Aprovação de novos cargos no STJ expõe privilégios do Judiciário, avalia cientista político
Lobby do Judiciário sobre Legislativo e custos da máquina pública foram pontos centrais da análise do cientista político Magno Karl

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3181/25, que cria 330 novas funções comissionadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cada cargo terá remuneração de R$ 3.663,71, com impacto previsto de R$ 8,7 milhões em 2025 e de R$ 17,5 milhões a partir de 2026.
O tribunal argumenta que a medida está dentro do teto de despesas primárias e visa reestruturar a distribuição de servidores nos gabinetes e em áreas técnicas. Ainda assim, o tema gerou forte reação no Congresso e abriu espaço para críticas sobre a desconexão da Corte e do Parlamento em relação às dificuldades enfrentadas pela população.
Em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o analista político e diretor executivo do Livres, Magno Karl, afirmou que o contraste entre o discurso de austeridade e a aprovação de novos cargos expõe uma diferença estrutural na forma como os poderes lidam com pressões internas e externas.
“É uma desconexão bastante significativa em que os problemas da sociedade, em que as conversas da sociedade parecem não chegar por lá. Sempre que aparece uma pauta dessa, nós temos as necessidades dos tribunais sendo muito bem defendidas pelos seus representantes, e as necessidades da sociedade, principalmente daqueles que verão o cinto ser apertado e sofrerão as consequências nos próximos anos, não conseguem ser representados”, declarou.
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Para ele, esse tipo de decisão acaba se tornando um aumento salarial indiretos. “Ao invés de passarmos pelo processo normal de discussão de aumentos salariais, o Estado brasileiro entrou numa rotina de oferecer aumentos disfarçados para seus funcionários. Isso nos leva a perder o controle e acabar com um dos Judiciários mais caros do mundo sem que a sociedade receba necessariamente os benefícios desse custo”, criticou.
O peso da pressão do Judiciário
Karl apontou que parlamentares têm dificuldade em resistir às demandas do Judiciário, em grande parte porque calculam como podem precisar dos ministros no futuro.
“Sem dúvida, essa lógica talvez seja uma das forças mais poderosas de Brasília. Membros do Executivo e do Legislativo, mas principalmente do Legislativo, imaginam em qual situação possam estar e que talvez venham a depender de alguém do Judiciário”, avaliou.
Ele lembrou que, nos últimos anos, o Congresso e o Executivo têm sido mais cautelosos ao reajustar os próprios vencimentos, diferentemente do Judiciário. “Não vemos mais aqueles aumentos escandalosos de salário para si mesmos no calar da noite. Existe uma força social que constrange Executivo e Legislativo. Mas, quando o tema é o Judiciário, nós assistimos a multiplicação de penduricalhos que se transformam em aumentos disfarçados”, disse.
Na prática, afirmou Karl, há uma disparidade de tratamento: “Os prefeitos vão a Brasília atrás de emendas e ficam ao sol, com pires na mão, peregrinando por gabinetes. Já o Judiciário consegue um ouvido privilegiado. Vimos na semana passada dezenas de membros da magistratura se reunindo com o deputado Pedro Paulo, relator da reforma administrativa. É um poder de lobby desmesurado”.
Super salários e serviços não proporcionais
Outro ponto destacado pelo analista foi o peso dos chamados “super salários” no Brasil. Segundo ele, quase todos os vencimentos acima do teto do funcionalismo estão concentrados no Judiciário.
“O serviço público paga muitos salários acima do limite que a lei determina, e quase todos estão no Judiciário. Nós temos um poder que custa muito mais caro do que os outros e que paga remunerações muito acima. Mas a população não sente diferença no serviço prestado. O brasileiro não se sente cinco vezes mais bem atendido que o argentino ou o chileno, embora os gastos com o Judiciário aqui sejam muito superiores”, comparou.
Karl observou ainda que a sociedade brasileira tem hoje mais instrumentos para acompanhar os gastos públicos, o que torna visíveis essas distorções.
“Nos últimos anos, melhoramos a fiscalização e a transparência. Hoje mesmo os absurdos são mais conhecidos. Mas, com os dados disponíveis, é inegável que temos um poder que custa mais, oferece benefícios que os outros não oferecem e não se submete às urnas. Isso precisa ser debatido”, defendeu.
Clima de tensão com o Legislativo
A votação na Câmara ocorreu em meio a uma fase de atritos entre os poderes. Além da discussão sobre foro privilegiado, parlamentares têm mostrado desconforto com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal e do STJ.
Para Karl, isso ajudou a acirrar a resistência ao projeto. “Naturalmente, nós já teríamos uma discussão sobre os custos, porque é reconhecido o peso do Judiciário na máquina pública. Mas, nesse contexto, há um incremento pela desconfiança em relação à atuação do Judiciário e pelo debate sobre as atribuições da Corte”, explicou.
O analista destacou três fatores principais: o custo elevado do Judiciário, o questionamento sobre o protagonismo político da magistratura e a cautela dos parlamentares em relação a votações que possam afetar diretamente seus interesses.
“Os parlamentares não se sentem à vontade para debater as questões do Judiciário com a mesma liberdade com que discutem outros temas. Isso ocorre porque, uma vez que os temas chegam ao Congresso, a geografia do espaço muda de tanto lobby. Representantes invadem os corredores e isso se traduz na força política que o Judiciário tem”, afirmou.