, que me incentivou desde cedo a estudar, a ler, a mergulhar no conhecimento, despertando em mim esse gosto tanto pela leitura quanto pelo magistério. Embora o Direito não fosse ainda uma tradição familiar no sentido amplo, minha tia-avó foi quem plantou essa semente.
Como foi o início da sua carreira?
Comecei como todo advogado e advogada começa: militando muito. Estive, e sigo, nos fóruns, vivendo a rotina da advocacia de perto, atendendo clientes com dedicação e, no começo, trabalhando em coworkings, espaços que hoje a própria OAB disponibiliza justamente para apoiar os colegas no início da caminhada ou aqueles que não mantêm um espaço físico. Lembro que usava ônibus para me deslocar, e nesses trajetos, muitas vezes tão cansativos, eu ia pensando em como transformar a minha trajetória e em como abrir caminhos para que outras pessoas também pudessem transformar as suas.
Especialidade no direito marítimo e portuário
Sempre estive diretamente ligada ao Direito e ao ensino, com foco em áreas bem específicas: Direito Marítimo, Portuário, Aduaneiro e Ambiental. Mas a minha conexão com o universo marítimo começou de um jeito bem diferente. Ainda na graduação, decidi trancar o curso por um período e embarcar como tripulante de um navio de cruzeiro aqui no Brasil. Quando desembarquei, percebi que aquele universo náutico era completamente diferente do que eu imaginava e me apaixonei por ele. Quando concluí o curso de Direito e ingressei no mestrado da UFPE, iniciei uma pesquisa sobre o Tribunal Marítimo e me aprofundei ainda mais no tema.
Quais os cargos que ocupou na OAB?
Comecei propondo ao presidente da OAB-PE, na época, Henrique Mariano, a criação da Comissão de Direito Marítimo e Portuário. A proposta foi acolhida e ele me nomeou presidente da comissão. E então começou minha trajetória dentro da Ordem. Entrei como presidente de comissão. Depois fui diretora acadêmica da Escola Superior de Advocacia, conselheira estadual e vice-presidente. E sigo acreditando que a OAB é de todos nós. E que qualquer pessoa, mesmo sem ter origem jurídica na família, pode, com trabalho e compromisso, chegar à presidência.
Os maiores desafios da advocacia?
A defesa firme das prerrogativas da advocacia. Levamos isso muito a sério: criamos a Diretoria de Prerrogativas, já aprovamos os desagravos e temos atuado diretamente com o Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas. O segundo pilar é a valorização dos honorários. Nessa gestão, instituímos a Procuradoria de Defesa de Honorários, que atua diretamente em processos judiciais para garantir o pagamento digno dos honorários. O terceiro ponto essencial é a celeridade processual. Criamos a Central de Celeridade Processual, que já apresenta uma taxa de 90% de resolução dos casos encaminhados por meio da Ouvidoria.
Viveu situações de misoginia por ser uma mulher?
Infelizmente, toda mulher que ocupa posições de liderança pode, em algum momento, passar por situações constrangedoras ou sentir na pele atitudes marcadas pela misoginia. É uma realidade que ainda enfrentamos. Quando estamos nesses espaços, somos frequentemente cobradas de forma triplicada. Precisamos provar o tempo todo que merecemos estar ali e que temos muito a entregar, não apenas à advocacia, mas à sociedade como um todo. Apesar disso, acredito que estamos vivendo um momento mais favorável, em que a representatividade feminina começa, de fato, a ser reconhecida como valor essencial.
Quem é sua maior inspiração?
Minhas maiores inspirações são as mulheres que fizeram parte da formação da minha vida. Minha mãe, Noemia Zanella, que sempre foi um exemplo de empatia e força. Desde a infância, me ensinou com atitudes a importância das práticas sociais, da ajuda ao próximo e do respeito livre de qualquer tipo de preconceito. Também carrego a força da minha avó Yolanda, sinônimo de firmeza e autonomia, e da minha tia-avó Adalgiza, a primeira advogada da família.
Quais são as atividades favoritas fora do universo jurídico?
Sou uma apaixonada por aprender coisas novas. Gosto de me desafiar. Sempre que posso, me aventuro a aprender um instrumento musical, por exemplo. Também adoro ler, assistir a bons filmes e encontrar momentos de respiro na rotina, que é sempre tão intensa. Estar em casa, descansar, curtir o silêncio, tudo isso tem um valor enorme para mim. Mas se eu puder escolher o cenário ideal, seria uma boa caminhada à beira-mar, um livro nas mãos e, claro, a companhia da minha família.
O que diria para sua versão de 10 anos atrás?
Não desista. Não vai ser fácil, mas vai dar tudo certo. Continue firme, com foco, motivação e esperança. A jornada vai exigir muito, mas a determinação vai fazer toda a diferença. Acredite no seu caminho e confie na sua entrega, porque ela vai te levar longe. Acima de tudo, siga em frente com coragem e vamos fazer história.
Próximos projetos na advocacia pernambucana.
Vamos lançar o maior projeto já idealizado voltado ao exercício, à saúde e ao bem-estar da classe. Será algo totalmente inovador e que reflete o espírito da nossa gestão focada em entregas e em resultados. Temos também iniciativas em andamento, como a formulação de projetos de lei que garantem o recebimento de honorários e fortalecem a atuação da advocacia. Quero investir fortemente em tecnologia e inovação para transformar, de verdade, a experiência da advocacia em Pernambuco.
Quais são os problemas jurídicos mais comuns do povo pernambucano?
Muitas das demandas jurídicas da população estão ligadas ao acesso à saúde, à moradia, à rapidez nos processos judiciais e à violação de direitos básicos, especialmente nas comunidades mais vulneráveis. Também há muitos casos envolvendo relações de consumo, violência doméstica, aposentadorias e questões ligadas à família.
Tem feito parcerias importantes com os governos?
Temos parcerias em todas as esferas. No âmbito municipal, por exemplo, estamos trabalhando junto à Prefeitura do Recife para lançar o Conecta OAB, um projeto totalmente novo que vai facilitar o acesso de advogados e advogadas a serviços e informações. No Governo do Estado, estamos construindo, em parceria com o Tribunal de Justiça de Pernambuco, a regulamentação da advocacia dativa por meio de convênio, o que trará mais empregabilidade e segurança jurídica, tanto para os profissionais quanto para a sociedade. E com o Governo Federal, firmamos, por meio do Banco do Nordeste, uma linha de crédito exclusiva para a advocacia.
Coisas imprescindíveis na sua vida
Eu não vivo sem família, trabalho e propósito. Não vivo sem estar cercada de afeto, sem a correria dos desafios diários e, sobretudo, sem sentir que estou fazendo algo que transforme, nem que seja um pouquinho, a vida das pessoas. E acho também que não vivo sem sonhar. Todo mundo precisa sonhar com as coisas boas que estão por vir.
Qual valor considera inegociável?
Lealdade. Esse, para mim, é um valor indispensável. Acredito que as pessoas precisam ser leais ao que acreditam e, acima de tudo, nas suas relações, sejam elas pessoais, profissionais ou institucionais. A lealdade traz transparência e constrói confiança. E é com esse princípio que gosto de conduzir a minha vida e o meu trabalho. A partir dele, tudo flui de forma mais íntegra e positiva.
Como é a sua rotina diária?
Começa cedo. Todos os dias, às 5 da manhã, estou de pé para fazer exercício físico. Cuidar do corpo e da saúde é essencial em uma rotina tão intensa como a minha. O dia é dividido com muita organização e entrega. Hoje, 70% do meu tempo é dedicado à OAB. É o meu foco principal. Os outros 30% do tempo reservo para a advocacia privada, que também sigo exercendo com muita responsabilidade. No momento, estou afastada das aulas na UFPE. Pedi uma licença sem vencimentos para conseguir me dedicar ainda mais à gestão da OAB-PE.
Pensa em reeleição?
Meu foco está inteiramente na gestão que estou conduzindo. Acredito muito no trabalho sério, em fazer o que é melhor para a advocacia pernambucana. E para isso a gente precisa focar no agora, no trabalho. Eu tenho vivido cada dia à frente da OAB com dedicação total, pensando sempre no coletivo, nas necessidades da classe, nas transformações que podemos promover. Tenho plena consciência da responsabilidade do cargo e, por isso, minha energia está voltada para honrar esse compromisso da melhor forma possível.
RAIO X:
Restaurante: Italiano.
Filme: “Suprema”.
Time: Brasil
Lugar Bonito: centro histórico do Recife.
Livro: “Churchill, o jovem Titã”, de Michel Shelden.