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'Teremos novas síndromes congênitas se nada for feito', diz médico que levantou hipótese entre zika e microcefalia

Debate reuniu o infectologista Carlos Brito, a neurologista Adélia Henriques e a jornalista Cinthya Leite para discutir os dez anos do surto

Por JC Publicado em 21/11/2025 às 15:33 | Atualizado em 21/11/2025 às 16:48

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Dez anos após o surto de microcefalia associado ao zika vírus, Pernambuco voltou a discutir um dos episódios mais marcantes da saúde pública recente no país no Debate da Super Manhã, da Rádio Jornal, nesta sexta-feira (21).

Na conversa, o médico, pesquisador e professor da UFPE Dr. Carlos Brito, a médica neurologista infantil Dra. Adélia Henriques, a jornalista e titular da coluna Saúde e Bem-Estar do Jornal do Commercio, Cinthya Leite e a apresentadora da Rádio Jornal, Natália Ribeiro, ressaltaram o pioneirismo de Pernambuco em toda a investigação que levou à compreensão científica da relação entre a infecção materna e as malformações congênitas.

Combate às arboviroses precisa ser atemporal

Segundo Brito, o Brasil tende a esquecer rapidamente epidemias, o que aumenta o risco de novos surtos. Ele destacou que, embora Pernambuco não registre transmissão epidêmica de chikungunya há quase dez anos, o cenário pode mudar. "A memória é curta. Achava-se que o Sul não teria dengue, e vimos recordes recentes. As arboviroses vão voltar, em 10, 20 ou 30 anos", disse.

“Novos casos vão acontecer. Haverá novamente casos congênitos porque há respaldo científico para isso: os estudos mostram que a população permanece suscetível. Nos estados que não registraram transmissão significativa no passado, esses casos também devem surgir.”

A neurologista Adélia Henriques reforçou que o país não pode ignorar as doenças transmitidas por mosquitos. "Foram mais de 400 crianças nascidas com graves comprometimentos. A síndrome congênita pelo zika está bem estabelecida, mas não vivemos só do zika. As arboviroses seguem endêmicas. E não vemos campanhas proporcionais à gravidade do problema.”

Os especialistas também apontaram a necessidade de atenção contínua às crianças afetadas pela síndrome congênita. Muitas, afirmam, permanecem em situação de alta dependência e sem acesso adequado a serviços de saúde e assistência. “Essas crianças precisam de suporte integral. A maioria tem gastrostomia, algumas têm traqueostomia. São totalmente dependentes”, disse Brito.

Alarme no IMIP

Há 10 anos, primeiro sinal de alerta surgiu no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). A Dra. Adélia Henriques notou um padrão assustadoramente incomum. Enquanto o esperado era contar nos dedos (cerca de 8 a 10) os casos de microcefalia por ano no estado, subitamente nasceram várias crianças com a medida da cabeça abaixo do previsto pela Organização Mundial de Saúde.

“Eu só disse: é esquisito. Está nascendo um monte de microcefalia do nada, ao mesmo tempo, e as mães adoeceram no mesmo período”, afirmou. Segundo ela, a equipe passou a identificar um crescimento exponencial dos casos dentro de poucos dias. “Sabíamos que existia dengue e chikungunya, mas havia algo diferente.”

O Raciocínio Científico de Pernambuco

O Dr. Carlos Brito foi fundamental na montagem do "quebra-cabeça" que ligou o Zika à microcefalia, utilizando o conhecimento clínico e epidemiológico adquirido antes. Ele organizou equipes para coleta de material e estabeleceu canais de discussão entre especialistas. Pernambuco acabou sendo o primeiro lugar no mundo a isolar o zika vírus no líquor de pacientes.

"Confirmamos que o vírus estava no sistema nervoso central. Quando juntamos os dados clínicos e epidemiológicos, foi um choque”, lembrou. O fechamento da hipótese veio com estudos subsequentes, incluindo análises em tecidos cerebrais e pesquisas de caso-controle realizadas no Estado.

Papel do JC

Na época, a jornalista Cinthya Leite, titular da coluna Saúde e Bem-Estar do JC, recebeu a informação do grupo de médicos via WhatsApp. Apesar das preocupações de que a notícia pudesse ser fake ou sensacionalista, dada a falta de estudos científicos prévios na Pubmed, ela publicou a primeira matéria ligando Zika e microcefalia, confiando na credibilidade e seriedade dos médicos entrevistados.

Na conversa, ela também apontou para a necessidade de transparência nos dados oficiais de Pernambuco, citando que, apesar dos 470 casos confirmados de Zika congênita, ainda há 318 óbitos suspeitos, e a clareza nos boletins é fundamental para a continuidade das pesquisas longitudinais.

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