"A Própria Carne" mostra que a história brasileira também é digna de filmes de terror
A colaboração entre Alexandre Ottoni e Deive Pazos (Jovem Nerd) e Ian SBF estreia no dia 30 de outubro com exclusividade das salas Cinemark no Brasil
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*Esta matéria contém spoilers
Em um mundo no qual narrativas de terror históricas parecem estar situadas apenas em locais distantes do Brasil, Jovem Nerd e Ian SBF buscam mudar essa ideia com "A Própria Carne".
O longa-metragem acompanha a chegada de três soldados desertores em uma casa isolada na floresta, durante a Guerra do Paraguai, em 1870. Quando chegam lá, eles começam a desconfiar de que tem algo errado com o dono da fazenda.
O que parecia ser um refúgio seguro, acaba se tornando um pesadelo e, conforme os dias vão passando, os fugitivos descobrem que o fazendeiro misterioso e a jovem que moram na casa escondem segredos macabros.
Com estreia no dia 30 de outubro e classificação indicativa para maiores de 18 anos, "A Própria Carne" é uma produção Nonsense Creation e Neebla, com distribuição do Jovem Nerd e da Cinemark, que também exibe o filme com exclusividade em todo o país.
O mal pode estar mais perto que você imagina
O primeiro contato que os telespectadores têm com o filme é bem dramático: um grupo de soldados matando um capitão já fala por si só. A guerra é mostrada e, de primeira, já se percebe que os amigos estão infelizes em estarem participando da situação.
Gustavo (Jorge Guerreiro), Gabriel (Pierri Baitelli) e Anselmo (George Sauma), então, se disfarçam de cidadãos comuns e procuram abrigo na floresta em que estão. Quando encontram uma casa, no meio do nada, acham que estão salvos dos outros soldados que procuram por eles, pelo menos por uma noite.
Porém, encontram um fazendeiro com uma configuração familiar um pouco diferente do comum. É aquele tipo de família que já dá um ar de filme de terror, bem caricata. Um homem corcunda com um olhar penetrante, uma mulher que parece possuir transtornos mentais, e algumas pessoas que parecem estar sendo maltratadas: é óbvio que os protagonistas desconfiam de algo.
E eles estão certos! "A Própria Carne" é uma noite de terror a cada dia que passa. Mas a grande questão é: por quê? O que acontece dentro daquela casa? Por que todo mundo parece ser tão estranho? E aí é que a magia do suspense chega.
O filme é uma experiência curiosa dentro do cinema de terror nacional e talvez justamente por isso possa despertar tanta atenção. A proposta, de certa forma, é hipnotizante: em muitos momentos, soa mais como um audiobook em forma de imagem.
Essa escolha estética, longe de ser um defeito, acaba se tornando uma das virtudes mais interessantes da produção. O som não apenas complementa a narrativa, mas a conduz com uma força quase sensorial, transformando o simples ato de ouvir em parte essencial do medo.
Como toda estreia, o longa de Ian SBF carrega certo amadorismo, mas não no pior sentido da palavra. É um projeto feito com entusiasmo, coragem e vontade de experimentar. Afinal, isso não é só o primeiro terror dirigido por Ian, mas também da primeira entrada no mundo cinematográfico de Alexandre Ottoni e Deive Pazos, nomes conhecidos do universo Jovem Nerd.
A narrativa carrega uma certa ousadia, ainda que o resultado revele as inseguranças naturais de quem está descobrindo um novo território.
O roteiro, embora cheio de boas ideias, acaba se perdendo em algumas contradições. Os personagens mudam de opinião com rapidez, o que gera certa confusão e fragiliza o envolvimento emocional com a trama.
Em apenas 1h30 de duração, o filme tenta desenvolver muitos elementos, talvez mais que o tempo permite. Isso resulta em um texto que carece de um momento para "respiro" e de uma progressão mais orgânica.
Os diálogos também explicam demais: é como se os próprios personagens precisassem dizer ao público onde encaixar cada peça do quebra-cabeça, impedindo que o espectador descubra por conta própria.
Visualmente, o filme não acompanha o mesmo impacto que o sonoro propõe. A ambientação e a fotografia cumprem um bom papel, mas falta sutileza: a tensão é construída mais pela trilha que pelo olhar.
Ainda assim, existe um mérito indiscutível: a atmosfera de terror é repleta de personalidade. O uso do som, das pausas e, até dos silêncios, cria uma sensação quase tátil de desconforto. Muitas vezes, os personagens beiram ao sussurro, com falas que, segundo o próprio diretor, não eram ouvidas no meio da gravação. O som é realmente muito importante para o longa, inclusive, quanto mais alto se assistir ao filme, melhor.
Entre as atuações, o grande destaque é Luiz Carlos Persy, que entrega uma performance intensa e bem poderosa. Ele é, sem exageros, o eixo emocional e narrativo que sustenta o filme. A presença de um ator tão experiente em cena traz um peso que eleva o nível geral da produção.
No fim, "A Própria Carne" é um exercício corajoso de criação. É imperfeito, às vezes confuso, mas cheio de identidade e paixão.
Ver um terror brasileiro que se arrisca, que busca novas linguagens e que se agarra nos acontecimentos históricos brasileiros já é, por si só, motivo para comemorar. Pode não ser um filme que assusta o tempo todo, mas é um que instiga, provoca e deixa claro que o terror nacional ainda tem muito a dizer.