Intervalo Bíblico: O que muda nas escolas com o projeto aprovado na Câmara do Recife
Proposta de Luiz Eustáquio, que institui a Política de Combate à Intolerância Religiosa, segue agora para a sanção ou veto do prefeito João Campos

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A Câmara Municipal do Recife aprovou, nesta terça-feira (2), em segunda e última votação, o Projeto de Lei nº 205/2024, conhecido como “intervalo bíblico”.
A proposta, de autoria do vereador Luiz Eustáquio (PSB), cria a Política de Combate à Intolerância Religiosa no Ambiente Escolar e pode mudar a rotina das escolas ao exigir que instituições desenvolvam ações pedagógicas sobre diversidade religiosa. Além disso, permite práticas de fé durante o recreio.
O texto obteve ampla maioria, com apenas três votos contrários — de Cida Pedrosa (PCdoB), Jô Cavalcanti (PSOL) e Kari Santos (PT). A sessão foi presidida pelo vereador Zé Neto (PSB). Agora, o projeto segue para sanção ou veto do prefeito João Campos (PSB).
O que muda nas escolas
O projeto aprovado traz três eixos principais:
Intervalo religioso
- O artigo 3º garante que “os alunos poderão se reunir e professar sua fé no horário de intervalo escolar, sem prejuízo na grade curricular”.
- Isso significa que, no recreio, estudantes poderão orar, ler textos religiosos, cantar ou meditar, assim como outros colegas jogam bola ou vão à biblioteca.
Ações pedagógicas transversais
- O artigo 2º obriga escolas públicas e privadas a desenvolver atividades extracurriculares ligadas à diversidade religiosa e cultural
- Os temas incluem: liberdade de crença e culto; combate ao racismo; importância histórica dos povos indígenas; tradição judaico-cristã; laicidade do Estado; consequências da intolerância religiosa; crenças de comunidades tradicionais.
Esses conteúdos devem ser trabalhados ao longo da educação básica, respeitando o projeto pedagógico de cada escola e o nível de desenvolvimento dos alunos.
Respeito às escolas confessionais
- O texto prevê que a aplicação da política deve respeitar a identidade religiosa de escolas confessionais, ou seja, ligadas a uma fé específica.
As defesas no plenário
O autor da proposta, Luiz Eustáquio, afirmou que o projeto busca combater pressões sofridas por estudantes que se reuniam para orar. “Esse projeto busca sanar a intolerância nas escolas, onde jovens que se reuniam para falar da Palavra de Deus, no ano passado”, disse.
Ele reforçou que a lei não é restrita ao cristianismo. “Nós fizemos uma lei contra a questão da intolerância religiosa. E essa lei abrange todas as religiões”, afirmou.
O vereador Thiago Medina (PL), que em maio teve rejeitado um projeto semelhante, destacou a pressão popular sobre a Casa. “Essa iniciativa não é do nada. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) entrou com uma ação contra os intervalos bíblicos no ano passado. Os ditos defensores da liberdade quiseram impedir que os cristãos — e na verdade qualquer religião — se reunissem nas escolas. Esse é um passo muito importante para a cidade e para esta Casa”, declarou.
Para Fred Ferreira (PL), o intervalo vai além de uma pausa. Ele defendeu que o momento traz valores espirituais, sociais e culturais. Segundo ele, o tempo de recreio poderá ser “a oportunidade de nutrir o espírito, fortalecer valores e transformar vidas”.
Já a vereadora Ana Lúcia (Republicanos) afirmou que as escolas são ambientes naturalmente diversos, mas que ainda há resistência contra a fé cristã. “Há sim uma intolerância de alguns contra a fé cristã. O intervalo pode ser ocupado, também, pelos alunos que quiserem, com leituras bíblicas”, explicou.
As críticas e os votos contrários
Na votação desta terça, Cida Pedrosa (PCdoB) reforçou que a liberdade de culto é um valor histórico de seu partido, lembrando que o direito foi defendido já na Constituição de 1942.
No entanto, criticou a retirada do artigo 2º em sua versão original, que dava maior destaque à pluralidade de religiões. “Essa lei passou a ter um problema quando o artigo 2º foi retirado. Fica parecendo que apenas os cristãos têm direito a esses momentos para manifestar sua religião nos recreios escolares”, disse.
Ela também destacou a importância da laicidade. “O Estado não pode estar ligado a uma religião específica. Vou votar contra porque o Estado tem que estar distante dessas questões religiosas”, concluiu.
A vereadora Jô Cavalcanti (PSOL) votou contra alegando que a proposta fere o regimento interno, já que projeto idêntico de Thiago Medina havia sido rejeitado meses antes. “Se os dois projetos são iguais, não podem ser aprovados”, disse.
Kari Santos (PT) acompanhou o voto contrário, também por entender que a medida privilegia uma tradição religiosa em detrimento de outras.
Por que o projeto foi criado
Na justificativa, Luiz Eustáquio destacou que a intolerância religiosa se manifesta em agressões, exclusão e discriminação, e que a escola deve ser um espaço de acolhimento.
O texto cita ainda a Resolução nº 440/2022 do CNJ, que criou a Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa no Judiciário.
O projeto também defende a formação de professores para lidar com conflitos, estimulando empatia e respeito às diferenças.
Em resumo
O Projeto de Lei nº 205/2024 pretende:
- Garantir o intervalo religioso durante o recreio escolar.
- Exigir ações pedagógicas transversais sobre liberdade religiosa, racismo, diversidade cultural e laicidade.
- Proteger a identidade de escolas confessionais.
- Defensores afirmam que a medida fortalece valores e garante liberdade de culto. Críticos alertam que o texto pode privilegiar uma fé específica e fragilizar o caráter laico do Estado.
- Agora, cabe ao prefeito João Campos decidir se a proposta será sancionada ou vetada.